Por Túlio Gonzalez Dal Poz, bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, advogado no escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, LEXNET Especialista em Direito Público.
O PANORAMA CONSTITUCIONAL DO JUIZ DAS GARANTIAS
Em 24 de dezembro de 2019, foi promulgada a Lei nº 13.964/2019, que promoveu alterações na legislação penal e processual penal, dentre elas a instituição do juiz das garantais, mediante a inserção dos artigos 3º-A a 3º-F no Código de Processo Penal.
De forma bastante simplificada, a mudança visa a dividir a competência funcional na persecução penal, de maneira que o juiz atuante na fase pré-processual de investigação – neste caso, o juiz das garantias – não seja o mesmo responsável pela fase processual propriamente dita; reforçando-se, com isso, a imparcialidade do julgador.
Pela redação conferida ao art. 3º-B, a função precípua do juiz das garantias será a de controlar a legalidade da investigação criminal e salvaguardar os direitos individuais do investigado.
De imediato, três ações diretas de inconstitucionalidade foram ajuizadas para impugnar os dispositivos da nova lei (ADIs nº 6.298, 6.299 e 6.300), distribuídas ao ministro Luiz Fux.
Por terem sido ajuizadas no período de recesso forense e por conterem pedidos de tutela provisória de urgência, as ADIs foram submetidas à apreciação do ministro presidente Dias Toffoli (art. 13, VIII, do RISTF), que proferiu decisão liminar para, além de outras medidas, suspender a implantação do juiz das garantias pelo prazo máximo de 180 dias.
Ainda durante o recesso forense, o ministro Luiz Fux, no exercício da vice-presidência do Supremo Tribunal Federal, proferiu nova decisão liminar – de questionável conveniência e legalidade –, revogando a decisão anterior do ministro presidente, para suspender por prazo indeterminado a implantação do novo instituto.
Dentre as diversas violações constitucionais apreciadas por ambos os ministros, duas delas se destacaram nos fundamentos das decisões.
A primeira delas refere-se à alegada inconstitucionalidade formal da lei, por ofensa à competência dos tribunais para a criação de órgãos do Poder Judiciário e para alterar a organização e a divisão judiciárias, nos termos dos arts. 96, 110 e 125, § 1º, da Constituição Federal.
Na visão do ministro Fux, a criação do juiz das garantias impõe uma profunda reestruturação de unidades judiciárias e uma redistribuição de recursos materiais e humanos, a esbarrar na limitação do art. 96 da Constituição.
O ministro Dias Toffoli, por sua vez, entende que a lei determina apenas uma divisão de competência funcional entre juízes, sem demandar profundas alterações estruturais na justiça, caracterizando-se como uma norma geral de direito processual, cuja elaboração respeitou a competência da União, prevista no art. 22, I, da Carta Magna.
Como consequência lógica desse entendimento, o ministro Dias Toffoli também refuta a segunda inconstitucionalidade central por ele analisada, de ordem material, relativa à ausência de dotação orçamentária e de prévios estudos sobre o impacto financeiro para a implementação da medida.
Para o ministro presidente, a implementação do juiz das garantias apenas redistribui uma atividade já exercida pelo Poder Judiciário, sem demandar a criação de novos cargos ou incrementar o volume de trabalho dos juízes. Não haveria, portanto, significativo impacto financeiro com a mudança, bastando a readequação da estrutura judiciária já existente.
Por outro lado, no entendimento do ministro Luiz Fux, a nova lei “causa impacto orçamentário de grande monta ao Poder Judiciário”, especialmente com a reestruturação e redistribuição de recursos humanos e materiais, além de necessários incrementos nos sistemas processuais eletrônicos. Por essa razão, a lei violaria os artigos 99 e 169 da Constituição, além do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Como se vê, as divergências principais no entendimento de cada um dos ministros estão mais diretamente relacionadas às incertezas quanto às consequências práticas do novo instituto, do que com as questões puramente jurídicas envolvidas na promulgação da lei.
Até o presente momento, pouco se sabe quais mudanças serão necessárias e quais serão os resultados da implantação do juiz das garantais. Justamente por essa razão é que as decisões dos ministros convergem em um único ponto: o de que o exíguo prazo de 30 dias de vacatio legis é insuficiente para a implantação do instituto.
Com o objetivo de solucionar o problema, o Conselho Nacional de Justiça criou um grupo de trabalho para apresentar uma proposta de regulamentação da nova lei, com prazo de conclusão previsto para 29 de fevereiro de 2020. Após essa data, a tendência é que o Supremo Tribunal Federal aprecie com brevidade a inconstitucionalidade do instituto do juiz das garantias.