O artigo abaixo é um resumo feito pelo Prof. Dr. Gustavo Zimmermann, consultor da LEXNET, do texto redigido no Livro “O futuro do Direito” por Kalleo Coura, editor do Jota, em 01/07/2017.
Análise Econômica do Direito Chega ao País
Este artigo ilustra, através de exemplos o uso crescente da análise econômica do Direito no Brasil, mudanças internas na estrutura da atuação jurídica destacando a penetração, cada vez mais frequente, de outras ciências na área jurídica.
Na operação Lava Jato, ao julgar pedido do ex-presidente Lula para afastar o desembargador relator do processo do tríplex, pelo fato do desembargador ter relação estreita e intima com o juiz Sérgio Moro, a desembargadora Cláudia Cristina Cristofani ao considerar descabido o pleito, por não ter ficado provada a aproximação alegada, foi além da dogmática jurídica tradicional e usual e teorizou sobre incentivos e custos de se propor uma ação como esta. Ou seja, lançou mão de conceitos econômicos aplicados ao Direito para fortalecer sua decisão.
A magistrada ponderou ainda que “ao tender aplicar a legislação consolidada, dando guarida a “contratos legais” pretéritos, o Poder Judiciário fomenta a durabilidade dos arranjos legislativos, desincentivando acertos e guinadas e dificultando que a constituição seja continuamente reinterpretada conforme a preferência dos legisladores correntes, ou dos grupos de interesses atuais”. Este tipo de argumentação usada pela magistrada está se tornando cada vez mais presente na academia, embora de forma ainda incipiente e ilustra a necessidade de “arquitetos jurídicos” e do domínio de áreas de conhecimentos complementares ao Direito.
Nos EUA a análise econômica do direito despontou com força na década de 60 e passou a ser objeto de estudo nas melhores faculdades de direito, no Brasil apenas na última década ela começou a ser difundida e discutida e existem apenas dois centros de pós-graduação exclusivamente dedicados a economia aplicada ao direito, um deles criado em 2017 no Instituto de Economia da Unicamp.
A dianteira americana nesse tema se deve ao intenso debate jurídico no início do século XX, nos Estados Unidos e nos países escandinavos. Como resultado, surgiu uma nova corrente chamada de realismo jurídico que pregava, de forma geral, que os operadores do direito deveriam deixar de ser burocratas fiéis aplicadores da norma para extrair sentido do que de fato estava acontecendo na realidade dos tribunais. Nós perdemos esse salto histórico porque sempre tivemos uma escola formalista e dogmática, completamente distinta da abordagem proposta pelos realistas.
Para Luciano Timm (presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia) nosso pensamento é pouco pragmático e muito mais a favor do lado mais fraco. Além disso, a dogmática jurídica resiste a pensamentos atuais mais novos. Apesar disso, várias universidades já têm linhas de pesquisa nessa área e no próprio Judiciário já temos decisões importantes com esse viés. Esse é um tema que precisa ser digerido e explorado, principalmente através da jurimetria (que é a estatística aplicada ao direito e tem sido utilizada em conjunto com softwares jurídicos para prever resultados). Este tipo de aplicação exigirá certo esforço uma vez que nossos operadores do direito, majoritária e tradicionalmente, olham para a realidade através da sociologia.
O juiz federal Erik Navarro, doutorando em Harvard sobre Law & Economics tem por objetivo aplicar a Análise Econômica do Direito no Processo Civil brasileiro. “Para ele, “o direito no Brasil não deu certo” e a solução talvez seja a junção do Direito a matérias mais consequencialistas, como a Economia”.
Exemplos da análise econômica aplicada ao Direito no Brasil
1) No Tribunal Administrativo de Defesa Econômica do CADE se aplica a análise econômica do Direito em 100% dos casos. A Economia está imbricada no Direito da Concorrência e seus instrumentos são utilizados para interpretar o Direito Administrativo, sancionador do Direito Concorrencial.
2) O CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, atualmente com 118.000 processos totalizando 667 bilhões de reais, investirá em inteligência artificial para julgar maior quantidade de processos que discutam a mesma temática em uma única sessão.
3) No STJ, em julgamento de abril de 2015, o Banco do Estado do Rio Grande do Sul buscava anular a sentença que concedia revisão de prestações do saldo devedor e repetição de indébito num contrato de financiamento habitacional.
A sentença deixou claro buscar o menor prejuízo à coletividade, ou mais eficiência social, mantendo o funcionamento do mercado de credito nas bases comumente pactuadas. Alterar as bases certamente aumentaria o custo do credito para os novos contratos devido aos riscos de mudanças nas bases pactuadas e nas taxas de retorno do investimento realizado pelo financiador. A coletividade deixou de ser encarada apenas como a parte fraca do contrato e passou a ser vista como a totalidade das pessoas que efetiva ou potencialmente integram mercado de crédito.
4) Em 2014, no TJ-SC, num mandado de segurança contra uma decisão que negava o acesso gratuito à Justiça, o juiz se valeu da análise econômica do Direito para julgar o caso, questionando se, num país de extrema exclusão social, em que os recursos e meios para garantia do acesso à Justiça são escassos, dever-se-ia aceitar toda e qualquer demanda posta em juízo com pedido de gratuidade.
Ao negar a solicitação, o magistrado argumentou que a mera declaração de pobreza não pode mais ser aceita pelo Poder Judiciário. A situação de pobreza deve ser provada com documentos que demonstrem, de fato, a ausência de condições materiais, até para não gerar mais custos de gestão (pedido de informações, cartório, remessa de documentos, parecer do Ministério Público, etc.). Ao fim do voto, um recado: “é preciso otimizar o Poder Judiciário.”
5) O PL 5.850/2016 é exemplo da aplicação da jurimetria ao Direito. Ele foi estruturado a partir de uma análise dos tempos das fases do processo de adoção de crianças no Brasil uma vez que a demora dos procedimentos processuais, com muita frequência, provocava a perda da janela de oportunidade para adoção das crianças devido ao envelhecimento delas. Simplificar e agilizar os procedimentos é o objetivo do Projeto de Lei proposto em beneficio tanto das crianças quanto dos casais candidatos à adoção.
Quando não há avaliação econômica de uma moderna demanda a decisão pode ter impactos nefastos no futuro como pode-se vislumbrar pelo exemplo abaixo:
6) Em 25/05/2017, a 6ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP determinou a um plano de saúde que fornecesse a uma mulher um tratamento não previsto no contrato entre as partes. Para tanto tomou como base os direitos fundamentais à vida e à saúde, consagrados na Constituição Federal e porque, não criaria precedentes, nem oneraria demasiadamente a operadora, pois afinal, não seriam tantos os beneficiários que necessitariam de tratamentos diferenciados.
No caso, 6ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP considerou que casos individuais não se refletirão em prejuízo para outros consumidores. Mas é engano, se reflete sim porque é um novo custo para o Plano de Saúde sentenciado. No ano seguinte esse custo entrará no aumento das mensalidades deste Plano, quer porque aumentou a sinistralidade (risco de novas ações com o mesmo desiderato e sentença) ou porque será incorporado como tratamento novo a ser oferecido para todos os associados, visando eliminar ou diminuir o risco e respectivos custos de nova ação e sentença similar.
A cobrança a mais daí derivada contribuirá para expulsar do plano a parcela de mais baixa renda de seu quadro de associados e possivelmente desestimular parte de novas adesões. A queda de associados e a frustação de parte da nova demanda certamente trará um aumento mais que proporcional do que o simples custo imposto pela sentença. Muito provavelmente outros planos cientes do novo risco também tomarão medidas para se protegerem
Desconsiderar as consequências econômicas das sentenças nem sempre melhor atende ao interesse da sociedade. No caso quase certamente a prejudica mais do que a beneficia.