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Comentários desativados em Julgamentos Virtuais pelo Supremo Tribunal Federal
Por Fernando Henrique Saraiva, SÓCIO do Escritório Saraiva Advogados, LEXNET Especialista em Direito Tributário
Julgamentos Virtuais pelo Supremo Tribunal Federal
Em tempos de pandemia do COVID-19, o Supremo Tribunal Federal decidiu proferir diversas decisões de temas de repercussão geral, dentre elas, muitas no âmbito do direito tributário e todas elas em sessão virtual. Essa modalidade de julgamento foi contemplada através de alteração no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, mais especificamente, pela Emenda Regimental nº 53, de 18 de março de 2020.
A sessão virtual de julgamento no Supremo Tribunal Federal é uma plataforma virtual onde o Ministro Relator anexa a ementa, relatório e seu voto e, a partir desse momento, os demais Ministros têm 5 (cinco) dias para também proferirem seus votos. Tal modalidade de julgamento impediu com que os advogados realizassem sustentação oral presencial perante os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o que, por vezes, detinham força para modificar o entendimento outrora proferido por algum dos Ministros.
O autor já escutou a preocupação de diversos profissionais da área tributária sobre a falta de discussões nas sessões virtuais de julgamento, em especial, entre os próprios Ministros. Até mesmo instituições de renome manifestaram sua preocupação com os julgamentos em sede de sessão virtual, como a Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF)
Destaca-se que os temas tributários alcançados pela repercussão geral têm a qualidade de abarcarem o “Direito Constitucional Tributário”, o qual, para muitos, está sendo cada vez mais desnutrido pelos julgamentos proferidos no Supremo Tribunal Federal nas sessões virtuais.
Embora as consequências sociais e econômicas sejam importantes, não se pode adotá-las como premissas de julgamento. É evidente que isso causa enormes distorções lógicas aos julgamentos. O consequencialismo está cada mais presente na maioria dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal no âmbito tributário, pois o principal argumento para julgarem improcedentes os pedidos dos contribuintes é que as consequências orçamentárias (ou riscos fiscais) advindas do acolhimento das teses de inconstitucionalidade das legislações combatidas seriam catastróficas. Infelizmente, essa posição incorporada pelo Supremo Tribunal Federal favorece a criação de cada vez mais normas tributárias inconstitucionais, pois, alfim, haverá modulação de efeitos pelos Tribunais Superiores e o Fisco sairá vencendo (ilegitimamente).
Com intuito de evitar o famigerado risco fiscal, o Fisco sustenta a necessidade da modulação de efeitos das decisões a ela desfavoráveis, nos moldes do artigo 27, da Lei nº 9.868/99. Embora o Fisco defenda a possibilidade de modulação de efeitos, esse instrumento deve ser utilizado apenas a fim resguardar a “segurança jurídica” e “excepcional interesse social”. Ambos os requisitos para modulação de efeitos devem ser vistos sob a ótica do elo mais fraco da relação jurídica, no caso do direito tributário, o contribuinte.
O sobreprincípio constitucional da segurança jurídica, consagrado preâmbulo da Constituição Federal e no seu art. 5º, inciso XXXVI, é direito fundamental que não pode ser olvidado em nenhum momento pelo Estado, uma vez que é uma das balizas para a existência e validade do próprio Estado Democrático de Direito e, como ensina o Ministro Luís Roberto Barroso, tal princípio visa estabelecer critérios básicos para uma vida civilizada e estabilidade das relações jurídicas.
Como citado, o princípio da segurança jurídica é pressuposto para a própria existência do Estado Democrático de Direito. As relações jurídicas entre os entes federativos e os contribuintes dependem de certa previsibilidade, sob pena de violação ao sobreprincípio da segurança jurídica. O preâmbulo da Carta Magna é o signo constitucional que traduz quais são os objetivos centrais a serem alcançados pela República Federativa do Brasil.
O legislador infraconstitucional, preocupado com a atuação dos demais entes federativos frente à possíveis arbitrariedades, criou dispositivos com intuito de refletir esse norte constitucional, como por exemplo: I) artigo 23 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro; II) artigo 146 do Código Tributário Nacional; III) artigo 27 da Lei nº 9.868/99; IV) artigo 927, §3º, do Código de Processo Civil.
O artigo 23 da LINDB dispõe que qualquer decisão judicial que modifique orientação já consolidada, deverá prever um regime de transição a fim de impedir prejuízo aos interesses gerais da população.
Quanto no âmbito do direito tributário, há norma geral, nos moldes do artigo 146, III, da Constituição Federal, a qual estabelece que havendo decisão judicial que altere os critérios jurídicos anteriormente adotados, deverá ter efeitos apenas prospectivos (ex nunc) – artigo 146, do Código Tributário Nacional.
Ademais, a Lei nº 9.868/99, a qual trata sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, traz em seu artigo 27 a possibilidade da modulação dos efeitos do julgamento, caso haja possível quebra da segurança jurídica.
O Recurso Extraordinário nº 1.072.485, afetado como tema de repercussão geral (tema nº 985) pelo Supremo Tribunal Federal, tratava sobre a definição da natureza jurídica do terço constitucional de férias para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal. Para a surpresa de muitos tributaristas o Supremo Tribunal Federal afetou esse tema como repercussão geral, pois, por diversas vezes, afirmou que a definição da natureza de verbas trabalhistas era de caráter infraconstitucional, tanto é assim, que já havia tema de recurso repetitivo julgado pelo Superior Tribunal de Justiça contrário pela tributação da contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias (Recurso Especial Repetitivo n° 1.230.957/RS – Tema n° 479)
Recentemente, houve o julgamento do mérito do tema nº 985 pelo Supremo Tribunal Federal e, novamente, para o assombro dos tributaristas, decidiu-se positivamente pela tributação da contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias, sendo posição contrária ao que proferido no tema 479 pelo Superior Tribunal de Justiça.
Muitas empresas já detinham sentenças transitadas em julgadas com intuito de não tributação da contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias com base no tema julgado pelo Superior Tribunal de Justiça e, agora, receiam pela autuação da Receita Federal do Brasil sobre essas rubricas.
Embora esteja se tratando de uma decisão em controle de constitucionalidade difuso, o dispositivo supratranscrito também lhe é aplicável. Tanto é assim que o artigo 927, §§3º e 4º, do Código de Processo Civil, consagra essa possibilidade.
O Professor Araken de Assis disserta que havendo prospective overruling, ou seja, superação de precedente, é extremamente necessária a modulação de efeitos, visto que se não aplicado este instrumento, a segurança jurídica e a confiança dos administrados seriam violadas.
Denota-se que é evidente a alteração de critério jurídico no caso vertente, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça se pautava pela ilegalidade da incidência da contribuição previdenciária patronal em face do terço constitucional de férias e, em oposição, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se positivamente pela tributação das referidas verbas pela contribuição previdenciária patronal.
O artigo 149, §2º, III, ‘a’, da Constituição Federal foi alterado pela Emenda Constitucional nº 33/2001 e passou, na visão de diversos autores, a não permitir a incidência das contribuições sociais e contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) sobre base econômica diversa das seguintes: receita bruta, valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro. A contribuição ao SEBRAE tem natureza jurídica de CIDE e, por isso, não poderia incidir sobre a folha salarial, como o é, nos moldes do artigo 8º, §3º, da Lei nº 8.029/90. O Recurso Extraordinário nº 603.624/SC (tema nº 325 de repercussão geral) tratava exatamente sobre a subsistência da contribuição ao SEBRAE após a edição da Emenda Constitucional nº 33/2001, pelos fundamentos acima já trazidos. Contudo, mesmo sendo um tema de tamanha importância para a desoneração da folha nas pessoas jurídicas, o Supremo Tribunal Federal decidiu julgá-lo por meio de sessão virtual e, como inexiste debate entre os Ministros, a pretensão dos contribuintes foi negada, sob o fundamento de que há importância social-econômica nas atividades desempenhadas pelo SEBRAE e não se poderia reconhecer a inconstitucionalidade da dita contribuição, a qual lhe serve como principal, senão único, meio de custeio.
Percebe-se novamente um julgamento do Supremo Tribunal Federal pelas consequências e não pelo direito constitucional tributário, o qual, como já destacado, encontra-se em desuso e desnaturado.
A preocupação tida pelos tributaristas não é vazia e deve-se, sobretudo, questionar, pressionar e manifestar sua inconformidade publicamente pelos julgamentos dos tribunais superiores que olvidam o direito constitucional tributário, sob pena dos poderes emanados pela Constituição Federal perderem seu fulgor.