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GUARDA COMPARTILHADA DOS FILHOS

Por: Laís Amaral Rezende de Andrade – Amaral de Andrade Advogados Associados – LEXNET Especialista em Direito de Família e Sucessões.

“GUARDA COMPARTILHADA DOS FILHOS”

O Código Civil (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2.002), no Livro IV – “Do Direito de Família”, trouxe inúmeras modificações nas regras das relações familiares, em decorrência tanto da promulgação da Constituição Brasileira de 1.988, como do avanço das relações sociais e da própria evolução do conceito da igualdade de gênero, que não mais admitem os privilégios dos direitos do homem em detrimentos dos da mulher e dos próprios filhos.
Estabeleceu, assim, a igualdade dos direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, em diversos de seus artigos, conforme veremos a seguir.

Como exemplo do alcance de tais modificações, é importante lembrar que o Código Civil de 1.916 estabelecia que os filhos… eram sujeitos ao “Pátrio Poder” enquanto menores, exercido pelo marido “com a colaboração da mulher”. (art. 379 e 380)

O parágrafo único do artigo 380 do Código Civil revogado estabelecia, inclusive que, durante o casamento, no caso de divergência entre os pais quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecia a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução do conflito.

O “Pátrio poder” assim, dava prioridade ao pai com relação a qualquer decisão relativa aos filhos, inclusive sobre a administração dos bens dos menores (art. 385 do Código Civil revogado). O art. 381 estabelecia, ainda, que o “desquite” não alterava as relações entre pais e filhos, “senão quanto ao direito que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”.

Os artigos 315 a 328 do Código Civil de 1.916, por sua vez, que tratavam da Dissolução da Sociedade Conjugal e da Proteção da Pessoa dos Filhos, foram revogados pela Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), uma grande evolução na época, que enfrentou forte oposição das forças conservadoras no País.
No entanto, a própria Lei do Divórcio, ainda assim estabelecia no seu artigo 10 : “Na separação judicial fundada no caput do art. 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa”.

Assim, a guarda dos filhos, continuou condicionada a um fato estranho ao interesse maior da criança, ou seja, à culpa pela separação do casal, pouco importando qual dos pais fosse mais adequado e tivesse melhores condições para exercê-la.

Comuns os casos de disputa da guarda de filhos, onde o processo se transforma num verdadeiro jogo de culpas e acusações recíprocas, com enorme acirramento dos conflitos, fazendo das crianças verdadeiros objetos da luta pelo “poder”.

Para aqueles pequenos seres, resta um sofrimento imenso e consequências emocionais irremediáveis, pois o mundo das crianças gira em torno do amor e proteção que esperam dos pais.

Importante lembrar, ainda, que apesar da luta feminina pela igualdade de direitos dos homens e mulheres, a cultura patriarcal atávica da sociedade brasileira, faz com que, usando como exemplo a atribuição de culpa por adultério, o feminino ser muito mais censurado do que o masculino (este, aliás, tolerado), continuando, assim, em vários aspectos, o privilégio do pai em detrimento da mãe, quando se discute “culpa” para a atribuição da guarda dos filhos a um deles, tendo em vista a subjetividade que encerra.

Hoje, cada vez mais, verifica-se a inoportunidade da discussão da culpa na separação ou divórcio de um casal.

De fato, não serão alguns fatos isolados comprovados nos autos, que darão a dimensão do dia a dia de anos de vida em comum com os pequenos detalhes, de difícil prova, que levaram o ser humano a determinadas atitudes.
Assim, como aplicar a verdadeira Justiça ao decretar uma separação judicial, quando não se trate de culpa grave ou dolo de uma das partes em relação à outra?!
Não será a decretação da culpa de um dos pais pela dissolução da sociedade conjugal, que o fará inadequado necessariamente para exercer a guarda dos filhos.

A Lei 6.616/77, ainda, no § 1º do art. 10, estabelecia que: “Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.”

Tal legislação, por sua vez, privilegiava a mãe quanto à guarda dos filhos, orientada, talvez, pelo que ocorre na maioria dos casos de separação dos casais, onde as mães assumem a guarda de seus filhos, sem discussão por parte dos pais, que assim até preferem.

Por outro lado, também na maioria das vezes, os cuidados maternos, efetivamente, são muito mais adequados e naturais do que a vontade teórica que muitos pais possuem de assumir a guarda de seus filhos.

Muitas vezes, na separação de um casal, considerando que a mãe não seja uma desajustada total e tenha condições de exercer a guarda de seus filhos, vemos que alguns pais a discutem apenas porque estão assessorados por outra mulher que, efetivamente, é quem assumirá os cuidados com as crianças no dia a dia, caso ele “ganhe” a guarda (mãe, tia, irmã ou uma nova companheira).

É que raramente se vê um pai que, efetivamente, pretenda exercer a guarda pessoalmente e o cuidado com os filhos no dia a dia, educando-os, acompanhando-os nos deveres escolares, passeios, doenças, etc.

O que mais se vê, na verdade, é o interesse de não arcar com pensão alimentícia, na crença equivocada de que aquele dinheiro irá para a mãe e não para as despesas dos filhos.

Ocorre que, permanecendo a mãe com a guarda dos filhos, como na maioria dos casos, nada mais natural que o pai assuma a maior parte da obrigação alimentar para o sustento e educação das crianças, uma vez que terá mais liberdade, paz de espírito e tempo para dedicar-se ao trabalho.

Assim, a obrigação alimentar efetivamente, deve obedecer o limite dos recursos de cada um dos pais no sustento dos filhos.

Após a promulgação da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1.988, obviamente, não mais prevaleciam os dispositivos do Código Civil de 1.916, nem alguns da própria Lei do Divórcio, uma vez que o inciso I do art. 5º estabeleceu; “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”
Por sua vez, o artigo 226, § 5º da Carta Magna determinou expressamente que “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Lembremos, porém, que, a igualdade pressupõe o tratamento diferenciado aos desiguais, exatamente para que se possa alcançá-la.

No novo Código Civil, então, a expressão: “pátrio poder”, foi substituída pela expressão: “Poder Familiar”, atribuído, agora, a ambos os pais (art. 1630 e 1.631 do Código Civil em vigor), sendo que no caso de divergência entre os pais quanto ao exercício do poder familiar, cabe a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo. (parágrafo primeiro do art. 1.631 do NCC)

O artigo 1.579, por sua vez, estabelece que o divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, e o art. 1583 refere-se à Proteção da Pessoa dos Filhos, no caso de dissolução da sociedade conjugal, conforme:

“No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos”.

O art. 1.584, por sua vez, determina:

“Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”.

Importante aqui consignar, que muitas pessoas estão entendendo que a expressão “melhores condições”, significa “melhores meios materiais”, o que não é verdade, pois o legislador quis referir-se àquele com maior disponibilidade e adequação pessoal para exercer a guarda.

Por fim, ainda para o que interessa ao tema, temos o art. 1.589 do Código Civil:

“O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.

O PROJETO DA GUARDA COMPARTILHADA

O Projeto de Lei 6.350, de 2.002, apresentado pelo Deputado Tilden Santiago, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados neste mês de junho de 2.007, pretende acrescentar dois parágrafos ao art. 1.583 e modificar o teor do art. 1584 do Código Civil, para que a guarda compartilhada dos filhos tenha prioridade sobre qualquer outro sistema que possa ser acordado pelas partes ou determinado pelo próprio Juiz.

O § 1º do art. 1583 do projeto diz:

“O juiz, antes de homologar a conciliação, sempre colocará em evidência para as partes as vantagens da guarda compartilhada”.

O § 2º do art. 1583, do projeto, define guarda compartilhada, nos seguintes termos:

“Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam igualmente a guarda material dos filhos, bem como os direitos e deveres emergentes do poder familiar”.

Levando em consideração que o novo Código Civil já estabeleceu que o poder familiar é exercido por ambos os pais e que o divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos ( artigo 1579), a definição da “guarda compartilhada” como participação igualitária na “guarda material dos filhos” é o único conceito a ser interpretado, no referido projeto.

O projeto ainda sugere que o art. 1.584 tenha a seguinte redação:

“Declarada a separação judicial ou o divórcio ou separação de fato sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema de guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja possibilidade, atribuirá a guarda tendo em vista o melhor interesse da criança”.

Assim, o art. 1.584 daria prioridade ao estabelecimento da guarda compartilhada no caso de conflito entre os pais, o que, como se verá, é um verdadeiro contra-senso.

Tal artigo teria, ainda, um § 1º, que diz:

“A Guarda poderá ser modificada a qualquer momento atendendo sempre ao melhor interesse da criança”

O Projeto de Lei 6.350 de 2002 nada trouxe de novo e somente poderá causar confusão.
Importante notar que referido projeto é do ano de 2.002 e talvez não tenha atinado com as modificações do Código Civil, no mesmo ano.

De fato, na justificação do projeto, o deputado Tilden Santiago diz que não pretendeu estabelecer guarda alternada, ou seja, aquela em que os filhos ficam períodos de tempo, iguais e determinados, com a mãe e com o pai, de forma alternada, esclarecendo que a jurisprudência desabona tal tipo de guarda e que ela não é aceita em quase todas as legislações mundiais.

Diz que também não pretendeu estabelecer o “aninhamento” ou “nidação”, que seria um tipo de guarda no qual os pais se revezam mudando-se para a casa onde vivem os filhos, em períodos alternados de tempo, o que, convenhamos, é muito difícil de se concretizar.

Esclarece que o projeto pretende estabelecer um tipo de guarda onde pai e mãe dividem a responsabilidade legal sobre os filhos ao mesmo tempo e compartilham as obrigações e decisões importantes relativas à criança.
Diz que na guarda compartilhada, um dos pais “pode” deter a guarda material ou física do filho, ressalvando o fato dos pais dividirem os direitos e deveres emergentes do poder familiar.
Assim, o pai ou e mãe que não tem a guarda física não se limitaria a supervisionar a educação dos filhos, mas sim participaria efetivamente dela como detentor de poder e autoridade para decidir diretamente na educação, religião, cuidados com a saúde, lazer, estudos, enfim, da vida do filho.

“É o exercício comum da autoridade parental, reservando a cada um dos pais o direito de participar ativamente das decisões dos filhos menores. O equilíbrio dos papéis valorizando a paternidade e a maternidade, traz um desenvolvimento físico e mental mais adequado para os casos de fragmentação da família”. (trecho da justificação do projeto)

Ora, a definição do § 2º ao art. 1.583 do Projeto de Lei 6.350 de 2.002, refere-se expressamente aos pais participarem “igualmente da guarda material dos filhos”, e isto, com toda a certeza, poderá ser interpretado como uma divisão material do tempo com os filhos, transformando em prioridade, na verdade, a tal guarda alternada que o legislador não pretendeu estabelecer, o que seria péssimo para as crianças, obrigadas que seriam, a mudar de uma casa para outra a todo instante.

Se o artigo 1.579 do Código Civil já deixou claro que o divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, ficou óbvio que o poder familiar continua para ambos os pais no caso de separação judicial ou divórcio, podendo aquele que não detém a guarda material dos filhos participar efetivamente do desenvolvimento, educação e tudo o que se refira à vida dos mesmos.

Assim, não há necessidade de se falar em guarda compartilhada, principalmente com a definição trazida na forma do § 2º do art. 1583 supra mencionado, o que, com todo o respeito ao autor do projeto, só causará confusão de interpretação no poder judiciário.

Na verdade, o exercício do poder familiar por aquele que não exerce a guarda física dos filhos, já está previsto no art. 226, § 5º e § 7º da Constituição Federal, ao estabelecer que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, além do estabelecido quanto aos princípios da dignidade humana e na paternidade responsável, com liberdade para o casal no planejamento familiar.

Ocorre, que a prática do exercício do poder familiar por aquele que não exerce a guarda física dos filhos, obriga a permanência dos pais na mesma cidade, o diálogo constante entre o ex-casal, civilidade e bom senso no trato entre eles e demais fatores específicos de cada caso, a fim de que ambos possam conviver e participar da vida dos filhos o maior tempo possível, independentemente de deterem, ou não, a guarda das crianças.

Assim, tal prática, ou seja, o exercício pleno do poder familiar já estabelecido e não “guarda compartilhada”, só é possível quando a separação ocorre de forma consensual, pois na separação litigiosa não há acordo, não há sociedade, não há diálogo e não há como exercer direitos e deveres de forma pacífica, não restando alternativa senão a regulamentação judicial da forma como cada um exercerá o poder familiar.

O autor e Juiz de Família, Guilherme Gonçalves Strenger, no seu livro “Guarda de Filhos”, LTr, 1998, pag. 71, ao referir-se à guarda conjunta, assim se manifesta:

“No caso de exercício em comum da guarda, o juiz indica qual dos pais terá o filho em sua companhia e residência habitual, portanto, seu domicílio. Essa escolha é imperativa para o juiz. Não será concebível, ainda, a guarda conjunta que não seja acompanhada necessariamente da “domiciliação” do menor na residência de um dos pais. Rompida entre o casal a comunidade de vida, o filho viverá com aquele dos pais que a decisão judicial designar. A estabilidade que o direito deseja para o filho não exclui que sua vida cotidiana seja vinculada a um ponto fixo, mas todas as fórmulas de guarda alternada ficam dissipadas, e mesmo assim não se pode descartar o problema da reserva de visita e fiscalização…
Em bem lançado artigo Sergio Gischkow Pereira aborda a matéria com o mesmo escopo, salientando o aspecto unanimemente acolhido, do interesse do menor, e defende a guarda conjunta, assinalando que esta não esbarra em obstáculos no direito brasileiro.”

Dessa forma, se a guarda compartilhada ou conjunta não esbarra em obstáculos no nosso Direito, não há qualquer necessidade de ser “regulamentada”, pois estando assegurada a continuidade do poder familiar no caso de separação de divórcio, a forma como será exercido é de livre planejamento do casal, em caso de consenso, com a possibilidade de ampla participação de ambos no desenvolvimento dos filhos.
No caso de litígio, deverá o juiz definir a melhor forma de que o poder familiar poderá continuar sendo exercido pelos pais, no interesse maior dos filhos.

Por fim, não posso deixar de dizer que muitos dos movimentos em prol da “guarda compartilhada”, composto, na sua maioria, por homens inconformados com o fato de não exercerem a guarda física de seus filhos, trazem o interesse oculto, referente à obrigação alimentar.

Não é difícil depararmos com pais que sequer exercem o direito de visitas assegurado no acordo de separação, ficando semanas sem comparecer para vê-los ou retirá-los.

De fato, não foram poucas as manifestações que tive oportunidade de ouvir, no sentido de que, havendo “guarda compartilhada”, sempre assim entendendo como a “guarda alternada”, cada um teria de pagar as próprias despesas de moradia, dividindo-se aquelas exclusivas das crianças (escola, seguro saúde, roupas, etc.), numa demonstração que o interesse é muito mais pecuniário do que efetivamente estar mais tempo em contato com os filhos, participando de sua educação e desenvolvimento.

O Direito de Família é muito sensível à evolução dos costumes familiares.
Nos dias de hoje, cada vez mais, os pais querem efetivamente participar do dia a dia de seus filhos.
Trocar fraldas, dar banho, ninar e alimentar já não são consideradas tarefas exclusivamente femininas, valorizando, inclusive, o lado sensível masculino.
O ingresso das mulheres no mercado de trabalho, por sua vez, faz com que a participação do pai no dia a dia dos filhos tenha, obrigatoriamente, que ser compartilhada.
Dessa forma, acredito que, cada vez mais, veremos o pleno exercício do poder familiar por ambos os genitores, de forma natural, sem necessidade de qualquer regulamentação, numa atitude moderna de participação mais efetiva daqueles que amam e se preocupam com o pleno desenvolvimento de seus filhos, inclusive no caso da separação do casal.