Por: Gustavo Zimmermann, professor doutor em Economia do Setor Público, consultor da LEXNET Consultoria.
A Desigualdade como freio da prosperidade
As três décadas após a segunda guerra mundial são consideradas os anos de ouro do capitalismo porque conciliaram progresso tecnológico, crescimento da produtividade, do emprego, da renda, das condições de vida, e distribuição de renda. Predominou, no período, tanto nas economias avançadas quanto nas menos desenvolvidas, políticas econômicas de marcado matiz keynesiano, ou seja, ativas interferências do Estado na economia, quer estabelecendo políticas industriais (por vezes inclusive com a criação de estatais produtivas), quer concedendo incentivos fiscais ou creditícios ou mesmo legais (como normas protecionistas).
Esse ciclo de bonança e progresso foi sucedido por contínua redução do crescimento econômico e progressiva reconcentração de renda. As taxas médias de crescimento dos países membros da OCDE que haviam sido de 4% nos anos 50 do século passado e de 5% nos 60, caíram para 3 e 2% respectivamente nos 70 e 80.
Nos anos 80, com o fim do padrão ouro (fruto do colapso dos acordos de Bretton Woods que deu estabilidade cambial no pós guerra),com as crises do petróleo de 1973 e de 1979 (que geraram fortes desequilíbrios nas balanças de pagamentos de vários países) e com a queda do crescimento econômico, a economia política predominante nos anos dourados foi abandonada e substituída, a partir de 1989, por políticas neoliberais nas principais economias desenvolvidas.
Para as economias menos desenvolvidas também foram ditadas políticas neoliberais, mas acompanhadas de recomendações emanadas pelo “Consenso de Washington” (1990-2009), que incluíam cortes de gastos públicos, privatizações, diminuição das regulações e interferências estatais e abertura das economias. Para esse “Consenso”, as políticas de promoção social não são deveres do Estado, e sim problemas a serem superados pelas leis do mercado.
Neste ciclo neoliberal foi diminuída a progressividade dos sistemas tributários, eliminadas as alíquotas do imposto de renda sobre o capital em especial os incidentes sobre os acionistas e rentistas, mantendo ou diminuindo, menos que proporcionalmente, a tributação sobre a renda laboral. Na outra ponta da intervenção estatal foram diminuídos os gastos orçamentários destinados aos possuidores das menores rendas, tais como educação e saúde pública gratuitas e subsídios à moradia. Desta forma, as anteriores políticas distributivas de renda perderam força ou foram abandonadas.
No setor privado, as grandes empresas monopolistas, primeiramente as dos países desenvolvidos, ganharam dimensão global através de fusões e aquisições e promoveram a integração de seus fornecedores em cadeias de produção terceirizadas forçando-os a também ganharem escala mundial e a se fundirem sob seus comandos. Com novas escalas de poder monopolista, as grandes empresas subiram suas margens de lucro, aumentaram as barreiras às entradas de novos concorrentes, quer através do domínio tecnológico ou de mercado, quer ainda através de medidas legislativas impulsionadas por seus lobbies. Seus ganhos aumentados foram destinados preferencialmente à recompra de suas próprias ações, alavancando ainda mais seus poderes monopolistas e ganhos com dividendos generalizadamente isentados de tributação.
Além dos reforçados poderes monopolistas, os investidores e acionistas passaram a se organizar, internacionalmente, em blocos com poder de veto efetivo e capacidade de fixar objetivos comuns, quer por meio de lobbies ou de ações corporativas diretas sobre suas cadeias de fornecedores. Ações sob comando desses blocos internacionais de acionistas e investidores, promoveram bem sucedidas lutas pela flexibilização das aplicações das leis antitrustes, das normas de promoção da concorrência e por aumento de subsídios aos negócios já estabelecidos.
Aumento dos poderes de monopólio, maiores barreiras à entrada de novos empreendimentos resultam em menos concorrência, menos diversidade produtiva, menos emprego, menos renda laboral (totalmente) destinada ao consumo. Enfim, menos crescimento econômico.
Por último, o progresso tecnológico baseado na robotização dos processos produtivos, economia digital, processamento integrado de dados, “learn machine” e inteligência artificial tem eliminado definitivamente postos de trabalho, o que só agrava a letargia do atual quadro econômico.
Em suma, da diminuição da progressividade da tributação sobre o capital sem diminuição proporcional da tributação incidente sobre as rendas laborais, dos cortes dos gastos públicos destinados a diminuir as diferenças sociais e de rendas, da flexibilização das leis de combate aos monopólios/oligopólios, da nova força dos lobbies sob coordenação dos grupos de acionistas e do caráter do atual progresso tecnológico resultaram o aumento da desigualdade e frearam o crescimento econômico gerando simultaneamente um descontentamento generalizado.
Mais recentemente, em sentido contrário ao das correntes sob a égide do “Consenso de Washington” são cada vez mais diversas e crescentes as advertências de que o inédito nível atual da desigualdade de renda, se tornou uma das principais variáveis impeditivas do crescimento econômico global.
Essa constatação partiu de líderes empresariais no Fórum Econômico Mundial de 2019 em Davos que afirmaram que a desigualdade atual não é resultado do acaso, mas fruto de escolhas de políticas públicas inadequadas para mitigá-la ou impedi-la. Grandes empresários como Bill Gates e Elon Musk já se manifestaram, mais de uma vez, contrários a diminuição da progressividade do Imposto sobre a renda e renomados investidores internacionais como Warren Buffett,(a terceira pessoa mais rica do planeta) declararam-se inconformados por suas rendas serem menos tributada do que as de seus assessores. Por três vezes, grupos de dezenas e até centenas das maiores fortunas dos Estados Unidos e da França se manifestaram contra as políticas de diminuição da progressividade dos impostos sobre a renda.
Conclusões neste mesmo sentido, de condenarem todas ou algumas destas causas citadas como responsáveis pelo aumento da desigualdade e baixo crescimento econômico, partiram também de economistas liberais como Martin H. Wolf – editor associado e comentarista chefe de economia do jornal Financial Times e de economistas mais heterodoxos como Simon Johnson professor do MIT, ex economista-chefe do FMI e assessor da campanha presidencial da senadora Elizabeth Warren.
Estas manifestações contra as opções que favorecem a desigualdade, por partirem de expressivas lideranças de diferentes perfis ideológicos, permitem ao menos sermos otimistas. Pelo menos, nas democracias mais avançadas, há motivos para supor que possa ter início um movimento revisionista pró reversão do ciclo monetarista que abra portas ao combate da desigualdade e contribua para transformar o freio em acelerador da prosperidade.