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Titularidade da Pessoa Jurídica na Empresa Individual de Responsabilidade Limitada

Por: Ana Lucia Silvestre, advogada do escritório LEXNET Campinas, Lemos e Associados Advocacia.

A possibilidade de criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) surgiu com a aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 18 de 2011, de autoria do Deputado Federal Marcos Montes, o qual aprovado, deu origem a Lei 12.441/2011 que “Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada, publicada no Diário Oficial da União em 12 de julho de 2011, com o início de sua vigência a partir de 9 de janeiro de 2012.
Em consonância com regras similares adotadas em muitos outros países, como França, Espanha, Portugal, Itália, Alemanha e Reino Unido, o principal objetivo da Lei foi permitir que seu titular explorasse uma atividade econômica sem colocar em risco seus bens pessoais e nem requerer a existência de um segundo sócio.
Ou seja, com a mesma característica de separação de responsabilidade entre pessoa jurídica e seu formador, a Eireli tem apenas um titular, sem que seja necessário alocar porcentual ínfimo de cotas a um sócio apenas para cumprir requisito formal da lei.
No Brasil, diferentemente dos países citados, antes da lei nº 12.441/2011, não era possível a formação de uma sociedade apenas com um sócio, com exceção, do artigo 1.033 do Código Civil que permite, dentro do prazo de 180 (cento e oitenta dias), a permanência de apenas com um sócio, para que seja reconstituída a pluralidade de sócios.
Ocorre que, no Brasil, a grande parte das sociedades por cotas de responsabilidade limitada, designadas sociedades limitadas pelo novo Código Civil, foram constituídas apenas para que se pudesse limitar a responsabilidade do empresário ao valor do capital da empresa, o que não ocorre na figura do empresário individual, que possui responsabilidade ilimitada, podendo seu patrimônio pessoal ser atingido.
Assim, a rigor, o que existe, nesses casos é uma “sociedade faz de conta”, tendo como principal fonte de formação das sociedades “faz de conta” os investimentos estrangeiros, em que uma pessoa jurídica estrangeira constitui uma sociedade no Brasil com 99% (noventa e nove por cento) das cotas, e um sócio apenas com 1% (um por cento) das cotas, sendo este sócio uma espécie de “laranja”, ou seja, tem seu nome usado no contrato social, apenas para o cumprimento da obrigação.
A Lei 12.441 de 11 de julho de 2011 possui como principal objetivo a extinção destes casos, possibilitando assim a constituição de uma empresa individual de responsabilidade limitada, por apenas uma pessoa.
No entanto, com a limitação imposta pela Instrução Normativa nº 117 do DREI (Departamento de Registro Empresarial e Integração), de que a pessoa jurídica não pode ser titular de Eireli, o principal objetivo da criação da lei é atingido diretamente, impossibilitando assim atingir a sua principal finalidade.
Ocorre que, cabe ao DREI, apenas estabelecer as normas de registro e não alterar o que está estipulado em lei, decorrendo do princípio constitucional da legalidade, não cabendo ao DREI normatizar matéria inserindo proibição não prevista em lei.
Assim, o DREI, salvo melhor juízo, não deveria extrapolar suas competências ao estipular que não pode ser titular de Eireli a pessoa jurídica, pois compete exclusivamente ao Poder Legislativo vedar ou deixar de vedar a titularidade de uma pessoa em qualquer tipo de empresa, o que o poder legislativo não fez ao publicar a Lei 12.441/2001.
Devido ao motivo acima mencionado, a Instrução Normativa nº 117 do DREI vem sendo questionada perante o poder judiciário, que vem se mostrando inclinado a permitir a pessoa jurídica a constituir Eireli.
Já houve decisão favorável à titularidade de Eireli por pessoa jurídica no Estado do Rio de Janeiro e ao analisar recentemente a questão, o juiz federal Wilson Zauhy Filho, da 13ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, no processo nº 0011383-32.2013.403.6100, entendeu que esta proibição não está de acordo com o que prevê a Lei nº 12.441, que instituiu a Eireli. Segundo o juiz uma simples leitura do artigo 980-A do Código Civil, incluído pela nova lei, demonstraria que não há distinção de pessoas naturais e jurídicas como as titulares de uma empresa individual de responsabilidade limitada.
Deste modo, conclui-se que, por se tratar de uma Instrução Normativa, a mesma deve somente regulamentar e uniformizar os procedimentos relativos ao registro da Eireli às juntas comerciais e cartórios, mas não normatizar mais do que a lei prevê, pois os limites semânticos desta merecem ser observados.
Observa-se que por não haver vedação ou empecilho expresso no ordenamento jurídico brasileiro, não é possível cogitar a rejeição do arquivamento do ato constitutivo de Eireli firmado por pessoa jurídica.
É regra primária de hermenêutica que no âmbito do direito privado as normas são interpretadas de modo extensivo. Logo, se a própria lei não limita a interpretação de “pessoa” apenas às pessoas naturais, decorre de logica hermenêutica a ilação de que o conceito de pessoa ali inserto abrange todos os sujeitos de direitos, inclusive, portanto, às pessoas jurídicas.
Assim, conforme já julgado, a pessoa jurídica deve ser aceita como titular da Eireli, tornando-se a criação da lei eficaz e cumprindo seu principal objetivo que é o de acabar com a criação das “sociedades faz de conta”.