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Comentários desativados em A CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM 30 ANOS: A CARTA ECONÔMICA
Por Flavio Guberman, Advogado e Consultor no Escritorio de Assessoria Jurídica José Oswaldo Corrêa, LEXNET Rio de Janeiro.
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM 30 ANOS: A CARTA ECONÔMICA
A Constituição brasileira, ao completar 30 anos, impõe a cada um de nós a reflexão profunda de sua capacidade em reger os próximos decênios, em ser um espelho da sociedade brasileira e um agasalho a seus anseios e aspirações nacionais, em todos os aspectos, políticos, sociais e econômicos. Com efeito, o texto dogmático e dirigista que foi adotado há trinta anos está impregnado pelas tintas da intervenção estatal na economia. E, neste terceiro e último texto, faremos uma pequena digressão sobre tal ponto, após, no primeiro, ter escrito sobre os aspectos políticos e, no segundo texto, sobre o prisma social.
O dirigismo estatal e a atávica necessidade da intervenção do Estado é uma nota muito típica do caráter nacional brasileiro, infelizmente. O estado, mastodôntico, ineficiente e caro, espreita-nos e sangra-nos de maneira impiedosa, sendo que a Constituição da República faz desta intervenção dos poderes públicos na economia um princípio constitucional. A Constituição brasileira, porém, neste aspecto, estava, em 1988, atrasada, porquanto traduziu, com muitos anos de atraso, aquilo que constava da Constituição da República Federal da Alemanha, de 1949.
Encontramos, assim, no texto brasileiro, um amálgama do espírito da Constituição francesa de 1946, devidamente lapidado pelo Texto Constitucional de nascimento da Cinquième République, a Constituição de 1958, com aquele trazido pelo Texto Alemão. A questão, porém, é que a tradição francesa é de uma constituição meramente política, servindo a separar os poderes e garantir direitos, não sendo, em princípio, um instrumento econômico. Assim, parte da nossa constituição segue o conceito da Constituição econômica (noção alemã por excelência, introduzida na Constituição de Weimar, de 1919, e ampliada na constituição de 1949), isto é, traz um conjunto de regras regendo a organização econômica do Estado, da sociedade e das empresas.
Dessa forma, podemos, sem medo de errar, caracterizar a nota de tal intervenção, um nível intermediário entre o liberalismo e um socialismo envergonhado. Em verdade, a nota à esquerda, sans dire le mot, vem, embora respeite-se a propriedade privada do capital e os meios de produção (em tese), em métodos mal disfarçados de cerceamento da livre iniciativa (como as definições anacrônicas que havia de empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro, as restrições ao capital transnacional e as diversas obrigações ditas sociais mas que, em verdade, eram nada mais que imposição ao particular de obrigações que seria do Estado mas que esse era incapaz de cumprir), bem como dos muitos entraves ao livre trâmite dos interesses privados.
O exemplo clássico são os artigos 170, 173, 174 e 177 da CRFB, onde, no primeiro, embora se fale na Livre Iniciativa, usa-se a valorização do trabalho humano como um contraponto, como se fossem noções antagônicas! O fato é que o Estado não deve intervir diretamente na ordem econômica, só que o artigo 174, por exemplo, fala que o estado é o “agente normativo regulador da atividade econômica”, exercendo as funções de “fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. Deveria, então, meramente atuar como agente regulador, mas não é o que ocorre, há atuação que vai muito além do papel de mantenedor de funcionamento de mecanismos de prevenção. Em nome de uma suposta repressão a práticas avessas à harmonia social, o estado brasileiro age – e age mal – em uma intervenção direta como Estado Executor, atuando como Estado Empresário, em teoria exercendo, direta e indiretamente, a atividade econômica.
Esse exercício direto, porém, na forma do artigo 173, devia acontecer apenas em duas hipóteses: imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo. E esse “relevante interesse coletivo” a desculpa larguíssima para que o Estado siga mantendo bancos, siderúrgicas, refinarias e afins, gastando muito e mal, quando não é capaz de dar conta das necessidades básicas, como saúde, educação e segurança, essas sim atividades que lhe seriam nota característica.
Neste particular, então, a Constituição Brasileira repete os erros dos textos constitucionais de 1934, 1937, 1946 e 1967 (Emenda 1969 incluída). Só que a Constituição de 1988 trouxe uma margem de discricionariedade jamais vista no arcabouço constitucional brasileiro. O gestor da coisa pública, então, é livre – e quase indene de responsabilidades – para decidir da conveniência da intervenção. E pudemos ver, nos últimos trinta anos (especialmente nos últimos quinze) o quão danosa essa discricionariedade política pode ser. Não é à toa, portanto, que o conteúdo dos artigos 177 e do parágrafo 4º do artigo 173 sejam arbitrária e toscamente usados para defender os monopólios estatais e a manutenção de empresas sob a égide do Estado brasileiro quando, à luz dos verdadeiros interesses públicos, nunca poderiam estar sob as asas da República.
Dissemos no artigo anterior que nos falta viver a constituição. Entre vicissitudes, virtudes e defeitos, a Constituição vigente há trinta anos é, de certa maneira, instrumento útil à manutenção da Democracia e, destarte, necessita ser defendida contra aqueles que, levianamente invocando direitos, na verdade, quer-lhes suprimir, manietando-nos. Em momento político tão delicado, de eleições gerais que decidirão o futuro do país, se nós avançaremos ou se tornaremos às trevas, devemos indagar, sem rodeios, se a sociedade brasileira tem maturidade e consciência que os preceitos – e as promessas – constitucionais não são cumpríveis, quiçá quiméricas ou feéricas, e que, dessa maneira, somos obrigados, como cidadãos e como Nação, a escolher quais delas e em que medida serão cumpridas, isto é, temos de conscientizar-nos que não é a Constituição que forja o povo, mas, sim, a grandeza de uma Nação é que constrói um Texto Constitucional perene, digno e notável.