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Comentários desativados em A Aplicação da Teoria Dinâmica da Distribuição do Ônus da Prova na Esfera Trabalhista
Por: Tarcilla Góes , advogada do escritório Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados – LEXNET Fortaleza/CE. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Membro do Núcleo de Estudos Trabalhista da Escola Superior de Advocacia do Ceará.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil, iniciaram-se os debates sobre as aplicabilidades ou não de alguns institutos processuais civis dentro da esfera trabalhista. A partir desse impasse, o Tribunal Superior do Trabalho publicou a Resolução n.º 203/2016, na qual prevê a aplicabilidade do art. 373 e seus parágrafos 1º e 2º do NCPC, deixando-a explícita, desde que devidamente fundamentada pelo magistrado, o que chamamos de princípio da livre convicção do juiz, ou da persuasão racional da prova ou livre convicção motivada do juiz.
A prova serve exclusivamente para convencer o juiz a respeito dos fatos da causa. Logo, todas as provas devem constar nos autos para que sejam apreciadas. Na ausência destas, o juiz não terá obrigação de ter conhecimento delas e tampouco utilizá-las em sua decisão.
No processo, quando o juiz observar que uma das partes possui o maior ônus da prova, poderá aplicar a distribuição dinâmica do ônus da prova, determinando-o à parte que tem maior aptidão para provar.
Contextualizando, o ônus da prova nada mais é que o encargo dado a uma das partes de demonstrar a existência ou inexistência de fatos controvertidos no processo, os quais são necessários para provar os fatos que embasam suas alegações e formar o convencimento do juiz.
Segundo Didier, o ônus é o encargo que pode colocar o sujeito em sua situação de desvantagem, e, normalmente, o sujeito a quem se impõe o ônus, tem interesse em observá-lo, justamente para evitar a desvantagem que pode vir de sua inobservância.
Já Godinho conceitua que “o ônus da prova subjetivo consiste em verificar quem entre os sujeitos do processo deve fazer a prova, a quem incumbe provar”.
O art. 818 da CLT dispõe a regra estática que “a prova das alegações incumbe à parte que os fizer”, juntamente com a interpretação do artigo 373 do Novo CPC. O reclamante deverá provar a existência de fatos constitutivos de seu direito. Ao reclamado incumbirá a prova dos fatos extintivos, impeditivos ou modificativos.
Para o magistrado o que importa é a produção da prova para ter elementos suficientes e maturar uma decisão, não importando quem as produziu. Assim, caso entenda que uma parte tenha maior facilidade do fato contrário a fazê-lo, poderá determinar que esta parte faça a produção da prova para o seu livre convencimento.
Lembre-se que, mesmo que o magistrado inverta o ônus da prova, caso a parte tenha dificuldades de fazê-lo, deverá demonstrar dentro do processo a sua impossibilidade, cabendo ao magistrado analisar a redistribuição do ônus diante da hipossuficiência técnica ou financeira de uma das partes.
Na esfera trabalhista não se pode distribuir o ônus da prova por convenção entre as partes, em razão do princípio da hipossuficiência do trabalhador, não sendo aplicando os §§ 3º e 4º do artigo 373 do NCPC.
Por fim, lembramos que o direito empresarial já suportava diversas aplicabilidades do ônus da prova na jurisprudência da Alta Corte trabalhista mesmo antes da vigência do Novo Código de Processo Civil. No Tribunal Superior do Trabalho temos algumas súmulas que dispõem sobre a aplicabilidade do ônus da prova, por exemplo:
Súmula 6, VIII | EQUIPARAÇÃO SALARIAL. ART. 461 DA CLT
I – Para os fins previstos no § 2º do art. 461 da CLT, só é válido o quadro de pessoal organizado em carreira quando homologado pelo Ministério do Trabalho, excluindo-se, apenas, dessa exigência o quadro de carreira das entidades de direito público da administração direta, autárquica e fundacional aprovado por ato administrativo da autoridade competente. II – Para efeito de equiparação de salários em caso de trabalho igual, conta-se o tempo de serviço na função e não no emprego. III – A equiparação salarial só é possível se o empregado e o paradigma exercerem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação. IV – É desnecessário que, ao tempo da reclamação sobre equiparação salarial, reclamante e paradigma estejam a serviço do estabelecimento, desde que o pedido se relacione com situação pretérita. V – A cessão de empregados não exclui a equiparação salarial, embora exercida a função em órgão governamental estranho à cedente, se esta responde pelos salários do paradigma e do reclamante. VI – Presentes os pressupostos do art. 461 da CLT, é irrelevante a circunstância de que o desnível salarial tenha origem em decisão judicial que beneficiou o paradigma, exceto: a) se decorrente de vantagem pessoal ou de tese jurídica superada pela jurisprudência de Corte Superior; b) na hipótese de equiparação salarial em cadeia, suscitada em defesa, se o empregador produzir prova do alegado fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito à equiparação salarial em relação ao paradigma remoto, considerada irrelevante, para esse efeito, a existência de diferença de tempo de serviço na função superior a dois anos entre o reclamante e os empregados paradigmas componentes da cadeia equiparatória, à exceção do paradigma imediato. VII – Desde que atendidos os requisitos do art. 461 da CLT, é possível a equiparação salarial de trabalho intelectual, que pode ser avaliado por sua perfeição técnica, cuja aferição terá critérios objetivos. VIII – É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial. IX – Na ação de equiparação salarial, a prescrição é parcial e só alcança as diferenças salariais vencidas no período de 5 (cinco) anos que precedeu o ajuizamento. X – O conceito de “mesma localidade” de que trata o art. 461 da CLT refere-se, em princípio, ao mesmo município, ou a municípios distintos que, comprovadamente, pertençam à mesma região metropolitana. |
Súmula 16 | NOTIFICAÇÃO
Presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua postagem. O seu não-recebimento ou a entrega após o decurso desse prazo constitui ônus de prova do destinatário. |
Súmula 43 | TRANSFERÊNCIA
Presume-se abusiva a transferência de que trata o § 1º do art. 469 da CLT, sem comprovação da necessidade do serviço. |
Súmula 212 | DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA.
O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado. |
Súmula 338 | JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA
I – É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. II – A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. III – Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. |
Súmula 443 | DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO
Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. |
Súmula 453 | ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. PAGAMENTO ESPONTÂNEO. CARACTERIZAÇÃO DE FATO INCONTROVERSO. DESNECESSÁRIA A PERÍCIA DE QUE TRATA O ART. 195 DA CLT.
O pagamento de adicional de periculosidade efetuado por mera liberalidade da empresa, ainda que de forma proporcional ao tempo de exposição ao risco ou em percentual inferior ao máximo legalmente previsto, dispensa a realização da prova técnica exigida pelo art. 195 da CLT, pois torna incontroversa a existência do trabalho em condições perigosas. |
Súmula 460 | VALE-TRANSPORTE. ÔNUS DA PROVA
É do empregador o ônus de comprovar que o empregado não satisfaz os requisitos indispensáveis para a concessão do vale-transporte ou não pretenda fazer uso do benefício. |
Súmula 461 | FGTS. DIFERENÇAS. RECOLHIMENTO. ÔNUS DA PROVA
É do empregador o ônus da prova em relação à regularidade dos depósitos do FGTS, pois o pagamento é fato extintivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC de 2015). |
Destacamos ainda a possibilidade de o juiz determinar de oficio a produção de uma prova caso entenda ser imprescindível, tendo ampla autonomia para dirimir sobre o seu livre convencimento e a valoração da prova.
Nos casos em que houve todas as possibilidades de produção de provas, e mesmo assim as partes não o fizeram, não tendo o juiz conseguido formar convicção sobre a ocorrência ou inocorrência de determinado fato relevante para o julgamento, deverá prolatar a sua decisão com base nas provas adstritas aos autos, decidindo contra aquele a quem caberia provar tal fato.
Diante das súmulas do TST apresentadas, temos que o ônus da prova não poderá ser redistribuído ao reclamante, ficando uma lacuna no direito empresarial em razão da ausência de legislação própria, estando regido tão somente por entendimentos jurisprudenciais.
Na visão dos juristas, a parte a quem o fato interessa é que tem a melhor condição de prová-lo, se não o faz, isso significa que provavelmente o fato não existe. Mas há casos concretos em que o juiz verifica concretamente que é muito difícil à parte sobre quem recai o ônus probatório provar o fato, ou que é muito mais fácil para a parte adversária fazê-lo, como no caso das empresas, que detêm todas as provas documentais.
Vê-se assim que, mesmo antes do novo CPC, o processo trabalhista já admitia a distribuição diversa do ônus da prova, sendo aplicadas subsidiariamente as regras do Código de Defesa do Consumidor, considerando a hipossuficiência do empregado que o impedia de comprovar determinados fatos.
Com a nova legislação processual, há total compatibilidade entre o artigo 373, §1º e a CLT, especialmente quando consideramos que dois dos princípios que norteiam a produção probatória trabalhista são justamente o da igualdade e adequação, facilmente percebidos nas súmulas descritas, vindo o NCPC apenas regulamentar a distribuição inversa do ônus da prova já amplamente aplicada na esfera trabalhista.
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JUNIOR, Fredie Didier. BRAGA, Paula Sarna. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10.ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p.106.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 441.