Receita Federal libera ferramenta oficial de cálculo da Reforma Tributária sobre o Consumo
25/jul/2025
Por Luiz Fernando Rodriguez Júnior Advogado, Economista, ex-Secretário de Estado do Turismo e sócio de Carrion Advogados.
A disponibilização – pela Receita Federal – de uma ferramenta digital – e oficial – para simulação do impacto da Reforma Tributária sobre o Consumo representa um marco relevante no processo de transposição normativa para a realidade empresarial brasileira. Essa inovação, porém, demanda análise crítica em razão de suas premissas técnicas, limitações operacionais e impactos jurídicos práticos.
Um ponto importante que destacamos – desde já – se refere ao disclaimer expressamente consignado na publicação da RFB, a saber:
“A solução é tecnicamente classificada como modelo público de TAAS – Tax as a Service, em que o cálculo é entregue como serviço funcional com conteúdo normativo embarcado. Ela promove conformidade contínua, interoperabilidade e autonomia técnica, funcionando diretamente nos sistemas dos contribuintes, sem necessidade de conexão com servidores da Receita Federal.” (sublinhado é nosso).
Mas o que isso traz de significância intrínseca para interessar a todos os contribuintes do IBS + CBS, considerando que a expressão menciona o conceito de “Tax as a Service” (TAAS), que se refere a um modelo de entrega de serviços tributários baseado em tecnologia, senão vejamos:
- Modelo Público de TAAS: A classificação como modelo público implica que esse serviço não é restrito a empresas privadas, mas pode ser acessado pela população em geral, promovendo uma maior transparência e democratização do acesso às informações tributárias.
- Cálculo entregue como serviço funcional: Isso sugere que o processo de cálculo dos tributos é realizado como um serviço, com as ferramentas e sistemas necessários para os contribuintes efetivarem os cálculos de forma eficiente.
- Conteúdo normativo embarcado: Significa que o sistema não apenas realiza cálculos, mas também incorpora as normas e legislações tributárias vigentes. Isso garante que os cálculos sejam realizados em conformidade com a legislação, reduzindo o risco de erros por parte dos contribuintes.
- Conformidade contínua: A conformidade contínua refere-se à capacidade de o sistema manter os contribuintes em conformidade com as obrigações tributárias de forma sistemática e automática, evitando problemas futuros com a Receita Federal.
- Interoperabilidade: Este termo indica que o sistema deve ser capaz de se comunicar e funcionar em conjunto com outras plataformas e sistemas, tanto dos contribuintes quanto da Receita Federal. Isso é crucial para a integração de dados e a eficiência dos processos.
- Autonomia técnica: Os contribuintes têm a capacidade de operar e gerenciar seu cálculo tributário sem depender exclusivamente da assistência externa ou de servidores da Receita Federal, o que proporciona maior controle e flexibilidade.
- Funcionando diretamente nos sistemas dos contribuintes: Isso sugere que o software ou a ferramenta necessária para realizar esses cálculos pode ser implementada diretamente nos sistemas dos próprios contribuintes, facilitando o acesso e a usabilidade, além de aumentar a segurança dos dados.
- Sem necessidade de conexão com servidores da Receita Federal: A afirmação final enfatiza que o sistema pode operar de forma autônoma, sem a necessidade de constante comunicação com a Receita Federal, o que pode resultar em uma maior eficiência operacional e menor burocracia. Além de trazer como resultado que os ajustes internos não serão de domínio público até que estejam finalizados, permitindo considerar consultas preliminares às respectivas assessorias contábeis e jurídico-tributárias!
Veja-se, ademais, que na conclusão da apresentação, realizada em 18 de julho de 2025, da versão Beta da Calculadora de Tributos, ferramenta essa “criada para apoiar a implantação da Reforma Tributária sobre o Consumo, promovendo o cálculo padronizado da CBS, IBS e Imposto Seletivo”, são utilizadas as seguintes premissas pelo órgão de administração tributária da União, a saber:
- “A ferramenta está pronta para ser testada, utilizada e integrada por toda a sociedade, em um ambiente de código aberto, governança pública e cooperação federativa.”
- “Confiança se constrói com transparência, código aberto e testes públicos.”
- “A Calculadora está disponível”. Assim, atenção que “O novo modelo de conformidade tributária já começou.”
Feitas estas ponderações iniciais, é momento de nos arriscarmos em introduzir pontos ainda não tratados de forma pública e abrangente, seja pela mídia, seja pela doutrina, seja por quem vive o dia a dia do planejamento tributário e o compliance das operações fiscais das empresas e instituições.
Entretanto, sempre é ocasião, mais ainda quando já iniciamos o último semestre do ano que precede a implantação da apuração – mesmo que parcial e evolutiva – pelo novo regime tributário pós EC nº 132/23.
Ao pensarmos todos os pontos que deverão ser impactados pelo novo regime tributário, tanto na órbita privada como na esfera pública, é possível identificar as seguintes situações a serem solvidas no que tange ao desenvolvimento e à incorporação de novas tecnologias e abordagens que podem revolucionar o gerenciamento e a fiscalização tributária, a saber:
- Plataformas de Machine Learning Fiscal: Sistemas que utilizam algoritmos de aprendizado de máquina para analisar grandes volumes de dados fiscais, objetivando:
- Identificar padrões e anomalias que possam indicar inconsistências fiscais;
- Automatizar a análise de riscos e o monitoramento da conformidade fiscal em tempo real;
- Prever comportamentos e tendências que auxiliem na elaboração de políticas e estratégias tanto do compliance quanto da fiscalização – interna e externa.
- Sistemas de Blockchain Tributário: Soluções que aplicam a tecnologia blockchain para registrar transações de forma transparente e segura, objetivando:
- Garantir a integridade e a rastreabilidade de operações fiscais;
- Facilitar o controle e a verificação dos registros fiscais, reduzindo a possibilidade de críticas a inconsistência de dados fiscais;
- Promover a transparência e a confiança tanto dos contribuintes em relação aos seus controles internos, quanto das autoridades fiscais em relação aos dados e informações disponibilizados.
- Inteligência Artificial para Análise de Dados: O uso de tecnologias de IA para conectar e processar informações provenientes de diversas fontes, objetivando:
- Analisar dados de maneira integrada para identificar discrepâncias e riscos fiscais;
- Melhorar a tomada de decisão na auditoria e no monitoramento da conformidade tributária;
- Otimizar processos de cruzamento de informações e a resposta a investigações fiscais.
- Ambiente Sandbox Regulatório: Espaço controlado onde novas tecnologias e soluções podem ser testadas sob supervisão regulatória sem comprometer o sistema real, objetivando:
- Permitir que desenvolvedores e reguladores experimentem inovações com menor risco, ajustando-as conforme necessário;
- Facilitar a interação entre o setor público e privado na criação de soluções que atendam as demandas tributárias e às exigências de conformidade;
- Agilizar a implementação de novas ferramentas e processos, garantindo que são seguras e eficazes antes de uma adoção mais ampla e que não comprometa as empresas e suas legítimas operações, mais ainda quando tratarmos de relacionamento entre no Brasil com o exterior.
Por evidente que diversos desses pontos não se esgotarão em 31.12.2025 e terão sequência nos próximos exercícios, mas a pergunta que não quer calar é? “Você – mesmo que ainda não esteja preparado para encaminhar soluções a essas demandas, minimamente tem conhecimento sobre esses e tantos outros impactos?”
Assim, neste texto inicial, vamos tratar de forma mais detalhada o significado da disponibilização desta Calculadora Tributária em tempos de IBS + CBS + Imposto Seletivo, mas é interessante alertar que deverão haver movimentações nas empresas em relação a uma mudança efetiva na estruturação e diferenciação dos respectivos “setores fiscais”, vez que – ao sentir do anúncio da RFB, teremos verdadeira “revolução no compliance tributário”, reconfigurando-se a relação – em tempo real – entre o Estado e os contribuintes, passando para uma “abordagem colaborativa e tecnologicamente integrada.”
Limitações Sistêmicas e Premissas Intrínsecas
A ferramenta, como toda versão Beta, e considerando que ainda não está operacional e definida a composição do Comitê Gestor do IBS, parte de premissas generalistas, embutidas em algoritmos que nem sempre reproduzem as singularidades do perfil de cada empresa. Isso ocorre porque o simulador parte de dados padronizados (tabelas nacionais por CNAE, pressupostos de margens, cadeias típicas de fornecimento, estruturas logísticas e fiscais), tendendo a não identificar variações importantes entre empresas de igual ramo, mas com perfis econômicos/operacionais distintos.
Assim, a utilização isolada do simulador pode levar a interpretações díspares e ao risco de decisões baseadas em informações não aderentes à realidade concreta do negócio.
Necessidade de Integração: área financeira, contábil e consultoria tributária, com o que se recomenda que:
- A área financeira utilize a ferramenta como ponto de partida para aproximação do impacto fiscal potencial;
- A área contábil analise criticamente as premissas, parametrizando os dados reais do negócio (por exemplo: margens, estruturas de crédito, especificidades regionais e fiscais);
- Se surgir divergência relevante entre a simulação e a realidade ou dúvidas sobre as premissas, acionar sua consultoria tributária especializada. É neste momento que se pode rever a validade (ou não) das premissas, buscar alternativas interpretativas e, se possível, modular a incidência tributária – legítima e documentalmente lastreada – de modo a reduzir o quantum a pagar, impactando positivamente, e ao limite da conformidade, o resultado financeiro e operacional da empresa.
Exemplos Práticos
- Construtora: Uma construtora de médio porte, que atua tanto em obras públicas quanto privadas, percebe que o simulador imputa uma alíquota média descolada da realidade dos seus contratos, pois não diferencia regimes especiais, desonerações específicas e complexidade da rede de insumos efetivamente utilizados. Se a empresa se limitar ao resultado do simulador, pode errar na precificação de novos contratos, comprometendo margem de lucro e competitividade.
- Indústria de transformação: No caso de uma indústria que opera com cadeia longa de crédito e insumos adquiridos em várias Unidades da Federação, o simulador pode não captar integralmente os créditos acumulados nem as regras de aproveitamento específicas para determinados insumos ou operações interestaduais. Isso pode gerar superestimação da carga tributária na simulação.
- Loja de varejo: Uma rede de lojas de eletrodomésticos, que vende tanto em loja física quanto on-line, nota divergência pois o sistema não capta promoções sazonais, política própria de descontos, ou regime de operações vigente em parte do portfólio. O simulador pode sugerir incidência sem considerar essas nuances, levando o gestor a decisões equivocadas de estoque, margem e preço. Ponto determinante a considerar é a incidência efetiva das premissas da reforma tributária: não-cumulatividade plena e o crédito amplo do imposto nas etapas anteriores da cadeia produtiva, pois isso deverá diminuir a necessidade do uso do mecanismo de ST.
- Empresa de prestação de serviços de entrega de mercadorias (motoboy): Para uma empresa de motoboy que faz entregas tanto “last mile” quanto rotas corporativas, o simulador pode trabalhar com alíquotas e margens médias. Não diferenciar, por exemplo, operações vinculadas a e-commerce, logística reversa ou contratos de exclusividade, que podem carregar premissas fiscais diferenciadas (inclusive regimes especiais locais de ISS durante a transição, ou novas hipóteses e formas de apuração de crédito no IBS/CBS). Uma avaliação técnica e jurídica pode permitir argumentação para tratamentos tributários diferenciados – e, ao limite da conformidade fiscal, até redução efetiva da carga.
- Bares e restaurantes: No ramo de alimentação, a ferramenta aplicada a um bar ou restaurante pode vir a não diferenciar receitas presenciais, delivery ou eventos, desconsiderando a inter-relação com regimes fiscais federais (ex.: Simples Nacional) ou regras específicas de créditos de insumos alimentícios. Uma apuração somente pelo simulador, sem a devida valoração do anterior planejamento tributário feito pela empresa, pode gerar cobranças acima do devido, especialmente em casas que fazem uso relevante de produtos regionais ou de cadeia curta.
- Conclusão e Recomendações
A ferramenta oficial da Receita Federal é um avanço, mas deve ser utilizada com discernimento crítico e sempre acompanhada do suporte técnico das áreas financeira e contábil. A análise prévia de consultoria tributária é especialmente importante quando o resultado simulado vier a destoar significativamente da prática operacional, ou quando há espaço para discussão jurídica fundamentada quanto à aplicação (ou interpretação) das novas regras.
Como provocação final, vamos trazer um ponto que vem sendo pouco tratado em relação aos desafios para empresas que ainda não apresentem um controle interno e ferramentas de compliance eficientes e economicamente eficazes: o “SPLITPAYMENT”.
Este mecanismo, mesmo que venham a ser sanadas múltiplas possibilidades de reflexos operacionais e de integração com sistemas de pagamento e contabilidade, o que pode ser complexo e custoso, especialmente para empresas com infraestrutura de TI legada, deverá exigir que as Empresas adaptem seus processos de vendas, faturamento e gestão de recebíveis para acomodar essa divisão real time dos pagamentos tributários. Nem se refira as soluções a serem identificadas sobre “taxas de transação” ou sobre a “conciliação bancária de pagamentos divididos”.
Nosso ponto maior de alerta é sobre a comparação de reflexos no “fluxo de caixa” das Empresas, a depender de como os valores são distribuídos e quando são disponibilizados, podendo vir a significar a necessidade de que as Empresas tenham que “ajustar seu capital de giro” para acomodar os prazos de recolhimento (on line ou não) dos valores divididos. Até mesmo a “gestão de recebíveis” poderá se tornar mais complexa, pois com a incidência das novas regras será preciso monitorar e conciliar múltiplos pagamentos e distribuições. As soluções a serem adotadas pelo novel “Comitê Gestor” do IBS em conjunto com a RFB (para a CBS) terá reflexos importantes em múltiplas operacionalizações e controles por parte das Empresas.
Os exemplos acima demonstram que a robustez da segurança jurídica se alcança com integração setorial, domínio dos dados reais do negócio e permanente busca de alternativas legais para otimização da carga tributária efetiva por setor e empresa. Tal conduta poderá evitar a formação de passivos, vir a assegurar mensuração correta dos impactos e induz a uma real possibilidade a ser perseguida ao extremo: “QUE A REFORMA TRIBUTÁRIA NÃO VENHA A SER MAIS UM RISCO FISCAL EMPRESARIAL, MAS UMA OPORTUNIDADE EFETIVA DE GANHO OPERACIONAL ESTRUTURADO !”
Vamos terminar com um disclaimer válido e que tenho repetido de forma peremptória: Este artigo tem finalidade informativa – em momento no qual ainda em consolidação múltiplos ajuste fiscais e tributários, bem como em tramitação o PLP nº 108/24. Assim, não substitui o parecer personalizado emitido pelo profissional habilitado em contabilidade e direito, apto a avaliar situações empresariais e negociais que lhe sejam dadas a conhecer de forma expressa e específica.