Por Sérgio Schwartsman, sócio Coordenador da área trabalhista de Lopes da Silva & Associados – Sociedade de Advogados, LEXNET São Paulo.
A Covid como Doença Profissional
Recente decisão da Vara do Trabalho de Três Corações reconheceu a Covid como doença profissional e, no caso, em virtude do falecimento do trabalhador, condenou a empresa no pagamento de indenização por danos morais à viúva e à filha, além de determinar o pagamento de pensão mensal a ambas.
Tal decisão, de 1º grau e, portanto, sujeita a revisão por parte do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais, causou repercussão e, evidentemente, preocupação entre os empresários, algo na linha do “se a moda pega…”.
Antes da decisão aqui mencionada, já tivemos a oportunidade de nos manifestar sobre o tema da Covid como doença profissional e agora, após essa sentença, mantemos nosso entendimento, qual seja, a consideração da Covid como doença profissional vai depender de cada caso concreto submetido à análise do Poder Judiciário, no qual deverá ser analisada a existência ou não de nexo causal entre a doença e as atividades do empregado, a aplicação ou não da responsabilidade objetiva do empregador, a depender de sua atividade, o fornecimento e uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e/ou Coletivos (EPCs) e outros fatos inerentes a cada situação concreta.
Está definido por lei que a Covid será doença profissional caso fique comprovado o nexo causal entre ela e as atividades do empregado. A questão mais relevante que resta, então, é saber de quem é o ônus da prova desse nexo, ou, posto de outra forma, é o empregado que deve provar que contraiu Covid no trabalho ou é a empresa que tem de comprovar a contaminação se deu fora do trabalho?
E para deslinde desse imbróglio há duas teorias, a Teoria da Responsabilidade Objetiva do Empregador e a Teoria da Responsabilidade Subjetiva do Empregador.
No primeiro caso, se entende que, em face das atividades exercidas pelo empregador (por exemplo, um Hospital, especialmente em relação ao pessoal que atua na linha de frente da Covid), ele é a responsável por qualquer acidente ou doença de seu empregado e, por isso, ela terá que comprovar que a Covid foi adquirida fora da empresa; se não fizer essa prova, será considerada doença profissional.
Para a segunda hipótese, só haverá responsabilidade do empregador se ele agir com dolo ou culpa, de modo que caberá ao trabalhador a prova de uma dessas situações, cabendo a ele provar o nexo causal entre seu trabalho e a contaminação pela Covid.
A partir desse ponto é que se torna relevante a decisão mencionada no início desse texto, pois o Juiz que a proferiu entendeu que se aplica a Teoria da Responsabilidade Objetiva e que, por isso, caberia ao empregador comprovar que não há nexo causal entre o trabalho e a doença.
A decisão em tela afirma que seria “impossível ao trabalhador e, portanto, inexigível a prova do nexo causal entre a contaminação e o trabalho, havendo margem para aplicação da tese firmada, sob o Tema nº 932, com repercussão geral reconhecida”.
É fato, em nosso sentir, que “é impossível ao trabalhador e, portanto, inexigível a prova do nexo causal entre a contaminação e o trabalho”, mas também entendemos que é improvável o empregador demonstrar a ausência do nexo e, portanto, inexigível, porque impossível, a prova da inexistência do nexo causal entre a contaminação e o trabalho.
Lembremos que a responsabilidade objetiva utilizada para fundamentar a sentença e tratada no citado Tema nº 932 que trata de acidente de trabalho, deve ser aplicada àquelas atividades especificadas em Lei “ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”.
No caso da sentença comentada nesse artigo, a atividade do empregado era de motorista, sendo que esta não se enquadra naquelas que a Lei prevê como de risco inerente e, em nosso sentir, não implica em exposição habitual risco especial e nem impõe ao trabalhador maior risco que as demais. Assim, entendemos não ser aplicável ao caso concreto a Teoria da Responsabilidade Objetiva.
O Juiz entendeu que, por “não poder ficar em casa” e estar sujeito a paradas em locais públicos e contato com clientes, a atividade “implicou ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”.
Pois bem, em que pese discordarmos da aplicação da Teoria da Responsabilidade Objetiva no caso concreto (e em relação à decisão houve interposição de Recurso para que o TRT da 3ª Região – Minas Gerais – ainda não julgado), é importante entender que é um entendimento possível de ser compartilhado por outros juízes e que, portanto, pode gerar riscos aos empregadores, ainda que não ligados a atividade de risco especial.
Assim, importante e indispensável ao empregador, se precaver para evitar a contaminação pela Covid, adotando medidas preventivas e provando essa adoção, para se desincumbir do ônus de provar a inexistência de nexo causal entre as atividades (trabalho) e a doença.
Portanto, o empregador deve cumprir e ser capaz de demonstrar que o faz com rigor, especialmente os controles sanitários, seja em relação ao seu pessoal, seja em relação ao público externo que adentre às suas dependências.
Nesse sentido, advoga em favor da diminuição dos riscos trabalhistas do empresário, os controles efetivos para manutenção do distanciamento entre os empregados e no atendimento ao público, a utilização obrigatória de máscaras de proteção (tanto pelos empregados, quanto pelos clientes ou qualquer outro público externo que adentre ao estabelecimento), disponibilização de álcool gel para higienização, e todas as demais regras de conhecimento geral. Além disso, devem ser orientados (e ser passível de comprovação tal orientação), para que efetivamente façam uso desses métodos de proteção.
Ainda em relação aos empregados, além de, como dito, fornecer os Equipamentos de Proteção Individual, o empregador deve (i) comprovar esse fornecimento, de tal sorte que deve manter a Ficha de Entrega de EPIs, devidamente assinada pelo empregado a cada novo fornecimento de algum equipamento, (ii) punir efetivamente (por exemplo, com advertência por escrito ou até mesmo suspensão, em caso de não utilização dos Equipamentos) e (iii) orientar os empregados acerca da importância da utilização dos EPIs, inclusive nos trajetos de casa para o trabalho e vice-versa, bem assim em quaisquer oportunidades em que saia de casa, seja para trabalhar, seja para fazer particulares.
Também é de todo recomendável que, no caso de não ser disponibilizado álcool em gel individualmente a cada empregado, que haja menção no Termo de Responsabilidade e Entrega e Utilização de EPIs, que há álcool em gel disponível no local de trabalho e em todos os ambientes da empresa (e efetivamente deve haver) e que deve ser utilizado “sem moderação”.
Evidentemente o fornecimento de EPIs, orientação e fiscalização de seu uso e punição em caso de recusa na utilização não são garantia integral de não responsabilização pela contaminação pela Covid, mas são um excelente argumento de defesa, no sentido de que todas as providências cabíveis para evitar o contágio foram tomadas e, portanto, não seria caso de imposição de qualquer responsabilidade ao empregador, já que não se pode provar o nexo causal entre a doença e as atividades do empregado, inclusive aplicando-se, ainda que por analogia a Súmula nº 289 do TST.