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Comentários desativados em DA NATUREZA JURÍDICA DAS FARMÁCIAS INTERNAS HOSPITALARES E A INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DA LEI Nº 13.021/2014
Camilla Goes Barbosa:advogada do escritório Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, LEXNET Fortaleza Pós-graduanda em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor. Assessora jurídica da Associação Cearense dos Hospitais do Ceará, de hospitais da rede privada, clínicas de imagem, laboratórios, cooperativa de médicos e organização social na área da saúde pública.
Em 8 de agosto de 2014, foi promulgada a Lei Federal nº 13.021, que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas. Em seu artigo 8º, parágrafo único, a mencionada lei determina a equiparação das farmácias privativas de unidades hospitalares às farmácias não privativas, ou seja, às farmácias comerciais/convencionais. No entanto, esta equiparação, não obstante ser legal, não possui respaldo em nossa ordem jurídica, por ter olvidado a natureza dos institutos envolvidos e, até mesmo, as garantias constitucionais sobre o livre exercício da atividade econômica e do trabalho, oficio ou profissão.
Na lições de Ruy Rosado, o Hospital é uma universalidade de fatos, formado por um conjunto de instalações, aparelhos, instrumentos médicos e cirúrgicos destinados ao tratamento da saúde[1]. Fácil entender, portanto, que a atividade fim de um hospital é a prestação de serviços de saúde que dê suporte à assistência médica de qualidade. Neste sentido, o hospital é que constitui a verdadeira empresa, com diversos departamentos e respectivas atividades meio para consecução de sua atividade fim.
O direito empresarial ensina que a empresa pode ser desenvolvida por pessoa física ou pessoa jurídica. Sendo pessoa jurídica, deve possuir o regular registro junto aos órgãos competentes para adquirir a respectiva autonomia e capacidade. No caso de hospitais, via de regra, são constituídas sociedades empresariais com personalidade jurídica única, não havendo que se falar em registro ou personificação de cada departamento que o constitui.
A exigência do artigo 8º da Lei nº 13.023/2014 de registro das farmácias internas das unidades hospitalares junto ao respectivo Conselho Regional de Farmácia, equiparando-as expressamente às denominadas farmácias “convencionais” e drogarias, é contrária, portanto, à ideia da constituição empresarial como um estabelecimento único, dotado de personalidade jurídica também única, não havendo lógica pensar na farmácia privativa hospitalar como unidade destacável da integralidade dos Hospitais.
Dessa forma, a exigência legal para registro das farmácias hospitalares junto aos Conselhos de Farmácia, permissa venia, configura verdadeira teratologia, pois inimaginável pensar no registro de departamentos de uma empresa em diferentes conselhos profissionais. Outro não é o entendimento consolidado do Egregio Superior Tribunal de Justiça, que veda o duplo registro de uma empresa junto a distintos conselhos profissionais[2], com base na Lei 6.839/80, que dispõe sobre o registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões.
Com efeito, a legislação que regula a matéria acerca dos registros determina que estes deverão ser de acordo com a atividade básica da empresa. Assim, é certo que o registro de unidade hospitalar deverá ser realizado unicamente perante o Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, pois é com este que se relaciona sua atividade fim.
Além disso, é importante observar a diferença notória e legal que se perfaz entre uma farmácia comercial e uma farmácia privativa hospitalar, vez que estas são, em verdade, dispensários de medicamentos, nos termos da Lei Federal nº 5.991/73[3] – que não foi revogada pela Lei nº 13.021/2014. É que na unidade hospitalar, as prescrições médicas são realizadas no prontuário do paciente, que indica especificadamente os medicamentos a serem ministrados a este, não sendo portanto o processo sujeito a qualquer controle de farmácia, até porque os médicos possuem deliberadamente capacidade técnica para prescrever medicamentos.
Outrossim, não é correto exigir do hospital que os profissionais farmacêuticos sejam contratados para acompanhar o dispensário de medicamentos durante 24 horas, mas somente durante o dia, quando o fluxo de serviços é maior.
A exigência legal de profissional farmacêutico ininterruptamente nas farmácias “convencionais” possui fundamento na preservação da saúde pública, para evitar a administração de medicamentos de forma deliberada pela população, o que não ocorre nas unidades hospitalares, onde as prescrições medicamentosas são atribuições privativas dos profissionais médicos, devendo os medicamentos utilizados ao paciente serem necessariamente administrados nos limites prescritos pelo médico, sem intervenção de nenhum outro profissional (nem mesmo farmacêuticos!), sob pena de restrição à atuação na liberdade profissional do médico assistente.
A equiparação realizada pelo art. 8º da Lei Federal nº 13.021/2014 vai, portanto, de encontro às garantias constitucionais quanto ao livre exercício da profissão[4] e, até mesmo, aos fundamentos da ordem econômica[5], sendo certo que se faz necessário nossos tribunais reconhecerem a notória inconstitucionalidade deste dispositivo, pois o vício não pode subsistir, posto que malfere direitos fundamentais, contraria princípios básicos de direito empresarial e leva a ordem jurídica inevitavelemnte à bancarrota.
[1] AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Resonsabilidade dos Medicos. Revista dos Tribunais. p.718/41 in STOCO, Rui. tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. Revista dos Tribunais. 2001, p. 726
[2] Disponivel em: http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=duplo+registro+atividade+fim+conselhos+profissionais&&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true
[3] Art. 4º Para efeitos desta Lei, são adotados os seguintes conceitos:
XIV – Dispensário de medicamentos – setor de fornecimento de medicamentos industrializados, privativo de pequena unidade hospitalar ou equivalente
[4] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
[5] Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]