Cabecalho  
 
41ª EDIÇÃO - 16 de Dezembro de 2011
 
  INSTITUCIONAL  
 

DISCUSSÃO DE PONTA

 

O CONTRATO PREVIDENCIÁRIO E O EQUILIBRIO ATUARIAL
Por Juliana Camargo de Araujo Lima, LEXNET Especialista em
Direito da Previdência Complementar.

Assim, regulamentada pelas Leis Complementares 108 e 109 de 2001, consoante disposto no artigo 202 da Constituição Federal, a Previdência Complementar tem por objetivo exato o que o nome significa: complementar a Previdência Social. Esta idéia se extrai diretamente o dispositivo constitucional:


“Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.”


Necessário esclarecer que as entidades de previdência complementar dividem-se em abertas e fechadas, sendo aquelas geralmente constituídas por instituições financeiras, propiciando benefícios mais assemelhados a investimentos do que previdência propriamente dita e disponibilizados no mercado de forma geral, diferentemente das fechadas, que subdividem-se em instituídas e patrocinadas, destinando-se a um grupo restrito de pessoas que se enquadrem em uma certa relação jurídica (laboral ou associativa), sempre sem finalidade lucrativa.


Vale ressaltar que, em termos financeiros, a adesão a um plano previdenciário administrado por uma entidade fechada é mais vantajosa quando comparada aos planos administrados pelas entidades abertas, pois, diante da ausência da finalidade lucrativa, nas entidades fechadas as reservas acumuladas são destinadas integralmente à composição da reserva matemática que viabilizará o pagamento do benefício futuro, sem maiores encargos ao participante, exceto a taxa de administração e eventuais contribuições extraordinárias que venham a ser estabelecidas, caso se verifique a necessidade de equacionamento de déficit técnico atuarial, constatado por estudos atuariais e respaldados na legislação pertinente (art. 21, LC 109/2001).


Isso porque as entidades de previdência complementar, por obrigação legal e estatutária, devem zelar pelo equilíbrio atuarial dos planos que administram, inclusive com a possibilidade de responsabilização de seus dirigentes pelos resultados deficitários.


Desse modo, e também como estabelece o artigo 195, § 5º, da CF/88, não menos aplicável ao regime de previdência privada, eis que inserto no capítulo da Constituição Federal que trata da Seguridade Social, sistema que também abriga o regime geral de previdência, para que haja o benefício, necessário que haja seu prévio e integral custeio.


Nesse sentido, considerando ainda que forma de custeio da previdência privada é muito mais restrita que a da previdência social, uma vez que constituída exclusivamente pelos aportes de recursos de seus participantes e das empresas patrocinadoras (no caso das entidades patrocinadas), a estrita observância da medida do benefício contratado, como dispõe o caput do artigo 202, da CF/88 é de suma importância.


Frise-se ainda que a adesão ao plano de previdência complementar é facultativa, de modo que ao firmar a adesão, concretiza-se o ato jurídico perfeito celebrado entre o participante, a entidade e a patrocinadora, entendendo-se por benefício contratado aquele previsto no Regulamento do plano ao qual o participante aderiu, elaborado de acordo com o estatuto da entidade e com a legislação pertinente, pautado em estudos atuariais, de modo a assegurar a existência de recursos para o pagamento dos benefícios, considerando a massa de associados como um todo (participantes, assistidos e beneficiários).


Não é por outra razão que a desobediência a qualquer das normas estipuladas no regulamento gera impacto sobre o equilíbrio atuarial do plano, colocando em risco o benefício de seus participantes de um modo geral. Este entendimento cada vez mais é percebido pelo Judiciário, como bem destacado em decisão proferida pela MM. Juíza Renata Líbia Martinelli Silva Souza, que, em ação na qual o autor insurgia-se contra os critérios de conversão de tempo de serviço utilizados pela entidade, bem repudiou sua pretensão, em respeito ao ato jurídico perfeito e à necessidade de preservação do equilíbrio atuarial do plano, verbis:

Também se verifica que o autor optou e tinha ciência dos cálculos e planos observados pela reclamada para concessão do benefício (doc.s 15 e 16).

Ressalte-se, ainda, que não foi alegado nem comprovado qualquer vício de consentimento do autor quando da adesão aos planos, não havendo que se falar em nulidade dos mesmos.

Nem se diga que houve alteração ilícita do convencionado durante o contrato de trabalho, porquanto restou clara a concordância do autor com os termos por ocasião da concessão do benefício.

Ato jurídico perfeito é aquele ato lícito que tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. Em suma, é aquele ato apto a produzir seus efeitos.

Ocorreu no caso o ato jurídico perfeito, que impede a revisão do benefício após convenção feita pelas partes sobre a forma que este seria instituído.” (Processo nº 0001130-14.2011.5.02.0081)


Elucidando o caso retratado no julgado parcialmente transcrito acima, esclarece-se que a entidade da qual o autor era participante, antes da vigência da Lei 8.213/91 e do respectivo Decreto Regulamentar nº 611/92 (artigo 64), adotava, para a conversão de tempo de serviço especial em comum, o mesmo fator até então utilizado pelo INSS (1,2). Após a edição das referidas normas, o INSS passou a utilizar o fator 1,4 para efetuar tal conversão.


Diante do impacto que referida alteração na legislação causaria no Plano, após estudos atuariais e amplo processo de negociação do qual participaram representantes das patrocinadoras do Plano e de seus participantes, e, considerando ainda a autonomia do regime de previdência privada em relação ao regime geral, tomou-se a decisão de manter o critério anteriormente utilizado, pois do contrário, o impacto gerado pela antecipação das aposentadorias dos participantes da entidade em função do aumento do fator de conversão do tempo especial em comum instalaria um verdadeiro caos nos fundamentos econômico-financeiros do plano, colocando em risco o pagamento dos benefícios de todos os participantes.


Verifica-se, portanto, que o respeito ao ato jurídico perfeito concretizado pela adesão do participante ao plano previdenciário é extremamente relevante para o resguardo do benefício contratado, garantindo-se assim sua manutenção, pelo que o Poder Judiciário, a exemplo do julgado acima transcrito e de tantos outros, tem se posicionado no sentido de repelir pretensões avessas ao regulamento do plano, em prol de seu equilíbrio atuarial e garantia do cumprimento do escopo maior da previdência complementar, assegurando-se o pagamento de benefícios.


Cabe, então, a todos nós, não só aplaudir decisões equilibradas do Poder Judiciário, como, participando dos movimentos de educação financeira e previdenciária empreendidos no País, trazer estes corretos fundamentos para toda a sociedade que, deste modo, poderá conhecer melhor e bem usufruir desta poderosa ferramenta de desenvolvimento social e dignidade pessoal que é a previdência complementar.



 
 
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