Por: Sérgio Schwartsman, Sócio Coordenador da área trabalhista de Lopes da Silva & Associados – Sociedade de Advogados – LEXNET São Paulo.
Pretendemos no presente texto desmistificar alguns temas ligados ao projeto de Reforma Trabalhista – Projeto nº 6787/2016 –, pois muito se tem falado sobre o mesmo, porém temos visto algumas considerações que não condizem com o que está previsto na alteração legislativa proposta.
A principal questão que vem sendo levantada é de que esse Projeto está “retirando direito dos trabalhadores”. Com todo respeito aos que têm essa opinião, entendemos que não se está retirando nenhum direito do trabalhador, mas apenas se flexibilizando alguns desses direitos, para que empregados e empregadores possam negociá-los de maneira mais vantajosa a ambos.
Lendo o relatório do Deputado Rogério Marinho e ainda o texto integral do Projeto, verifica-se que nenhum direito dos trabalhadores, hoje existente, foi retirado, estando todos eles mantidos, porém, abrindo-se a oportunidade de se negociar alguns, e apenas alguns, deles, para que se tornem mais adequados à realidade de cada trabalhador e/ou de cada categoria.
Por exemplo, alguns têm dito que se estaria retirando ou diminuindo o direito a férias. Não é uma afirmação correta, pois os 30 dias de férias continuam mantidos, mas o que se permitirá é que essas férias, se conveniente a patrão e empregado, que tem que concordar com isso, poderá ser fracionada em até 3 períodos, mas mantido o total anual de 30 dias, inclusive com previsão expressa de que esse total de dias não pode ser reduzido.
Assim, se ao empregado for vantajoso e ele concordar, o período de férias poderá ser fracionado em até 3 períodos, desde que um deles seja de pelo menos 14 dias e nenhum dos demais seja inferior a 5 dias. Caso o empregado não queira, esse fracionamento não ocorrerá e poderá usufruir dos 30 dias de uma única vez. Pergunta-se, que direito teria sido retirado?
Também se comenta que a Projeto estaria autorizando jornada de 12 horas diárias, em qualquer situação, sem que isso importe em pagamento de horas extras.
Mais uma alegação que não condiz com a realidade do Projeto, na medida em que este mantém a jornada de 8 horas diárias e admite até 2 horas extras diárias, porém, regulamenta uma situação já existente e largamente utilizada, que é a jornada de 12X36, ou seja, 12 horas de trabalho num dia, seguidas de 36 horas ininterruptas de descanso.
Portanto, apenas numa situação especial é que se autoriza a jornada de 12 horas diárias, como já se verifica atualmente, tanto que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já admite a previsão dessa jornada em Norma Coletiva, e ainda assim porque, ao final, é mais benéfica ao trabalhador.
Quem trabalha 6 dias por semana, tem entre 4 e 5 folgas no mês, ao passo que na jornada de 12X36, terá entre 15 e 16 folgas mensais. Além disso, o total de horas trabalhadas no mês será menor, sem que isso represente redução do salário pago. Outro ponto de controvérsia é a faculdade de se reduzir o intervalo para repouso e alimentação para 30 minutos.
Primeiramente é preciso dizer que essa possibilidade já existe para algumas categorias de empregados, como por exemplo, os domésticos (art. 13 da Lei Complementar nº 150/2015) e ninguém se insurgiu contra isso e nem disse que se estaria retirando direito dos trabalhadores, quando a nova norma dos domésticos passou a vigorar.
Além do mais, não é uma obrigatoriedade a redução do intervalo, que somente poderá ocorrer caso venha a ser previsto em Norma Coletiva e portanto, se empregadores e empregadores estiverem de acordo.
Posto de outra forma, se os trabalhadores entenderem a redução conveniente para eles poderão incluir a previsão em Norma Coletiva para usufruir esse intervalo de 30 minutos, pois assim poderão sair 30 minutos mais cedo; caso não reputem favorável, o intervalo continuará sendo de 1 a 2 horas, como já se verifica atualmente.
Mas a mais contundente crítica que se faz ao Projeto é a chamada “prevalência do negociado sobre o legislado”, ou seja, a possibilidade de as Normas Coletivas estabelecerem regras de trabalho diferentes daquelas fixadas em lei.
Ocorre que, mais uma vez, em nossa ótica, a interpretação a está equivocada e, talvez, obscurecida pela análise com caráter ideológico daqueles que manifestam suas opiniões.
Aqueles que, por ideologia, são contra à Reforma Trabalhista dizem que estaria se permitido a retirada de direitos dos trabalhadores por força de Normas Coletivas. Porém, uma análise mais imparcial da proposta demonstra que não é essa a situação, na medida em que, com o perdão da repetição, não se está tirando direito dos trabalhadores.
Antes de tudo é preciso dizer que a Constituição Federal já prevê, desde 1988 (há quase 30 anos, portanto) o prestígio à Negociação Coletiva, com previsão de que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” (inciso XXVI do art. 7º). Portanto, se as Convenções e Acordos Coletivos devem ser reconhecidas, por força constitucional, o Projeto em comento nada mais faz do que tornar efetiva a previsão da Constituição Cidadã.
Além do mais, o Projeto em comento apenas autoriza que alguns temas, expressamente, e, portanto, elencados de forma restrita, previstos na própria legislação, sejam negociados (aqueles elencados no que seria art. 611-A da CLT) e ainda estabelece quais direitos não podem ser objeto de negociação (aqueles elencados no que seria art. 611-B da CLT).
Assim, não se permitirá, por exemplo, negociação coletiva acerca de normas de segurança e medicina do trabalho, inobservância de salário mínimo, exclusão do FGTS, de 13º salário ou de número de dias de férias, dentre outros direitos.
E nos temas em que se permite a negociação, não se permite a retirada de qualquer direito, mas apenas a flexibilização do mesmo ou a troca de um direito por outro.
Veja que essa previsão legal apenas confere segurança jurídica em relação aos temas acordados entre empregados e empregadores, tornando “mais claras as regras do jogo”.
Ou seja, as regras estabelecidas em Normas Coletivas terão plena eficácia, ao contrário do que se verifica atualmente, em que, embora determinadas previsões estejam nas Convenções Coletivas, são discutidas em Juízo pelo trabalhador e consideradas ineficazes pelos Tribunais, que negam validade às mesmas.
Um exemplo disso é justamente a redução do intervalo para refeição e descanso para 30 minutos. Várias Convenções Coletivas previam essa situação, porém, o empregado, após se desligar da empresa questionada judicialmente este intervalor reduzido e obtinha ganho de causa, ao argumento de que tal previsão não poderia constar da Norma Coletiva e, com isso recebiam o pagamento de horas extras.
Qual a segurança que havia a um empregador que respeitava a Norma Coletiva de sua categoria e depois era condenado judicialmente justamente por respeitar a Norma? Claro que nenhuma, mas agora, com a alteração legislativa que se pretende, terá segurança de estar fazendo o certo.
Portanto, ao contrário do que vem sendo dito, o Projeto não retira direitos dos trabalhadores e nem “precariza” as relações de trabalho, mas confere segurança jurídica às partes que negociaram e estabeleceram, de comum acordo, algumas regras a serem observadas na vigência da relação de emprego.