Por Gustavo Zimmermann, professor doutor em Economia do Setor Público, consultor da LEXNET Consultoria.
Será possível uma reforma fiscal?
O projeto de lei 529/2020 apresentado pelo governo do Estado de São Paulo à Assembleia Legislativa autorizava a fazenda estadual a diminuir os benefícios fiscais relativos aos itens da cesta básica entendendo por benefício fiscal alíquotas abaixo do padrão geral do Estado que é de 18%.
O mesmo projeto autorizava a Secretaria da Fazenda a devolver, para as famílias de baixa renda, o imposto a mais arrecadado com a diminuição ou eliminação dos benefícios.
Os setores pecuaristas e produtores agrícolas ameaçaram realizar, em protesto contra o projeto de lei, um tratoraço diante do que o governo paulista retirou essa parte do projeto relativa à cesta básica.
Essa démarche paulista reproduziu outra realizada pelo governo federal que também apresentou em julho de 2020, no seu primeiro bloco de medidas para a reforma tributária encaminhada ao Congresso Nacional, proposta semelhante com mesmo teor e espírito. O executivo federal também retirou sua proposta após resistências parlamentares, com a promessa do ministro Paulo Guedes de reapresentá-la na segunda rodada de propostas federais.
Tais propostas derivaram de amplo consenso entre os economistas de ser este um bom passo no sentido da reforma fiscal pretendida pois atenderia as principais metas aspiradas para uma nova era para a tributação e gastos públicos.
Diminuiria a elevadíssima regressividade do sistema tributário atual (que onera 54% da renda dos contribuintes com ganhos de até 2 salários mínimo por mês e 16% daqueles com rendimentos mensais acima 30 salários mínimo) porque a desoneração da cesta básica abrange a carne, derivados do leite e legumes mais sofisticados raramente presentes na dieta dos detentores de baixa renda. Não sem razão, estudos do IPEA e da FVG indicam que a isenções fiscais da cesta básica beneficiam mais os mais ricos e não os mais pobres;
Diminuiria também os gastos públicos paulistas, uma vez que incentivos fiscais são classificados como gastos em toda literatura internacional. A soma de todos os incentivos fiscais do ICMS no atual orçamento paulista é de 150 bilhões de reais e, juntas, as renúncias fiscais da cesta básica totalizam (R$43bilhões) compondo o maior gasto orçamentário anual paulista enquanto a educação e saúde absorvem respectivamente 32 e 24bilhões.Diminuição importante também teria as finanças federais, pois suas isenções nos itens da cesta básica e defensivos agrícolas no orçamento de 2019 representaram 19,7 bilhões de reais, tanto quanto o despendido na bolsa família;
Assim sendo, essas propostas fiscais dos governos federal e estadual paulista, contemplavam duas das metas mais destacadas pelos economistas, empresários e pela sociedade em geral, no sentido de diminuir os gastos públicos e aumentar a justiça tributária. Ao autorizar seus respectivos órgãos fazendários a devolverem, em espécie, aos detentores das menores rendas os montantes dos impostos majorados, as propostas inovavam ao implantar o que na literatura econômica se denomina de imposto de renda negativo, recomendada como a melhor forma de focar benefícios nos cidadãos de fato mais necessitados.
Não somente os segmentos ligados aos produtos da cesta básica tem resistido a diminuições em seus benefícios fiscais e/ou aumentos de suas tributações. Resistência semelhante também partiram da indústria e comércio automobilístico, setores que, segundo declaração recente do Secretário da Fazenda Paulista Henrique Meirelles, por mais de 30 anos foram contemplados com descontos na alíquota padrão do Estado.
No mesmo sentido contrário à diminuição dos gastos tributários, a edição de 28/01/2021 do jornal O Estado de São Paulo estampou em manchete “governo avalia corte no imposto do diesel para atender caminhoneiros”. Tal matéria informava também que essa base de apoio ao presidente Bolsonaro ameaçava nova paralização do setor em favor de sua reivindicação. A mesma matéria informa ter havido R$0,09 de aumento médio do diesel na semana anterior e que cada centavo de redução do PIS/Cofins representa redução de R$800 milhões na arrecadação.
Sem dúvida Tancredo Neves continua atual! Perguntado, na década de 80 do século passado, quando de sua campanha à presidência da república, se apresentaria um projeto de reforma tributária o candidato negou veementemente justificando: “todos, com quem converso, só propõem reformar o bolso dos outros”.
Cabe, portanto, a pergunta será possível realizar, após três décadas de debate, uma reforma fiscal que diminua gastos e aumente a justiça tributária?