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A MARCA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Por: Eduardo Dietrich e Trigueiros* – Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados, especialista em Direito Autoral LEXNET.

A marca de um produto ou serviço talvez seja o ativo mais valioso de seu titular.

A marca confere distintividade ao produto/serviço, que é de fundamental importância na atualidade, dada a pluralidade do mercado e dos fabricantes/prestadores de serviços.

O investimento que se faz em torno de uma marca pode chegar a ultrapassar os investimentos feitos no desenvolvimento do próprio produto/serviço que a ostenta.

Investir em marca é investir a longo termo, pois significa construir um patrimônio sólido, instrumento capaz de ganhar a confiança do consumidor, e, assim, distinguir o produto em meio a um sem-fim de produtos idênticos ou similares.

A marca agrega o valor decisivo a um produto, tornando-o vencedor, conhecido, confiável, durável no mercado e capaz de alavancar as vendas do outros produtos do mesmo fornecedor/prestador de serviços.

E é justamente neste contexto que o consumidor cria um vínculo com o produto: ele confia na marca e a medida desta confiança é a justa medida da valia e da razão de existir da marca.

Para o consumidor, a marca traduz as qualidades de um produto, tais como a sua origem, a solidez do fabricante, sua seriedade, seu compromisso com a qualidade, seu tempo de mercado, sua tradição, seu caráter inovador, sua responsabilidade social e ambiental, enfim, toda história do fabricante vem a lume quando o consumidor, num átimo de segundo, visualiza o produto, reconhece a marca e decide adquirí-lo.

A lei 8.078/90, logo no artigo 6º, ao referir-se aos direitos básicos do consumidor, assegura a sua liberdade de escolha (inciso II), a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços (inciso III).

Já a LPI – Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 123, inciso I, define marca como sendo aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa.

Como se lê, a origem do produto é fator determinante para a justificativa da função distintiva da marca.

Mas há, ainda, as funções de propaganda e de garantia desempenhadas pela marca.

A garantia se dá através do vínculo criado entre o consumidor e sua experiência positiva com o produto identificado por uma determinada marca, que reforça a sua segurança na aquisição daquele produto.

Já a propaganda é função naturalmente desempenhada pela marca, que se antepõe entre o consumidor e o produto, demonstrando àquele as virtudes deste e incentivando-o a adquirir outros produtos da mesma marca.

GAMA CERQUEIRA entende que a função primordial do direito marcário é a proteção do patrimônio imaterial do titular de marca registrada, bem como que não há que se confundir o interesse do público (consumidor) com o interesse do titular de marca registrada.

Este entendimento, absolutamente correto, não despe de valia a existência de elementos constitutivos secundários do conceito de marca: os elementos que delimitam a funcionalidade e a razão lógica de existência da marca como instrumento da distintividade junto ao mercado consumidor – origem; garantia; propaganda.

E estes elementos tocam a legislação referente ao consumidor.

Além da liberdade de escolha e de informação, ao consumidor ainda é garantido pelo artigo 37, § 1º, da Lei 8.078/90, que:

“Art. 37. É proibida toda e qualquer publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”

Embora os dispositivos legais tenham origem e destinação distintas, parece não haver dúvida de que há, ao menos, um ponto de tangência entre eles.

Por outro lado, DENIS BORGES BARBOSA vem defendendo a figura da diluição marcária, que se daria quando a marca perde sua distintividade. Nesses casos, que não são virgens em nossos Tribunais, timidamente vem sendo reconhecida a possibilidade da marca perder sua distintividade e, em função disto, sua registrabilidade.

A admissão de que podem ruir os elementos constitutivos da razão de existir de uma marca, por si só, já demonstra que a linha de análise aqui desenvolvida é plausível. Assim, entendido o principal requisito caracterizador de uma marca como sua distintividade, há que se dissecar em que consiste esta distintividade, para, de posse desses elementos, analisar sua degenerescência no contexto de uma relação de consumo.

Entende-se por distintividade da marca aquilo que aponta a lei: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa.

A propósito da “origem”, como ensina NEWTON SILVEIRA, in, “A Propriedade Intelectual e as Novas Leis Autorais”, Saraiva, 2ª ed., p. 24, tem-se que:

“Não é, também, sinal de origem dos produtos, no sentido que tenham sido fabricados em determinado local. É sinal de origem no sentido de que o proprietário do sinal é o responsável pela fabricação do produto (quando se tratar de marca de indústria), determinando quem e como o fará.”

Ainda, a propósito dos elementos constitutivos da funcionalidade distintiva da marca, pode-se bem aproveitar o que ensina DENIS BORGES BARBOSA, in, “Uma introdução à Propriedade Intelectual”, Ed. Lumen Juris, 2ª ed., p. 801, que esclarece “para que servem as marcas”, assim:

“A marca, ao designar um produto, mercadorias ou serviços, serve para em princípio identificar sua origem; mas, usada como propaganda, além de poder também identificar a origem, deve primordialmente incitar ao consumo, ou valorizar a atividade empresarial do titular.
Conforme a clássica justificativa do sistema de marcas, a proteção jurídica tem por finalidade em primeiro lugar proteger o investimento do empresário, em segundo lugar, garantir ao consumidor a capacidade de discernir o bom do mau produto. O exercício equilibrado e compatível com a função social desta propriedade levaria a que o investimento em qualidade seria reconhecido.”

E JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES, in, “Tratado da Propriedade Industrial”, v. 1, Ed. Resenha Tributária, discorrendo a propósito das marcas notórias – que lograram cair nas graças do amplo público consumidor, esclarece:

“Em síntese, temos para nós desde logo que a notoriedade não se adquire através do registro e muito menos por intermédio do preenchimento de determinados requisitos. O grau de notoriedade de uma marca é adquirido pela apreciação do público; é o consumidor e/ou usuário que fixa, pela sua aceitação, o valor da marca, posto que esta é um sinal que tem por objetivo reunir a clientela, sem a qual nada significa. Sem a aceitação pública e manifesta não existe notoriedade da marca.”

Como se vê, deste apanhado doutrinário exsurge a conclusão de que a marca existe para o mercado, busca sua razão de existir junto ao mercado e em sua relação com os demais produtos e serviços iguais ou similares, que o consumidor é o destinatário final da característica funcional de distintividade da marca e que, portanto, guarda relação direta com os pressupostos de existência desta distintividade, e, assim, da própria marca.

A carga de valia e verdade de mercado que uma marca agrega é, portanto, delimitada por sua distintividade e esta, necessariamente, comporta a funcionalidade da marca, através dos elementos acima tratados.

Mas há casos em que uma marca perde seu caráter distintivo e causa confusão junto ao consumidor, assim como há outros casos em que a marca cumpre apenas parcialmente sua função de distintividade, dando aparência de distintividade ao que, na realidade, não é distinto. Nestes casos é que se pode observar a maior proximidade entre a legislação consumerista e a marcária.

Assim é que se têm, por exemplo, diversos produtos de marca própria que têm sua origem no mesmo fabricante/fornecedor. Esta prática de mercado, que distingue um mesmo produto de um mesmo fabricante através de um rótulo marcário, a um tempo esvazia de sentido os pressupostos de validade da existência da própria marca, diluindo-a – não por sua abrangência ou por se tratar de sinônimo do produto, mas sim porque despe de significado a própria funcionalidade da marca.

Neste contexto é que se pode pensar em diluição da marca por perda de sua funcionalidade.

Esta mesma perda de funcionalidade, que acarreta antes da distinção a confusão na mente do consumidor é que toca os artigos da lei consumerista já citados, fazendo com que a marca se torne um instrumento a deserviço do esclarecimento do consumidor.

Quanto à aplicabilidade da lei 8.078/90 a estes casos, bem, é prematura, porque primeiro há que se aguardar a evolução e adequação natural do conceito de marca à realidade de mercado atual, notadamente quanto à questão da perda de sua funcionalidade, que é meio para que se constate a perda de distintividade, que, por sua vez, e apenas neste ponto de maturidade de nossos julgados, atingiria juridicamente a seara de direitos do consumidor efetivamente tutelados por nossos Tribunais.

*Eduardo Dietrich e Trigueiros, ADVOGADO do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados, especialista em Direito Autoral LEXNET