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Comentários desativados em A Lei nº 14.611 2023 – Igualdade Salarial E De Critérios Remuneratórios Entre Mulheres E Homens
Por Sérgio Schwartsman, sócio Coordenador da área trabalhista de
Lopes da Silva & Associados – Sociedade de Advogados, LEXNET São
Paulo
Em julho, foi publicada a Lei nº 14.611, que ficou conhecida como Lei da Igualdade Salarial (embora tal previsão já estivesse contida na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – em seu art. 4611 e na própria Constituição Federal – CF – no inciso I do art. 5º2), que visa, de alguma forma, pois ao que parece os dispositivos legais acima citados não lograram êxito nesse intento, acabar ou menos diminuir, as desigualdades salariais existentes entre homens e mulheres.
Em face da Lei, em 23 de novembro de 2023 foi publicado o Decreto nº 11.795/2023 para regulamentá-la; e, finalmente, em 27 de novembro de 2023 foi publicada Portaria n° 3.714/2023 do Ministério do Trabalho para regulamentar o Decreto e, portanto, em última análise, a própria Lei.
A Lei dispôs sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres para “a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função” e alterou o art. 461 da CLT (aquele acima citado, que já previa a igualdade de remuneração entre pessoas – independentemente do sexo – que exercem as mesmas funções).
Em relação à alteração do art. 461 da CLT, acrescentou dois parágrafos (§6º e 7º3) que preveem, além do pagamento das diferenças salariais, indenização por danos morais e multa de 10 vezes o novo salário devido. Ou seja, além das diferenças salariais propriamente ditas, cuja previsão de pagamento já existia, acrescentou penalidades ao empregador que não observar as regras da isonomia salarial.
Além disso, já que, como dissemos acima a Lei visa, de alguma forma, efetivamente acabar ou menos diminuir, as desigualdades entre homens e mulheres (o que não se verificou com as disposições da CLT e CF), criou mecanismos de fiscalização para o efetivo cumprimento da Lei, como previsto em seu art. 4º.
Foi estabelecido “mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios”, além de se determinar o “incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens” e a determinação da “disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial”.
Ainda foi determinada a “promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho” e “fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens”.
E, ainda, como forma de se buscar o efetivo cumprimento da Lei, para empregadores privados com mais de 100 (cem) empregados4 foi determinada publicação de relatórios semestrais, publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios.
Com isso, “fecha-se o cerco” para que efetivamente se dê cumprimento à Lei, pois haverá publicidade quanto aos critérios de remuneração e à eventual existência de desigualdade salarial, o que, em ocorrendo, pode acarretar danos à imagem do empregador.
Para regulamentar a Lei, como dito acima, foi promulgado o Decreto nº 11.795/2023, que estabeleceu regras acerca de Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, detemrinando, em seu art. 2º, que deve conter, no mínimo, as seguintes informações: (i) o cargo, conforme – CBO e (ii) o valor do salário e todas as demais parcelas que compõe a remuneração.
Estabeleceu, ainda, regras para preservação da privacidade dos empregados, em cumprimento às regras da LGPD e que o relatório deverá ser publicado nos “sites” dos prórprios empregadores, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral.
Além disso, relegou à Ato do Ministério do Trabalho e Emprego (que veio a ser a supra citada Portaria n° 3.714/2023) a definição das demais informações que devem constar do Relatório e a criação de “ferramenta informatizada” para seu envioao Ministério do Trabalho e Emprego”.
Finalmente fixou os meses de março e setembro para a publicação dos relatórios. Ainda como forma de dar eficácia à Lei, determinou (art. 3º) que, em havendo desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, os empregadores privados, com cem ou mais empregados, deverão elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, que deverá estabelecer.
Ou seja, detemrinou que medidas eficazes sejam tomadas para acabar com a desigualdade. Encerrando as normas acerca do assunto, temos a Portaria n° 3.714/2023, trazendo as regras práticas para efetivo cumprimento da Lei nº 14.611.
Segundo a Portaria, o Relatório será elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com base nas informações prestadas pelos empregadores no e-social e informações complementares coletadas na aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios a ser implementada na área do empregador do Portal Emprega Brasil.
O Relatório deverá terá as informações do empregador e empregados, com dados cadastrais do empregador, número de empregados total e por estabelecimento, número total de trabalhadores empregados separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração – e não apenas salário base – mensal; existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários etc..
Além disso, a Portaria trata das regras para a adoção do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens (art. 7º a 9º), caso o Relatório aponte diferenças.
E, finalmente, estabelece que haverá canais de denúncias relacionadas à discriminação salarial e de critérios remuneratórios, que ainda serão criados.
Assim, há necessidade de cumprimento da nova legislação, mas há que se ter cautela na análise do relatório final, pois ele pode aparentar distorções que efetivamente não existam. De fato, como o Relatório trata de apresentação de remuneração total, poderá aparentar uma desigualdade salarial, que, na prática não exista. Por exemplo, dois vendedores, um homem e uma mulher, têm o mesmo salário base e o mesmo percentual de comissões, porém, o homem vendeu mais que a mulher, assim, receberá mais comissões, de modo que pode aparecer uma pretensa distorção no total remuneratório, sem que haja desigualdade salarial.
Ou ainda, o homem trabalha em horário noturno e, portanto, recebe adicional noturno, que não é pago à mulher, que trabalha apenas em período diurno. Novamente, embora o salário seja o mesmo e isso não represente desigualdade salarial, no total remuneratório aparecerá uma diferença, que, contudo, não é discriminatória.
Além disso, está em plena vigência § 1º do art. 461 da CLT5, assim, se houve diferença de produtividade ou perfeição técnica entre os empregados, pode haver diferença de salário.
Ou ainda, se houver diferença de tempo de serviço na empresa, superior a 4 anos ou na função, superior a 2 anos, da mesma forma, pode haver diferença de salário, sem que se possa falar em discriminação.
Como se vê do art. 3º da Portaria, não há previsão de informação das datas de admissão e/ou promoção dos trabalhadores, de modo que sem essa informação, pode ocorrer a distorção do resultado do relatório, diante da diferença de tempo de serviço destacada no parágrafo anterior.
Cumpra-se a lei, mas com as cautelas acima destacadas e outras que se façam necessárias, recomendando-se que, caso haja uma aparente distorção, ao se divulgar o relatório, inclua-se no “site” ou nas redes sociais onde for divulgado, uma breve explicação sobre ele, de modo a não gerar prejuízos, inclusive de imagem, ao empregador.
1 Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
2 I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
3 § 6º Na hipótese de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas ao empregado discriminado não afasta seu direito de ação de indenização por danos morais, consideradas as especificidades do caso concreto.§ 7º Sem prejuízo do disposto no § 6º, no caso de infração ao previsto neste artigo, a multa de que trata o art. 510 desta Consolidação corresponderá a 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais cominações legais.” (NR)
4 Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
5 1o Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.