Por Flavio Guberman, Advogado e Consultor no Escritorio de Assessoria Jurídica José Oswaldo Corrêa, LEXNET Rio de Janeiro.
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM 30 ANOS
Três anos após o fim formal da ditadura e após longo processo gestacional, de negociações e muitas incertezas, vinha à luz a Constituição Cidadã, assim batizada por Ulysses Guimarães. Promulgada em 05 de Outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil que foi entregue ao Povo Brasileiro pelos 559 Srs. Congressistas da Assembleia Nacional Constituinte amalgamava a necessidade da superação do controverso período do Regime Militar com o encontro de tantas expectativas e anseios da população.
Em verdade, criou-se uma grande expectativa e, um tanto ingenuamente – quiçá se seguindo uma antiquíssima tradição brasileira – quase se acreditava que seria a Constituição uma panaceia, quase como se o Texto Máximo, promulgado, fosse resolver todos os problemas nacionais; problemas esses que se avolumavam tão preocupantemente em meio a incertezas políticas e econômicas.
O ponto principal é que, a despeito de campanhas em televisão (havia boletins informativos todos os dias na televisão, o Diário da Constituinte, além de intensa cobertura nos telejornais e pela imprensa escrita), aquela Assembleia que se reuniu entre 1ª de Fevereiro de 1987 e 22 de setembro de 1987 não conseguiu traduzir o sentimento do povo brasileiro como um todo, até mesmo porque o debate dos temas mais prementes nunca foram amplamente discutidos com a sociedade civil, sendo conduzidos de forma partidária.
A grande parcela do povo brasileiro esteve alheia à tramitação da constituição e, demais disso, embora tenham ocorrido certos picos de entusiasmo quando alguns assuntos eram debatidos, poucos se interessavam nas discussões que se travavam no Planalto Central. Era como se a realidade e o que acontecia em Brasília vivessem em mundos paralelos, sendo que o que surgiu dos longos debates foi uma Constituição longa, confusa e contraditória (tanto que já recebeu mais de 100 emendas) mas que, mesmo assim, paradoxalmente, foi um avanço considerável à normativa constitucional que até então havia no país, trazendo inegáveis e benfazejos avanços institucionais, políticos, sociais e de garantias individuais.
Não obstante, os avanços havidos são de se ressaltar que alguns momentos pouco brilhantes tiveram lugar àquela altura. O viés de proteção a interesses pessoais que, em grande parte, se sobrepuseram aos interesses comuns, pode ser ilustrado com a discussão sobre o mandato presidencial (e a redução do mandado do presidente José Sarney de seis para cinco anos) e a tentativa de inchar demasiadamente as chamadas cláusulas pétreas. Com efeito, o texto constitucional brasileiro comporta uma série de assuntos que, em realidade, são matérias legais cuja natureza exsuda infra-constitucionalidade, tendo sido tratadas ali no seio da Lei Maior por puro receio de reversões em direitos que se estavam ampliando ou até mesmo no Estado Democrático. Tanto que outras sensíveis discussões levadas a cabo foram sobre a questão agrária e o papel das Forças Armadas. Acreditava-se que insculpir na Constituição uns quantos temas garantiria um maior respeito aos mesmos, uma vez que a modificação constitucional segue um rito especial, um processo legislativo mais elaborado (e é por isso que nossa constituição poderia ser qualificada de rígida), quórum diferenciado etc, o que, em tese, implicaria uma “garantia adicional”, o que era uma ilusão, haja vista, como dito, a quantidade absurda de emendas constitucionais havidas ao longo dos últimos trinta anos.
O fato é que nossa Constituição é do tipo dirigente, para usarmos a classificação do célebre José Joaquim Gomes Canotilho, emérito constitucionalista português, de vez que a Constituição brasileira traz em seu bojo uma quantidade enorme de diretivas e objetivos que devem ser pelo Estado seguidas e buscados. Se, por exemplo, conjugarmos a leitura dos artigos 3º, 5º e 7º, fica claríssimo que nosso Texto Magno contém um irretorquível conteúdo programático, sendo, ainda, dogmática e analítica, eis que descreveu detalhadamente os direitos e garantias por ela trazidas.
Não que tenhamos uma visão negativa da constituição. A mais longa e abrangente Constituição brasileira trouxe inegáveis avanços sociais e de reconhecimento de garantias individuais e coletiva. Reflexo do tempo em que nasceu e da fragilidade democrática de então, foi considerada à época da promulgação uma das mais avançadas em relação às garantias dos cidadãos, mas cujos avanços mais notáveis foram institucionais e poucas vezes notados, tanto que passamos por duas turbulências políticas graves, como os legítimos impeachments em 1992 e 2016 sem qualquer ruptura. Isso prova, sobretudo, maturidade.
Em síntese, entre vicissitudes e defeitos, a Constituição promulgada naquele 05 de Outubro de 1988, garantiu ao país a mais longa estabilidade institucional do Brasil desde o Império. A democracia brasileira, hoje madura e irreversível, tem na Constituição que a define e protege um espelho inquestionável: complexa, inquebrantável e sólida.