Por Gustavo Zimmermann, professor doutor em Economia do Setor Público, consultor da LEXNET Consultoria.
O país das maravilhas na tempestade perfeita
Em busca de uma saída da toca em que havia caído, Alice, no “O País das Maravilhas” pergunta ao gato que ria qual caminho deveria seguir. O bichano quer saber para onde ela pretendia ir? A menina confessa não saber e recebe como resposta “se não sabes para onde quer ir, qualquer caminho serve”!
No país do gigante adormecido, o chefe do poder executivo a quem cabe, através de um projeto de Lei Orçamentária Anual- LOA, a responsabilidade de definir as diretrizes para os gastos governamentais e a enviá-las ao Congresso, só o fez em 25/03/21, quando habitualmente ela deveria ser discutida e aprovada em setembro/outubro do ano passado.
Passado um terço do tempo em que deveria estar vigendo, o projeto foi bastante modificado e aprovado com várias emendas individuais dos parlamentares. Cumpriu-se assim a determinação do líder do Centrão e presidente da Câmara Arthur Lira tornada pública ao jornal O Globo em 21/03: “Vamos buscar o comando do orçamento”. Não por acaso, a deputada federal Flávia Arruda, também do Centrão e presidente da Comissão Mista de Orçamento e Finanças da Câmara, virou a ministra encarregada da articulação política do governo.
Mas, com a inflação, os juros de curto e longo prazos crescendo, a renda caindo e o desemprego e desalento estacionados ou crescendo mais lentamente e os mais diversos setores sociais e econômicos esperando pelas reformas tributária, administrativa, fiscal e aceleração da vacinação para um possível retorno à vida normal e retomada do crescimento o que a atual diretriz orçamentária nos apresenta? Não uma saída.
Orçar no português antigo e mesmo na linguagem náutica atual quer dizer direcionar as velas de uma nau para captar o melhor vento para conduzir a embarcação na direção que se deseja. Por isso fazer o orçamento da nação é tarefa do executivo. Envolve gastos com a integração e promoção dos mercados produtores e consumidores, da infraestrutura inter-regional e da importação/exportação para ampliação da produtividade sistêmica, ou seja, gastos que ultrapassam bases eleitorais individuais de parlamentares.
Pois bem, no orçamento atual, 52% dos gastos discricionários, ou seja, livres de vinculações para serem aplicados num programa de governo, foram definidos por emendas dos parlamentares, no geral, para obras em suas bases eleitorais, em estados simultaneamente aliados do presidente e do interesse de deputados e senadores do Centrão. Beneficiaram principalmente a Paraíba, Rio Grande do Norte, Amapá e Piauí.
O Rio de Janeiro não foi agraciado com nenhuma emenda e São Paulo teve recursos absolutamente irrisórios e inferiores aos destinados a estados de população e áreas menores.
Qual então o sentido do atual orçamento? Dar um rumo à nau brasileira no meio da tormenta? Definitivamente não. O atual orçamento sacramenta a perda do controle dos gastos pelo executivo federal e define os gastos pela lógica política da reeleição dos deputados federais do Centrão.
Ao invés de um comandante no orçamento da nau, temos mais de uma centena deles! Na tempestade perfeita, a nau está sem rumo e o capitão sumiu. Busquem salva vidas.