Por Cristiane Olivieri, Especialista em Direito da Cultura e Entretenimento, da Rede LEXNET.
INCENTIVOS FISCAIS PARA SEGMENTO QUE VALE A PENA
Em 2017, a indústria criativa representou 2,7% do PIB brasileiro, tendo injetado R$171 bilhões de reais na economia. 251 mil empresas do segmento cultural criaram um milhão de empregos diretos e geraram mais de R$ 10,5 bilhões de impostos diretos. Houve o aumento de 18% em empregos formais em 10 anos. É um setor que aumenta 4% ao ano todo ano, não obstante a crise econômica, e a previsão é de que seguirá expandindo nos próximos anos. Portanto, para além do “soft power” e do fortalecimento da identidade do país, não é à toa que países como Inglaterra e EUA invistam e subsidiem fortemente o setor. No mundo, o setor da cultura representou 30 milhões de empregos e movimentou R$17,4 bilhões sendo responsável por 6% da economia global.
Em relação ao mundo, o Brasil é o 3º país que mais produziu música nos últimos 20 anos, ficando atrás apenas de EUA e Inglaterra, países desenvolvidos, estruturados e com políticas específicas para o segmento. Todos esses resultados, somados à vocação inconteste do Brasil para produção de conteúdos artísticos, deveriam ser mais que suficientes para justificar investimentos, políticas e renúncias para a área da cultura, especialmente em comparação à outros setores.
Trata-se, portanto, de segmento importante e estratégico para o país, especialmente em um momento de recessão e de transformação pelas novas tecnologias, não obstante as questões ideológicas que vem assombrando artistas e produtores, e levando cidadãos à equívocos. Com certo desconhecimento da importância estratégica do segmento, e na sanha de dar uma resposta política, após muitas notícias nem sempre verdadeiras, foi publicada a nova Instrução Normativa que traz alterações às regras de acesso e uso da Lei Federal de Incentivo à Cultura (ex-Lei Rouanet).
Importante ressaltar que a legislação de incentivo à cultura tem o objeto de desenvolvimento do segmento, com aumento da produção, circulação e acesso, e, em decorrência, o incremento da economia criativa e a profissionalização do setor. Assim, não obstante sejam salutares mudanças que garantam a otimização do uso de recursos, muitas justificativas de alteração esquecem a função do incentivo e o resultado efetivo para os cidadãos e para a economia.
O próprio Ministro da Cidadania declarou no Programa Roda Viva que problemas com prestações de contas correspondem a apenas 2% dos projetos com incentivos fiscais federais. Ou seja, não existem os desmandos que são usados como justificativa para tantas críticas e fakenews. Parte das alterações da IN melhoraram a gestão especialmente das prestações de contas, em atendimento às solicitações dos profissionais da área, o que é um avanço, mas muitas foram inspiradas pelas exceções para criar regras gerais.
As artes cênicas em geral foram impactadas pelo teto de R$1 milhão, dificultando a execução de projetos pelos produtores independentes, que são grandes empreendedores das artes. Fato é que, excluindo-se os monólogos ou as produções experimentais, esse limite de R$1 milhão de reais não permite a produção de espetáculo de teatro que envolva mais de 20 profissionais (6 no palco) com temporada de 3 meses. E os recursos de bilheteria não poderão ajudar! Para além dos 50% já comprometidos, os espetáculos teatrais precisam pagar o teatro (não menos que 25% da bilheteria), direitos autorais (entre 10 e 20%), além de participação de atores e impostos. Parece que falta ajuste para a realidade desse segmento. Produção de musicais milionários é exceção, basta checar o Sistema Salic. O limite de R$6 milhões seria mais adequado para as artes cênicas. O importante não é o custo total do projeto, mas a quantidade de profissionais envolvidos, o número de apresentações, o público atendido, e as ações educativas conectadas.
Adicionalmente, não é possível ter espetáculo exclusivo para escolas ou alunos. É uma proibição que prejudica o público atendido, sem motivação aparente. Espetáculo exclusivo ou a concentração em dias específicos permite que uma escola ou alunos organizem a sua presença conjunta, além de possibilitar conversas com diretor e elenco. É irrelevante se os 20% de acesso gratuito democrático são feitos em um único espetáculo ou não. O relevante é a ação educativa e de formação executada.
As pré-estreias são o grande momento de divulgação das temporadas. Contudo, agora, as apresentações fechadas estão proibidas, ainda que realizadas com outros recursos. Aumenta a dependência dos incentivos fiscais, pois não permite a captação de outros recursos sem os incentivos, bem como atropela a prática estabelecida e eficiente da pré-estreia de espetáculos para jornalistas e formadores de opinião. Essa alteração nega a forma de divulgação mais importante dos espetáculos, normatizando verba não incentivada que não cabe ao Estado controlar.
No intuito de não permitir abusos das empresas patrocinadoras, a nova IN proíbe a realização de apresentações fechadas ainda que custeadas por verba não incentivada. Além de legislar sobre verba que não é pública, está sendo impedido que novos recursos sejam aportados no projeto, aumentando sua sobrevida, e reduzindo a dependência dos incentivos.
Tal qual acontece na indústria automobilística ou na linha branca, os incentivos são um impulso para que o fabricante consiga vender mais e possa agregar outros recursos, aumentando a produção e a quantidade de cidadãos atendidos. Assim, também na área cultural, o incentivo não deve criar obstáculos para a captação de novos dinheiros, mas ao contrário possibilitar o incremento das receitas. Se a empresa quer pagar – com verba não incentivada – espetáculos extras de qualquer natureza, tanto melhor. É o incentivo gerando novos recursos.Parece instransponível o ajuste de alguns pontos da IN, para retificar imprecisões que geram insegurança jurídica, bem como para garantir que as regras que pretendam reduzir eventuais desvios não impactem na produção de excelência, no acesso do público, e na vitalidade da economia criativa, segmento no qual, sem dúvida, vale a pena o investimento.