Por: Lais Amaral Rezende de Andrade; Amaral de Andrade Advogados; LEXNET Especialista em Família e Sucessões.
Objeto: alteração do § 6º do Art. 226 da Constituição Brasileira.
Atualmente, o § 6º do Art. 226 da Constituição Brasileira estabelece:
“O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovado a separação de fato por mais de dois anos.”
A Proposta de Emenda à Constituição Federal nº 33, propõe a seguinte alteração:
Art. 226…………………………………………………………………………………
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da Lei. (g.n.)
Importante lembrar que a Lei Ordinária, através do Código Civil Brasileiro, prevê a possibilidade de discussão da culpa pela dissolução da sociedade conjugal, apenas no caso da propositura da Ação de Separação Judicial (art. 1.572 do CC.).
O art. 1573 do Código Civil, além disso, enumera os casos que caracterizam a impossibilidade de comunhão de vidas, casos esses de tal gravidade, que vão além do próprio descumprimento dos deveres dos cônjuges, previstos no art. 1566 do mesmo Diploma Legal.
Por outro lado, quanto ao Divórcio, a Lei Ordinária não prevê a possibilidade de sua propositura com fundamento no descumprimento dos deveres do casamento, ou mesmo pelos gravíssimos motivos enumerados no art. 1573 do Código Civil, cuja alegação pelas partes e avaliação pelo Poder Judiciário são permitidos na Ação de Separação Judicial.
De fato, o Código Civil Brasileiro só prevê a possibilidade do Divórcio pelo decurso do prazo da separação judicial ou da separação de fato (art.1580), não se referindo, em nenhum momento, na possibilidade de discussão da culpa no Divórcio Litigioso.
Assim, s.m.j., a alteração do § 6º do art. 226 da Constituição Brasileira, ao dizer que o casamento pode ser dissolvido pelo Divórcio, na forma da lei, pode significar a exclusão da possibilidade da discussão da culpa pela dissolução da sociedade conjugal no Divórcio Litigioso, conforme abaixo se verá.
Isto é muito grave, pois no nosso entender, não existe oposição da sociedade ao desaparecimento da Separação Judicial Consensual ou Litigiosa, com a possibilidade de propositura direta do Divórcio Consensual ou Litigioso.
Entretanto, a sociedade não espera que isto a impossibilite de discutir a culpa pela dissolução da sociedade conjugal, sob pena de não ter mais qualquer sentido a enumeração dos deveres dos cônjuges, ou mesmo, ficarem as partes totalmente sem meios de se socorrerem do judiciário nos casos enumerados no art. 1573 do Código Civil.
Importante ressaltar que esta preocupação advém da própria justificativa da Proposta de Emenda Constitucional nº 33, que reporta-se a uma antiga reivindicação da Sociedade Brasileira, esperando a aprovação de uma Emenda que desapareça com a figura da Separação Judicial, o que é verdade.
Entretanto, existe parte da justificativa com a qual não concordamos, de forma absoluta, pois assim se manifesta:
“…evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias sejam revelados e trazidos ao espaço público dos tribunais, como todo o caudal de constrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação.”
Ora, este raciocínio é muito cômodo para o cônjuge culpado pela dissolução da sociedade conjugal.
Aquele que seviciou, traiu, injuriou, praticou conduta desonrosa em detrimento de seu cônjuge, estará protegido pelo raciocínio equivocado de que a discussão de tais atitudes não pode ser levada aos Tribunais por significar o “agravamento da crise e dificuldade para o entendimento necessário”.
E, se o descumprimento dos deveres conjugais não puder ser discutido no divórcio litigioso, ONDE PODERÁ SER DISCUTIDO E APRECIADO?
Se a injuria grave, o adultério, a sevícia, a tentativa de morte, a conduta desonrosa, etc. de um cônjuge contra o outro, não puderem ser avaliados pelo poder Judiciário, na própria Ação de Divórcio, perante o Juízo de Família, qual será o Juízo competente para tanto?
Diriam os teóricos do Direito de Família que tais questões podem ser discutidas no Juízo Cível para fins de indenização, etc., etc.
Entretanto a contradição com a justificativa do Projeto de Emenda Constitucional seria gritante, pois o fato de excluir da Ação de Divórcio Litigioso a possibilidade da discussão da culpa pela dissolução da sociedade conjugal, não estaria evitando a existência de tal discussão, mas apenas transferindo para o Juízo Cível (o que é um absurdo, com todo o respeito), a discussão da intimidade e da vida privada dos cônjuges, com o “caudal de constrangimentos” referidos na Justificação do projeto.
Não se está afirmando, por outro lado, que o Divórcio só possa ocorrer consensualmente ou através da discussão da culpa, no litigioso.
Existem os casos em que não há consenso quanto ao Divórcio, mas também não se pretende atribuir ou discutir culpa.
Nestes casos, o judiciário seria acionado apenas para suprimento da vontade daquele que não quer se divorciar, e resolver as questões relativas à guarda de filhos, alimentos e partilha, sem necessidade de se ingressar na discussão das causas que provocaram o rompimento conjugal.
Excluir, porém, a possibilidade da discussão da culpa pela dissolução da sociedade conjugal é um atentado contra o Direito da(o) cidadã(o) de se socorrer do Poder Judiciário, no Juízo Especializado e Competente, para avaliação dos inúmeros traumas que atitudes violentas e maldosas de um cônjuge podem trazer ao outro.
Há, assim, interesse jurídico e moral na verificação da causa culposa, que é a grave violação a dever conjugal.
É fato conhecido que o divórcio direto e o desaparecimento da Separação Judicial trata-se de antiga reivindicação social, não havendo, no nosso entender, como paralisar a tramitação e aprovação de uma proposta neste sentido.
A forma de harmonizar a vontade social com a possibilidade da(o) cidadã(o) valer-se do Divórcio Litigioso para aferição da culpa pela dissolução da sociedade conjugal, seria dar ao § 6º do art. 226 da Constituição Brasileira, a seguinte redação:
“O casamento civil pode ser dissolvido pelo Divórcio Consensual ou Litigioso, apurando-se, neste último, se o caso, a responsabilidade pelo descumprimento dos deveres conjugais, além de outros fatos que caracterizem a culpa grave ou o dolo de um cônjuge em relação ao outro.”