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Comentários desativados em A Lei Anticorrupção e os contratos empresariais: quando a iniciativa privada assume a missão do interesse público
A Coluna opinião traz o artigo da advogada Camilla Goes, especialista da Área Hospitalar do escritório Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, LEXNET Fortaleza. Ela aborda a Lei Anticorrupção e às políticas internas de combate à corrupção no país. Um ótimo texto para refletir
A Lei Anticorrupção e os contratos empresariais: quando a iniciativa privada assume a missão do interesse público
Por Camilla Goes
A operação Lava-Jato e seus inúmeros desdobramentos, sem dúvidas, representa a quebra da ribalta no cenário político, desencadeando, por via de consequência, diversas crises em todas as searas do País, gerando um sentimento de repúdio social a todas as formas de corrupção que possam existir e gerando, consequentemente, uma profunda mudança cultural.
Em que pese a esperança de dias vindouros com menos corrupção nas instituições públicas, a verdade é que restou à iniciativa privada importante missão de velar pelo interesse público também dentro do mundo corporativo, missão esta que vem sendo desempenhada a contento com a previsão expressa nos contratos empresariais de cláusulas que zelam pelo respeito aos termos da Lei Anticorrupção – Lei nº 12.486/2013, mesmo sendo esta estrita a atos que lesem a Administração Pública.
A justificativa para essa iniciativa parte da notória mudança de percepção da alta administração das empresas, as quais vêm aprimorando os modelos de gestão a fim de tornarem suas organizações o reflexo dos anseios sociais e o modelo de instituição que os cidadãos prezam e se orgulham em contribuir – seja pelo consumo, seja pelo trabalho. O resultado tem sido a celebração de contratos empresariais com cláusulas expressas quanto à observância à Lei Anticorrupção e às políticas internas de combate à corrupção, com penas pecuniárias e até mesmo de justo motivo para resilição contratual.
A um primeiro olhar, a exigência de previsão expressa de respeito à Lei anticorrupção dentro de contratos celebrados entre empresas privadas pode parecer esdrúxula ou até mesmo inócua, mas a verdade é que causa significativo impacto nas mudanças culturais profundas que os brasileiros realmente esperam que aconteçam.
Ao se falar em necessidade de obediência a políticas internas e externas que preservem a moralidade, não se deixa margem para interpretações diversas quanto às práticas que são permitidas e às que são proibidas terminantemente. Este tipo de previsão pode e deve ser negociado entre as partes antes da assinatura do contrato. Contudo, o que esperar negocialmente de uma empresa que se diz parceira se ela se recusa a observar políticas de anticorrupção?
É claro que, para o sucesso de tais medidas, é imprescindível que as organizações mantenham o zelo pelos termos contratuais celebrados, sob pena de torná-los letra morta. Todavia, tal disseminação cultural também vem sendo objeto de gradual mudança a partir de leis que determinam a forma de determinados contratos, por exemplo, a Lei 13.003/2014, a qual obriga que contratos celebrados entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços de saúde sejam necessariamente escritos.
Este modelo de imposição legal – a necessidade de contratos escritos – consagra de forma imediata tanto o dever de cumprimento contratual quanto a própria segurança jurídica das partes e, de forma mediata, faz viger a moralidade e a boa-fé contratual como pressuposto básico para as relações estabelecidas. É que a prática demonstra que a ausência de obrigações escritas permite aos contratantes mais escusos esconderem seus interesses leoninos sob o pálio da inexistência de obrigação, negligenciando muitas vezes as práticas mercadológicas reais e que são oriundas dos costumes em razão do interesse público inerente a determinadas atividades, como é o sistema de saúde.
O mercado é seletivo e, obviamente, com o advento dos direitos consumeristas, dos programas de Compliance e de desenvolvimento sustentável, tem se tornado cada vez mais responsavelmente competitivo. Esta responsabilidade de competição faz gerar uma cadeia de produção muito mais transparente e até mesmo mais eficaz, em que o lucro passa a ser desmitificado, saindo do conceito de “motivo de severas obrigações” para tornar-se o que realmente é: a consequência justa do bom trabalho e da excelência em gestão.
Para tanto, é imprescindível que as empresas possuam ferramentas adequadas a fim de se ajustar às novas práticas morais de mercado, investindo na organização de forma estratégica para conduzir um correto plano de ação, vez que ter a ética e a moralidade como parte da missão de uma empresa requer bem mais que mudanças literais nos princípios corporativos. É necessário que haja uma liderança forte e preparada para assumir tão valioso mister, e este, sem dúvidas, é o profissional do futuro, porque faz parte da geração que repudia qualquer forma de corrupção.