Opinião
Um dos assuntos que deve agitar a agenda econômica de 2018 é a Reforma Tributária. E para esclarecer um pouco mais essa questão convidamos o Prof. Dr. Gustavo Zimmermann, especialista em economia do setor público e assessor da LEXNET Consultoria.
Reforma Tributária – Missão Impossível?
“Só conheço pessoas que querem reformar com o bolso dos outros” Tancredo Neves, quando primeiro candidato civil à presidência da república, justificando porque não proporia reforma tributária em seu governo
A sociedade brasileira passa por profunda crise multifacetada ou por diversas crises simultâneas e imbricadas que, em parte, se mostram como um enorme déficit orçamentário, com crescimento explosivo da dívida pública. Política e midiaticamente um dos focos privilegiados do debate social frente essa crise é uma Reforma Tributária.
O déficit que se tem hoje foi provocado pelos excessos da política econômica anterior à crise e também por algum grau de avanço no desenvolvimento, como, por exemplo, a expansão da fronteira agrícola pelo Centro-Oeste, Tocantins e Bahia, áreas não infra estruturadas anteriormente. Excelente exemplo de como o processo de desenvolvimento econômico, normalmente é acompanhado por novas necessidades de gastos e aumento da carga tributária.
Uma das principais propostas para combater a carência atual de recursos e mitigar o crescimento da dívida pública é a realização de uma Reforma Tributária com forte viés simplificador das imposições incidentes sobre as pessoas jurídicas, através da eliminação e junção de impostos. Os efeitos dessas medidas teria o condão de diminuir os custos das declarações fiscais, reconhecidamente entre os mais elevados do mundo, proporcionando economias administrativas nas contabilidades fiscais das empresas e, por consequência aumentos de produtividade empresarial.
Outra opção, bem diversa das consideradas no atual debate, seria buscar a simplificação através da desburocratização das normas das declarações e da diminuição das diferenças entre as legislações estaduais do ICMS.
O dilema da opção adotada é que a simplificação, tal qual colocada em debate e constante do projeto em andamento no Congresso Nacional, não é simples! Elimina impostos de diferentes esferas, diferentes ônus reais e diferentes alocações tais como o ICMS, IPI, ISS, CSLL, COFINS, juntando-os num novo imposto sobre o valor adicionado no processo de produção e circulação de bens e serviços.
Essa junção, porém, implica em repactuar o federalismo fiscal, ou seja, estabelecer nova distribuição da receita governamental, sem que se saiba exatamente os impactos das novas alíquotas sobre as receitas dos diferentes níveis de governo, entre os diferentes estados e municípios. O temor justificável de perdas parciais e localizadas de receitas se traduz em resistência às propostas de reforma com esse perfil.
Esse viés simplificador embute forte resistência à novos aumentos de tributação e direciona a superação do déficit de recursos para a redução dos gastos governamentais com previdência, subsídios explícitos (bolsa família, minha casa minha vida, seguro defeso, FIES, etc.) e demais gastos primários do orçamento federal (saúde, educação, assistência social, defesa etc.).
Outra ordem de dificuldades a serem superadas para a realização da reforma tal qual está em pauta no Congresso Nacional, é a superação da tradição histórica tributária brasileira. Nosso país realizou apenas três verdadeiras reformas tributarias todas concretizadas em períodos de intervenção militar na política.
A primeira após a proclamação da república e abolição da escravatura, a segunda com Getúlio Vargas e após a crise cafeeira e a grande depressão dos anos 30 e a terceira, em 1966, após o golpe militar de 64 acompanhado da crise provocada pelo esgotamento da capacidade financeira do Estado no momento de consolidação da indústria implantada pelo Plano de Metas e de intensificação do processo inflacionário. A constituinte de 88 não logrou alterar desenho tributário de 1966, apenas aprofundou suas linhas principais.
Está claro que o atual sistema tributário não é racional e que a maior parte de seus principais grupos de contribuintes lhe reservam sérias críticas (claro sinal de sua irracionalidade), mas, a meu ver, o Brasil de hoje não apresenta quadro propicio para mudanças porque:
- ainda prevalece certa estabilidade econômica e social com inflação declinante e fracas pressões cambiais;
- a falta de crescimento econômico razoável e os baixos níveis de investimento pouco tem deteriorado o clima político;
- a crise política (cuja gravidade deveria se intensificar com os níveis do desemprego) até o momento parece não atingir os pilares de sustentação do sistema;
- a produtividade sistêmica é baixa e declinante sem perspectiva de crescimento a curto ou médio prazos pelo obsoletismo das infraestruturas rodoviária, ferroviária, fluvial, portuária, aeroviária e de telecomunicações;
- o processo de mobilização social (que de acordo com a teoria sociológica, resulta da urbanização e da industrialização, da evolução do agrobusiness, da consolidação de estruturas democráticas, do avanço da secularização e da amplitude das mídias sociais) cuja ação é solvente dos velhos compromissos socioeconômicos e catalizadora de novos padrões, ainda não produziu efeitos capazes de gerar um consenso em prol de uma reforma tributária;
- por último, a tributação brasileira, assentada excessivamente na tributação de bens e serviços e pouco na propriedade, nas rendas de alugueis e nos juros e dividendos, torna o sistema altamente dependente da produção e circulação de bens e serviços. Nas crises, essa base tributada diminui, no mínimo, na mesma velocidade da queda da atividade econômica e, com ela, caem a arrecadação e a receita governamental, retirando do Estado capacidade de intervenção contra a crise. O Estado passa a fazer parte do problema, melhor dizendo, da crise e, para supera-la, precisa que a carga tributária seja expandida e isto colide com as resistências organizadas contra aumentos de tributação.
Esses motivos são suficientes para me fazerem duvidar do sucesso das atuais propostas de reforma. Sem campo para ampliar a arrecadação, haverá necessariamente perdedores, o que, historicamente tem inviabilizado consensos. Seria inédito num congresso às vésperas de eleições (nas quais a maioria de seus membros busca se reeleger) se alcançar um consenso para uma verdadeira reforma.
Em resposta à falta de recursos para investimentos e estagnação da produtividade, o congresso nacional tem expandido o tempo para os concessionários das infraestruturas realizarem os investimentos já contratados! Tem, ainda, aprovado mais e mais gastos tributários com isenções, incentivos e refinanciamento de dividas para devedores contumazes. (trata-se de conter gastos com mais gastos???!!!)
O subdesenvolvimento, conforme Celso Furtado, é tarefa de gerações e, parece que estamos num momento privilegiado desta terrível construção. Tem razão o cronista que afirmou que o Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidades!
Para mim, na impossibilidade de superar a atual falta de recursos via reforma tributária e, se de fato não for possível a superação da falta de recursos por aumento de imposto sobre o capital, sobre o rentismo ou sobre os alugueis, a superação deve ser tentada na revisão dos gastos tributários.
Esses gastos não constam das leis dos orçamentos anuais do governo federal e, portanto, não são discutidos pela sociedade diretamente, nem através de seus representantes deputados e senadores. De 2003 a 2016, nesses gastos foram dispendidos 3,5 trilhões de reais, ou seja, metade de toda produção anual do Brasil. Atualmente, perfazem 5,5% do PIB.
Gastos Tributários são gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais e constituem-se em uma exceção ao sistema tributário de referência justificada sempre que a utilização dos recursos pelo próprio contribuinte for igual ou mais eficaz que a utilização pelo Estado.
Recente seminário dos técnicos do Ministério da Fazenda e do Tribunal de Contas da União avaliou negativamente os principais programas bancados pelos esses gastos, assim sendo, esta é sem dúvida, fonte expressiva de diminuição de gastos sem afetar os gastos federais primários com saúde, educação, etc.