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AS AGÊNCIAS REGULADORAS E A CRISE AÉREA

Por: Antenor Demeterco Neto*, De Figueiredo Demeterco Advogados Associados S/C, LEXNET Curitiba (PR).

Durante grande parte do século XX, o Brasil viveu sob a égide da forte intervenção direta do Estado na esfera econômica. Somando-se os anos em que o país foi governado por ditaduras intervencionistas, chega-se ao longo lapso de tempo de 35 anos. Foram 15 anos de getulismo (1930-1945) e 20 anos de regime militar (1964-1985). Isto sem falar nos períodos democráticos em que vigoraram leis que inibiam a livre iniciativa privada e que fechavam o país para o ingresso de investimentos estrangeiros.

Somente com as reformas estruturais realizadas no Estado brasileiro na década de 1990, o país, ainda que de forma incompleta, passou a gradual e parcialmente conviver com uma nova forma de Estado, baseada em um modelo mediador e regulador, se desvinculando, dessa forma, das amarras do monopólio estatal, resíduo, principalmente, dos modelos autoritários do passado.

Desde então, verificou-se certa flexibilização das regras econômicas por meio da desregulamentação de alguns setores, bem como a parcial desestatização de algumas atividades, o que foi de extrema importância, uma vez que o Estado brasileiro não conseguia mais suportar o elevado grau de investimentos necessário para gerar um desenvolvimento econômico que fosse sustentável. Foi nessa época que surgiu no Brasil o instituto da regulação como uma forma de intervenção indireta do Estado sobre a atividade econômica mediante a transferência da administração ou execução de serviços públicos à iniciativa privada e pelo exercício do poder polícia, ou seja, pela função do Estado de repreender práticas particulares com o objetivo de garantir a ordem pública.

Os principais ícones desse sistema regulatório são as chamadas agências reguladoras que, no Brasil, podem ser definidas como autarquias especiais criadas por lei para possibilitar a intervenção indireta do Estado na economia, possuindo atribuição para regular um segmento específico, com poderes de natureza normativa e para dirimir conflitos entre particulares, bem como sujeitas a um regime jurídico capaz de lhes garantir independência ante a Administração Pública central.

Em outras palavras, as agências reguladoras brasileiras têm a tarefa de organizar setores fundamentais da infra-estrutura econômica, e, para tanto, podem editar normas, fiscalizar, aplicar sanções, resolver disputas entre empresas, bem como decidir sobre reclamações de consumidores, além de gozar de autonomia administrativa e financeira em relação ao Executivo, com a impossibilidade de suas decisões serem alteradas pelo Governo. Tudo isso para lhes garantir atuação técnica e imparcial, bem como lhes proteger contra eventuais pressões políticas e/ou econômicas.

Ocorre que ultimamente, em virtude da atual crise aérea que assola o país, o modelo brasileiro das agências reguladoras tem recebido muitas críticas, principalmente, diante da incapacidade da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) para resolver os problemas do setor. Porém, relacionar a crise aérea com o sistema regulatório pode ser precipitado. É sempre importante lembrar que no Brasil as áreas de infra-estrutura reguladas tiveram importantes avanços nos últimos anos, o que se pode verificar mais notadamente no segmento de telecomunicações, que, depois de privatizado e regulado, em 6 anos instalou mais linhas telefônicas do que em 30 anos nas mãos do Estado.

O modelo não deve ser questionado a partir do caso isolado da ANAC, a qual, se analisada com rigor, ironicamente não possui todas as características inerentes a uma agência reguladora em sua concepção tradicional, uma vez que no Brasil a aviação civil está sujeita às deliberações e decisões de outros órgãos que também atuam no setor, como, por exemplo, a INFRAERO. Ou seja, existem várias entidades tratando de um mesmo assunto e sem qualquer inter-relacionamento, o que demonstra que a ANAC não tem o controle exclusivo da atividade aérea no país.

Sem falar que a atual diretoria da ANAC não foi escolhida com base em critérios técnicos, e sim políticos, fato este que desconstitui por completo a essência de qualquer agência reguladora, que tem justamente como um de seus objetivos centrais impedir a ingerência política em decisões que devem ser técnicas. Portanto, a crise aérea não pode ser tomada como um motivo apto a permitir a minimização da independência e tecnicidade das agências reguladoras, cuja atuação, não se pode negar, tem sido fundamental para a sustentabilidade de setores da infra-estrutura brasileira e cujo modelo não pode ser considerado falido, uma vez que as áreas que têm apresentado problemas são justamente aquelas que não são reguladas ou parcialmente reguladas, como é o caso da aviação civil.

* Antenor Demeterco Neto é advogado, mestre em Organizações e Desenvolvimento, MBA em Direito da Economia e da Empresa, e especialista em Direito Tributário Contemporâneo.
www.defigueiredodemeterco.com.br