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RECURSOS EXCEPCIONAIS

Por: Anna Virgínia de Oliveira Freitas*, advogada do MBAF Consultores e Advogados,LEXNET Salvador.

RECURSOS EXCEPCIONAIS

O recuso excepcional devolve ao órgão judicante a análise da legalidade da decisão recorrida, pelo que apenas as questões de direito são susceptíveis de exame.
As questões de direito, conforme esclarece Glaydson Kleber Lopes de Oliveira ,dizem respeito à incidência e ao alcance da norma jurídica a ser aplicada, ao passo que as questões de fato correspondem ao quadro fático a ser analisado e avaliado pelo órgão judicante. Resta, portanto, caracterizada a questão de direito nas oportunidades em que há violação de norma jurídica, consistente na aplicação errônea da norma jurídica ou na interpretação equivocada dos fatos trazidos a juízo. A comprovação da matéria fática far-se-á com observância de regras de direito positivo, de modo que, se o magistrado autorizar a produção de meios de prova inadmissíveis , ou admitir meio probatório vedado pelo ordenamento jurídico, há questão de direito passível de revisão por meio de recurso excepcional. Ressalta o autor supracitado que se pode constatar violação a regra ou princípio de direto probatório, sem que se proceda ao reexame dos fatos aventados no acórdão recorrido.
Tendo em vista que os recursos excepcionais não se destinam ao reexame das questões de fato, não são cabíveis para a apreciação de cláusula contratual.
A análise de cláusulas contratuais visa perquirir a vontade das partes quando da celebração do liame, tratando-se, portanto, de matéria de fato que não desafia recursos excepcionais. Nessa esteira, as súmulas 454 do STF e 5 do STJ pacificam o entendimento ora em discussão. Fredie Didier Junior discorre sobre a interpretação de cláusula contratual , adotando o entendimento de que a aludida investigação não se enquadra nas hipóteses de cabimento de recurso excepcional. Tais recursos, preleciona, têm por escopo a aplicação correta de lei federal ou dispositivo constitucional, não se destinando ao controle de ato volitivo das partes.
No entanto, nas oportunidades em que a interpretação da cláusula contratual for necessária para formar o convencimento do magistrado sobre o tipo de contrato celebrado, a questão passa a ser de direito , concernente à qualificação jurídica do contrato e da cláusula em discussão, pelo que desafiará recurso excepcional. O STJ solidificou o entendimento em questão, na medida que admitiu recurso excepcional para discutir se a cláusula contratual que autorizava a cobrança antecipada de valor residual garantido descaracterizava o contrato de arrendamento mercantil. Analisando a cláusula contratual, por reputar a adoção do aludido procedimento imprescindível para saber se o contrato era de compra e venda ou de arrendamento mercantil, classificou o negócio como arrendamento mercantil. Publicou, então, o STJ o enunciado 293 nos seguintes termos : “ A cobrança de valor residual garantido ( VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.”
Os recursos excepcionais, por serem cabíveis para a impugnação de matéria exclusivamente de direito, não servem à reapreciação de provas, ainda que suscitadas no acórdão recorrido. Mero exame de provas não se subsume às hipóteses elencadas nos artigos 102 III e 105 III da Constituição Federal , eis que os recursos excepcionais não possuem a finalidade precípua de tutelar os direitos das partes, mas , consoante asseveram Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, objetivam “ Unificar o Direito Nacional”, mediante a correta interpretação da Constituição Federal e do Direito Infraconstitucional Federal.,
As questões de fato não são susceptíveis de reexame através de recurso excepcional porque o erro de fato não repercute em outras ações, tampouco serve de subsídio para decisões futuras. Destarte, a análise de questões de fato em nada concorre para a unidade do Direito, pelo que não desafia recursos excepcionais.
Outrossim, é pacífico na doutrina e jurisprudências do STF e STJ que os recursos excepcionais, embora não se prestem ao reexame de provas, são cabíveis para a discussão de regras de direito probatório.
O STJ, em julgado da lavra do Relator Sálvio de Figueiredo Teixeira, consolidou o entendimento sobre a admissibilidade de recurso excepcional nas hipóteses em que a lei exige a produção de determinado meio de prova para um fato específico e a exigência legal não foi observada no decorrer da instrução processual. Neste sentido, o Resp 17144 BA e a súmula 149 assim redigida: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícula para efeito da obtenção do benefício previdenciário”. O órgão judicante, à luz da legislação federal, constatou a violação de uma regra de direito probatório , admitindo, por este motivo, o recurso excepcional. Não recebeu o recurso com o escopo de analisar se a atividade rurícula restou comprovada, por não lhe competir o reexame de prova, mas constatou que a regra que exigia provas outras além da testemunhal não foi observada, recebendo o recurso por estes substratos.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 401, estipula que, nos contratos cujo valor exceda o décuplo do maior salário mínimo, é inadmissível a prova exclusivamente testemunhal. Em sendo assim, a interposição de recurso excepcional para discutir valoração da prova é admissível, ou seja, é cabível o recurso excepcional se o contrato que ultrapassa 10 salários mínimos foi comprovado exclusivamente por testemunha. Noutra esteira, se a parte recorrente objetiva tratar sobre a veracidade dos fatos declarados pelas testemunhas e retratados na decisão recorrida, não há falar em recurso excepcional, eis que, neste caso, não se constata a valoração da prova, ou a verificação do meio hábil a comprovar o fato, mas o exame da prova em si.
Glaydson Kleber Lopes de Oliveira discorre sobre a violação de regra de direito probatório e , no seu entendimento, mesmo que o órgão prolator da decisão objeto de recurso tenha se equivocado na apreciação da prova, desde que a norma aplicada se subsuma aos fatos em discussão, não se admite o recurso excepcional. Ressalta o autor que os recursos excepcionais se prestam a avaliar, não a lei em tese, mas aquela aplicada ao caso concreto. Outrossim, adverte que , em sendo necessária a demonstração da apreciação equivocada da prova para, tão somente, demonstrar a configuração da violação à lei federal, caracterizada estará a predominância de situação fática, sendo, portanto, inadmissível a interposição de recurso excepcional.
Configuram exemplo de violação a direito probatório, no entendimento de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, a inobservância de normas sobre admissão de prova, daquelas pertinentes ao modelo de constatação das alegações de fato empregado pelo julgador, sobre as máximas de experiência, dispensa de provas, inversão do ônus da prova, dentre outras. O mesmo autor e Sergio Cruz Arenhart pontificam situações outras que admitem controle por recurso excepcional, dentre as quais a discussão sobre a licitude da prova, sobre a persuasão íntima diante da lei processual e demais situações concernentes ao valor abstrato de cada prova ou critérios norteadores do raciocínio do julgador.
É cediço que os recursos excepcionais não são cabíveis para a impugnação de matéria de cunho fático, sob pena de não serem admitidos no STF e STJ. No entanto, uma vez admitido o recurso excepcional, a matéria em discussão , inclusive a de cunho fático, desde que o exame seja necessário ao julgamento da causa, deve ser apreciada.
Bernardo Pimentel discorre a respeito da possibilidade de apreciação de questão de fato após o recebimento do recurso excepcional. Ressalta que , em sendo o STJ uma corte de revisão e não de cassação , ao que tudo indica, poderá examinar questões de fato . Conforme aduz o aludido doutrinador,, poderá o STJ fazê-lo mesmo em relação às questões não solucionadas, desde que o exame seja fundamental para a composição do caso sub judice. Tal posicionamento encontra guarida no artigo 257 do Regimento Interno do STJ e no artigo 105, inciso III da Constituição Federal.
Fredie Didier Junior diferencia o juízo de julgamento e juízo de admissibilidade do recurso extraordinário. Segundo afirma, para que se admita o recurso excepcional, é imprescindível que haja prequestionamento da matéria em discussão, mas, uma vez admitido o recurso, não há qualquer restrição no juízo de rejulgamento.
Não havendo restrição ao juízo de rejulgamento, nada obsta a apreciação das questões de fato suscitadas após o recebimento dos recurso ,sobretudo por não serem o STJ e STF juízos de cassação tal qual nos sistemas italiano e francês. A possibilidade de um amplo juízo de rejulgamento, após a admissibilidade dos recursos excepcionais, possibilita melhor aplicação do direito ao caso concreto, propiciando decisões judiciais mais razoáveis e eqüitativas por permitir que os órgãos judicantes analisem de forma plena a matéria em discussão.

Bibliografia:
Didier, Fredie Jr. e Cunha, Leonardo José Carneiro, Curso de Direito Processual Civil, Vol III, 6ªEd, Vol 3, p251-261
Oliveira, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo, RT, 2002, p275-282
Marinoni,, Luiz Guilherme, Arenhart, Sérgiio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil, 2 Ed. São Paulo: RT, 2005, t1 p338
Marinoni, Luiz Guilherme, Mitidiero, Daniel. Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo., p559
Resp 17144 BA, rel Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Pimentel, Bernardo Souza. Introdução aos recursos Cíveis e à Ação Rescisória, 3. ed, São Paulo: Saraiva, 2004, p 634

*Anna Virgínia de Oliveira Freitas
Advogada do MBAF Consultores e Advogados, Pós Graduada em Processo Civil pela UCSAL (Universidade Católica do Salvador