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Sinais Exteriores de Subdesenvolvimento

Por: Luiz Eduardo Leme Lopes da Silva – Lopes da Silva & Associados, LEXNET São Paulo – presidente do Conselho de Administração da LEXNET, pós graduado em Direito da Empresa.

Há que se condenar a pirotecnia com que determinadas ações policiais – especialmente aquelas conduzidas pela Polícia Federal – são realizadas. Centenas de policiais pesadamente armados; o acompanhamento da imprensa nos momentos mais delicados das diligências; a mesmice dos comentários sobre o longo tempo de investigação que somente chegaram a bom termo graças a escutas telefônicas sempre “previamente autorizadas por ordem judicial”.

Este circo que se arma periodicamente já a algum tempo faz crer que o que, na verdade, se está preetendendo, é encobrir a ineficiência estrutural do trabalho policial, indigente de verbas, parco de equipamentos e de capacidade claramente diminuída pela multiplicação de estruturas burocráticas que, superpostas, esbanjam recursos e tolhem a eficiência.

Um aspecto, no entanto, vem chamando a atenção e exatamente porque, ao contrário do restante, traz em si aspecto positivo.

Refiro-me ao fato de que inúmeras dessas operações passaram a atingir indiscriminadamente cidadãos de diversas extrações sociais. Irmanaram-se na função de alimento para o circo policialesco o negro pobre da periferia; o contraventor rico do subúrbio e – surpresa! – membros das classes superiores . No último episódio mais uma vez viram-se nas colunas policiais membros do Poder Judiciário de todas as instâncias, inclusive um Ministro representante de um dos Tribunais Superiores, além de advogados; policiais; bicheiros e outros personagens secundários na peça que se está encenando.

Até aqui parece tudo bem pois, claramente, é melhor que haja uma repressão cega a privilégios, ainda que truculenta, do que uma atuação civilizada mas discriminatória, incapaz de atingir os privilegiados sociais. Tristemente, no entanto, tal sensação é falsa. Apenas oculta outra estrutura de privilégios absurdos e injustificáveis.

O exame da legislação demonstra, além de qualquer dúvida, que nossa cultura está impregnada do mais odioso preconceito possível: aquele que beneficia o cidadão de melhor condição social, em detrimento dos demais que por qualquer razão que seja não disponha de tantas vantagens.

Dois instrumentos consagrados no Direito Nacional, provam o raciocínio. Falo dos institutos denominados “Foro Privilegiado” e “Prisão Especial”. Um e outro foram criados – como sempre! – sob a égide da melhor das intenções mas, no final, na hora da verdade de sua utilização e aplicação, resultam apenas em consagração do privilégio em detrimento dos menos favorecidos.

O Foro Privilegiado – isto é, a capacidade de ser uma autoridade julgada apenas por instâncias superiores, desdenhando sua submissão aos tribunais comuns de primeira instância – é justificado para impedir a humilhação da autoridade pública em submeter-se ao procedimento comum, o que impediria sua atuação regular no exercício de sua função.

Sem deixar de comentar que, à toda evidência, parece lógico que uma autoridade envolvida em situação que a levasse a julgamento devesse, desde logo e preventivamente ser afastada da função pública, protegendo-se o interesse da sociedade contra a repetição dos atos (ainda que se pudesse cometer injustiça, comprovável pela posterior absolvição da autoridade), necessário é destacar-se que a Constituição de 1.988 limitou tal privilégio que já vinha de épocas anteriores. O “Foro Privilegiado”, no entender do Constituinte Originário (aquele que integrou a Assembléia Nacional Constituinte) era limitado apenas às ações penais. O constitucionalista derivado (aquele que integra o Congresso Nacional e aprova Emenda à Constituição) deliberou ampliar o conceito, estendendo-o também aos julgamentos civis e, não contente com isso, levou-o ao extremo de ser aplicável também a autoridades que já tivessem deixado a função, mesmo que os processos tenha tido seu início depois do período em que ocupavam a função pública. Vem daí, prezado leitor, o interesse de tantos acusados em candidatarem-se a cargos eletivos nos Parlamentos. Se eleitos, como muitos o são, escapam da vala comum do julgamento e sobem ao Olimpo do Foro Privilegiado: o Supremo Tribunal Federal que, por sua função Constitucional e organização funcional, não está aparelhado a instruir ações como o faz o juízo de primeiro grau. O registro histórico mostra que, até hoje, nenhuma condenação se deu em processo perante o Supremo. Exemplo claro é a recente notícia da instauração – isto é, do início -, com mais de um ano de atraso, da ação penal referente ao “mensalão” movida contra privilegiados detentores do benefício do Foro Privilegiado.

Da mesma forma, a lei penal consagra, o instituto da “ prisão especial”, isto é: elege-se uma casta de beneficiários para os quais não se aplica a regra geral destinada aos cidadãos comuns. São eles beneficiados por tratamento diferenciado, de forma a protegê-los das agruras destinadas aos menos afortunados. Diz a lei que “ serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes da condenação definitiva, uma longa lista de beneficiados. Integram-na Ministros de Estado; Governadores; o Prefeito do Distrito Federal e seus Secretários; os Prefeitos Municipais; os vereadores e os chefes de polícia. Prossegue a listagem de apaniguados da lei incluindo no benefício os Parlamentares Federais ou Estaduais; os diplomados por qualquer faculdade e por aí vai a extensa relação de beneficiários do privilégio. Para esses, nada dos cárceres lotados; da comida ruim; do risco de vida sua e da família se não atenderem ao comandos das quadrilhas que agem dentro dos presídios. Para esses ficam reservadas as celas particulares ou as salas dos delegados; o direito de recebimento de comida de casa ou do restaurante predileto; do acesso à comunicação; à televisão e até mesmo , como já se viu, à Internet.

Enfim, o que se tem em nossa estrutura penal é a clara demonstração que os que deveriam servir de exemplo e modelo à sociedade, à juventude quer por suas funções, por sua cultura ou pela maior oportunidade tiveram na vida são considerados menos responsáveis ou, ao menos, merecedores de tratamento melhor e diferenciado. Aos demais cidadãos comuns, resta o rigor da lei, do regime penitenciário desumano, da desonra, humilhação e derrota.

Estamos ou não dando sobeja demonstração de subdesenvolvimento ?

*Luiz Eduardo Lopes da Silva é sócio titular do escritório Lopes da Silva & Associados