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A ÉTICA E A EFICÁCIA NO DIREITO DE FAMÍLIA

Por: LAIS AMARAL REZENDE DE ANDRADE, sócia do escritório LEXNET Especialista em Direito de Família e Sucessões – Amaral de Andrade Advogados Associados.

O Prof. Miguel Reale, em artigo publicado no “O Estado de São Paulo”, pouco antes e falecer, afirma que a moral é a fonte primordial de toda vida ética e concomitantemente, seu ponto culminante.
Neste artigo faz uma abordagem da Ética como momento essencial da cultura e afirma que falar em Ética é falar em intersubjetividade, entre correlação de formas de trabalho, citando Einstein que, em 1.953 afirmou:

“Todos nós somos alimentados e abrigados pelo trabalho de outros homens e devemos pagar honestamente por ele, não apenas com o trabalho escolhido para nossa satisfação íntima, mas com o trabalho que, segundo a opinião geral, os sirva”
(Albert Einstein: “O lado Humano. Rápidas Visões colhidas de seus arquivos, de Helen Dukas e Banesh Hoffmann, trad. De Lucy de Lima Coimbra, Ed. UnB, 1984, pág. 48).

E, como comenta Miguel Reale no artigo referido, Einstein não empregava a palavra “honestamente” para se referir à produtividade, mas para se referir aos serviços devidos para a comunidade, entendendo que tal dimensão traz um novo sentido à pedagogia e ao “direito à educação”.

Há, assim, uma compreensão ética do trabalho que é, ao mesmo tempo, ética da cultura, entendendo-se aquele (o trabalho) como fonte de vida em comunidade, dando-lhe o sentido e a medida.

É esta a abordagem que pretendemos imprimir neste momento, ou seja, a compreensão ética do trabalho, entendido como dever para com a comunidade e conseqüentemente, como fonte de cultura.

De fato, ao atuarmos profissionalmente com o espírito voltado para o atendimento à comunidade, em retribuição ao trabalho que os demais seres humanos fazem e que nos alimentam e abrigam, estamos difundindo a cultura da ética.

Não estamos afirmando, aqui, que as demais questões ligadas ao trabalho, como a satisfação íntima de fazer o que se gosta, a justa retribuição pelo esforço empreendido e a obtenção do resultado pecuniário e satisfação profissional pelo esforço, não sejam importantes.

O que entendemos é que o objetivo de servir a comunidade e difundir a cultura ética pedagogicamente, deve permear todas as outras justas ambições na atuação profissional.

Com tal compreensão, vamos abordar os deveres éticos dos advogados, estabelecidos em Lei, para chegarmos, finalmente, no Direito de Família e sua eficácia.

O código de Ética e Disciplina da OAB, estabelece, no seu artigo 2º, caput:

O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério privado à elevada função publica que exerce.

Obs. O artigo 2º do Código de Ética do Advogado traz, essencialmente, a questão do dever de atendimento à comunidade, ao estabelecer que nossa atividade privada deve se subordinar à função pública da profissão.

E qual é a função pública da profissão?

É a de defender o estado democrático de Direito, a cidadania, a moralidade pública, a Justiça e a paz social.

O art. 3º do Código de Ética do advogado, por sua vez, diz:

“O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos”.

Assim, com a consciência de que, ao atuar como advogados, devemos estar atentos aos princípios trazidos pelos dois artigos referidos, vamos analisar como deve ser, ao nosso ver, a atuação do advogado no âmbito do Direito de Família.

Todos sabemos que a maioria dos cidadãos que procura a prestação jurisdicional, quer ver seus problemas resolvidos rapidamente e não é raro ouvirmos a frase: “Queria resolver tudo amigavelmente, sem precisar brigar ou entrar com processo”.

Neste caso, se possível, deve o advogado fazer de tudo para alcançar um acordo, demonstrando ao cliente as vantagens e desvantagens de abrir mão de um ou mais direitos, a fim de evitar o litígio.

Veja, que o trabalho do advogado é tentar as soluções justas, de forma a tentar igualar o direito das partes.

Assim, conduzir uma situação emocionalmente difícil, para um acordo de cláusulas racionais e concretas, onde as partes abrem mão de algumas de suas pretensões pode ser demorado, trabalhoso, minucioso e estafante mas, com toda a certeza, muito menos desgastante para todos os envolvidos, do que um litígio interminável.

Por outro lado, um caso resolvido por acordo é quase, na maioria das vezes, um caso resolvido definitivamente, o que não acontece com aqueles que terminam por decisões judiciais que, inevitavelmente não agradarão a uma das partes, pelo menos.

Não podemos nos esquecer da dura realidade que enfrentamos com a morosidade e outros problemas da Justiça e isto deve ficar muito claro para todos os clientes que nos procuram.

Quem milita efetivamente na advocacia, sabe que cada vez está mais difícil e demorado alcançar a satisfação de quem busca a prestação jurisdicional, fazendo com que até o Direito líquido e certo, tarde para ser reconhecido, quando o é.

É POR ISTO QUE, ANTES DE SE PROMOVER QUALQUER MEDIDA JUDICIAL, DEVE-SE PROCURAR ALCANÇAR UM ACORDO, A FIM DE QUE O PODER JUDICIÁRIO SEJA PROCURADO APENAS PARA A HOMOLOGAÇÃO DO ACERTAMENTO ENTRE AS PARTES, EVITANDO-SE O RETORNO DO LITIGIO E A ETERNIZAÇÃO DOS CONFLITOS.

Esta é uma das formas de encarar a militância na advocacia de família como o atendimento ao interesse coletivo.

Às vezes é muito difícil e até impossível conseguir um acordo, antes da propositura da Medida Judicial.

De fato, quem atua no Direito de Família, sabe que aquele que procura o advogado desta especialidade, na maioria das vezes está angustiado, emocionalmente abalado, em momento de profundo sofrimento, cujas conseqüências são diversas, conforme a personalidade da pessoa:

a) Algumas pessoas querem abrir mão de todos os seus Direitos para se verem livres do problema. (isto se verifica muito em separação de casais, inventários litigiosos, execução de alimentos e outros casos).
É de se perguntar: Por que então procurou o advogado? Obviamente que, no fundo, não têm certeza de querer, efetivamente, abrir mão de seus direitos.
Neste caso específico, no meu entender, devemos tranqüilizar o cliente, dizendo que estamos assumindo a questão, que vamos tentar resolver da melhor forma e que não podemos deixar que abra mão de direitos, em atitude que pode ser objeto de arrependimento irreversível mais tarde.
Com paciência e firmeza, o cliente deve saber que não é impossível conseguir sair da situação em que se encontra, sem que abra mão de absolutamente tudo, saindo de seu escritório confiante de que você, o advogado ou a advogada que ele procurou, de tudo fará para que sua situação se solucione da melhor forma e deixando o desespero para trás.

b) outras pessoas nos procuram sem especificar muito bem o que pretendem concretamente, observando-se, muitas vezes, o espírito de vingança com o objetivo de utilizar-se da ação judicial para atormentar a vida do(s) outro(s), ou até para manter um vínculo do qual não quer se desfazer.
Nunca podemos nos esquecer que é comum o cliente do advogado de família não estar emocionalmente equilibrado e, no cotidiano, não é a pessoa que vemos no nosso escritório.
Normalmente, este cliente é aquele quem está colocando obstáculos para o acordo, pretendido pela(s) outra(s) parte(s) envolvida(s).

Neste caso, a atuação do profissional deve ser tentar trazer objetividade à conduta do cliente, fazendo com que ele consiga ver exatamente o que pretende, e esclarecendo sobre o desgaste emocional, o tempo de vida perdido, o custo do processo e o resultado absolutamente inesperado, ao entregar a solução de sua própria vida a um terceiro, que é o Juiz, um ser humano que, como tal, não é perfeito.

Convencido de que a solução para sua própria vida é muito melhor encontrada por ele mesmo, este cliente começará a fazer parte de um processo para alcançar uma justa solução para o seu caso, apesar das diversas recaídas no decorrer deste trabalho.

Se não for convencido e sua pretensão for impossível de ser alcançada juridicamente, devemos deixar claro que o que ele pretende pode significar uma aventura jurídica e, se for este o caso, ir além do que o nosso Código de Ética determina, ou seja, não patrocinar uma causa que sabemos injusta e impossível.

c) o terceiro tipo de pessoa que nos procura, é aquela que, apesar de querer um acordo justo, sabe e constatou que só poderá obtê-lo após a propositura da ação, a fim de que a outra parte acabe por compreender que não conseguirá vantagens, diante da Justiça.
Neste caso, a atuação do advogado deve ser a de empregar a melhor técnica para assegurar os direitos do cliente, SEM QUE, NO ENTANTO, ACIRRE OS ÂNIMOS INUTILMENTE, COM ACUSAÇÕES PESADAS E OFENSAS À(S) OUTRA(S) PARTE(S), impossibilitando ou dificultando um acordo.
Assim, numa separação de corpos, por exemplo, quando se trata apenas de formalizar uma situação de fato, não há qualquer necessidade de entrar em detalhes sobre o caráter do(a) requerido(a), com alegações que podem ofendê-lo(a) e dificultar o acordo.

Afinal, as partes querem uma solução e não um litígio sem fim, que é o que acontece quando o acordo não é alcançado logo no começo do processo.

Aliás, toda peça do advogado de família, que deve necessariamente objetivar um acordo, até em atendimento ao nosso Código de Ética, tem de ser feita com muito cuidado na forma como os fatos são relatados, evitando-se adjetivos ofensivos.

É a urbanidade no trato das partes, é a dignidade e elegância na forma de trabalhar, com a visão final do atendimento à comunidade e aprimoramento da cultura da ética.

Apenas para podermos meditar, lembremos, por exemplo, que o fim de um casamento não é o fim da família, pois quando existem filhos, o vínculo permanece.

Se as pessoas puderem continuar convivendo harmoniosamente, sem rancor, é muito melhor para todo o seu entorno e conseqüentemente, para a comunidade.

d) por fim, temos aquele litígio inevitável, em que ambas as partes precisam manter o vínculo (de ódio/amor), até que percebam o tempo que estão perdendo de suas vidas e como estão magoando a si mesmas e a outras pessoas.

No nosso entendimento, neste caso, devemos começar a resolver os problemas, um a um, independentemente da aproximação com o advogado da parte contrária, deixando sempre aberta a possibilidade de um acordo e enfrentar o processo de forma a lançar mão de todos os recursos legais e leais para defender os interesses de seu cliente, até que, esgotado o problema emocional das partes, se alcance uma solução.

É fundamental, neste caso, manter a racionalidade e entender que o advogado da parte contrária está fazendo o mesmo com o cliente dele, ou seja, defendendo seus interesses.

Outra questão importante, é a forma do advogado se relacionar com os serventuários do Poder Judiciário, Juízes e Promotores.
A atuação para o atendimento ao interesse coletivo, que leva a uma educação de cultura ética, é fazer o possível para que cada um entenda a importância de seu papel, inclusive no que tange à facilitação da prestação jurisdicional.

Assim, se um cartorário está dificultando o fornecimento de um serviço que é sua obrigação, sem deixar de entender os problemas cotidianos que ele enfrenta, NÃO PODEMOS, EM HIPÓTESE ALGUMA, COMPRAR UM SERVIÇO QUE É OBRIGAÇÃO PARA A QUAL O FUNCIONÁRIO JÁ É PAGO.

Se percebermos que a demora é proposital, objetivando uma recompensa, podemos requerer ao Juízo especificamente a determinação na efetivação do serviço, sob pena de representação com cópia à Corregedoria da Justiça.
É ou não é uma forma de educação da comunidade?

Quanto aos Juízes e Promotores, devemos agir com destemor, dignidade, nobreza e educação, fazendo-os também, através de petições firmes e objetivas, entender que sua função é atender o jurisdicionado e não criar entraves burocráticos à obtenção da Justiça.

Todos os instrumentos para evitar a procrastinação existem, tais como a Correição Parcial, a representação à corregedoria, exceções processuais etc., que podem ser utilizados caso se verifique uma conduta continuada no sentido de protelar a prestação da Justiça.

O que não podemos admitir, no meu entender, é a submissão do advogado a atuações de magistrados e promotores, que não visam aplicar a Lei e a Justiça mas sim, muitas vezes, o acordo a qualquer custo, atropelando os direitos e as emoções das partes, ou a eterna protelação do processo, com exigências burocráticas absurdas, exasperando os interessados, os advogados e contribuindo para o acúmulo de processos sem solução.