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Comentários desativados em POSSO SER DEMITIDO POR JUSTA CAUSA CASO ME RECUSE A ME VACINAR CONTRA A COVID-19?
Por Arthur Aguiar, advogado no escritório Imaculada Gordiano Sociedade Advogados, LEXNET Fortaleza.
POSSO SER DEMITIDO POR JUSTA CAUSA CASO ME RECUSE A ME VACINAR CONTRA A COVID-19?
Em dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar a constitucionalidade do art. 3°, III, alínea d) da Lei 13.979/2020 no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 6586 e 6587, decidiu que é constitucional a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19, em que pese ninguém poder ser compelido a se vacinar à força. Naturalmente, a decisão da suprema corte brasileira tem incidência ampla nos diversos campos da sociedade e o Direito do Trabalho não ficou de fora.
Em janeiro de 2021, em esforços conjuntos – ou nem tanto – dos entes federativos, a população começou a ser vacinada, notadamente os profissionais de saúde e grupos prioritários. Em tempos de negacionismo da ciência, há parcela considerável da população que está recusando a vacinação, o que ocasionou a seguinte dúvida: “posso demitir/ser demitido por justa causa caso haja negativa de vacinação?” A questão é um pouco mais complexa e merece maiores digressões.
Como acima citado, apesar de ninguém poder ser compelido a fazer ou deixar de fazer algo senão por força de lei, o STF entendeu que a negativa injustificada de se vacinar contra a covid-19 pode ocasionar na aplicação de sanções em desfavor do sujeito, haja vista que o combate a tal moléstia é de interesse público e medidas para estimular a vacinação podem ser adotadas. Mas como isso se aplica as relações empregatícias? Vejamos.
Inicialmente, é importante ressaltar que a Consolidação das Leis Trabalhistas prevê, especificamente em seu art. 158, que cabe aos empregados observar as normas de segurança e medicina do trabalho, colaborando com a empresa no que se fizer necessário. Perceba-se: o código celetista impõe ao empregado o dever de observar as normas de saúde e segurança do trabalho e ainda auxiliar o empregador.
Quanto ao empregador, é de conhecimento geral no meio jurídico de que a salubridade do ambiente de trabalho é um dever basilar, havendo previsão constitucional e nas mais diversas leis esparsas. A não garantia de tal direito dos empregados pode implicar na responsabilização do empregador nas mais diversas esferas, de tal maneira que todas as providências possíveis para a garantia do cumprimento das normas de saúde e segurança devem ser adotadas. Pois bem.
Após meses vivenciando a pandemia de covid-19, sabe-se que a referida moléstia detém natureza infectocontagiosa, ou seja, é de fácil contaminação, inclusive no ambiente de trabalho. Não se trata de uma questão meramente pessoal. Salienta-se: o Estado de Calamidade Pública ocasionado pela pandemia de covid-19 ainda se mantém em razão do interesse público.
Dessa forma, levando em consideração a mortalidade da doença, a facilidade de contaminação e às obrigações de empregador/empregado no que se refere a saudabilidade do ambiente de trabalho, a dispensa do empregado que se recusar a se vacinar por justa causa é possível, mas se torna necessária a adoção de algumas providências.
Ressalta-se que, sendo a questão muito recente, desguarnecida de quaisquer orientações da Superintendência do Trabalho e Emprego e demais órgãos, tais providências abaixo descritas poderão sofrer alterações e se baseiam numa leitura hermenêutica da legislação, havendo certa possibilidade de haver entendimentos divergentes no Poder Judiciário.
Outrossim, salienta-se que o Ministério Público do Trabalho se manifestou entendendo pela possibilidade da aplicação da justa causa na questão em discussão. Os desdobramentos devem ser acompanhados de perto.
É importante que a empresa inclua em seu Regimento Interno a vacinação contra a covid-19 como norma. A inclusão de tal disposição no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) também se faz necessária, vez que, como o nome sugere, é o documento que visa proteger, através de normas, a saúde ocupacional dos empregados.
Além disso, necessária se faz também que a obrigatoriedade da vacinação esteja prevista no Plano de Contingência da empresa. Após isso, visando oportunizar aos empregados que tal obrigatoriedade está presente no normativo da empresa, o empregador preferencialmente deverá circular comunicado sobre o assunto.
Após adotadas todas as providências acima descritas, a aplicação da justa causa no empregado que se recusar a se vacinar é possível, havendo a necessidade ainda de se escutar do colaborador os motivos de tais recusas em procedimentos formais, bem como se respeitar ainda o princípio da proporcionalidade na aplicação das sanções administrativas.
Alguns leitores mais atentos podem indagar que o rol para aplicação da justa causa, o qual está previsto no art. 482 da CLT, é taxativo e não há possibilidade de dispensar o empregado motivadamente por se recusar a vacinar. A afirmativa é verdadeira, porém faz-se necessária a realização da seguinte análise:
A CLT prever de maneira expressa que os empregados podem ser dispensados por justa causa em caso de incontinência de conduta (alínea b) e também ato de insubordinação (alínea h). Dessa forma, questiona-se:
Prevendo a empresa nos mais diversos normativos internos a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19, o que seria sua recusa senão um ato de insubordinação ou mesmo uma incontinência de conduta? Respeitando os entendimentos contrários, entende-se que a justa causa pode ser aplicada baseada em um dos dois dispositivos.
Diante do exposto, apesar de haver a possibilidade da aplicação da justa causa em empregados que recusem a vacina, é importante ressaltar que tal medida deve ser utilizada de maneira excepcional, vez que a continuidade do contrato de trabalho é um princípio que norteia o Direito do Trabalho e somente deve ser afrontado em situações necessárias.
Além disso, como também acima falado, a situação é dotada de grande novidade, de forma que se faz necessário o acompanhamento de um profissional jurídico para não haver injustiças na aplicação da justa causa em desfavor do empregado e consequentemente criar um risco de passivo desnecessário a ser questionado na Justiça do Trabalho.