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Por Gabriel Mendes, LEXNET Prestadora de Serviços – CORPAG
A moralidade e os recursos financeiros detidos no exterior
Recentemente, em um dos debates promovidos entre os presidenciáveis, o ex-presidente do Banco Central e presidenciável pelo MDB, Henrique Meirelles, foi questionado se seria “moralmente correto” uma pessoa que ocupou os mesmos cargos que ele já ocupou em sua história deter investimentos no exterior.
Temos, nessa história, dois equívocos: questionar-se a moralidade de deter investimentos no exterior e a forma como a qual o próprio Meirelles se endereça à estrutura que possui para deter os recursos financeiros.
Não há que se questionar sobre a moralidade de se deter investimentos no exterior, seja lá qual for o cargo ocupado pela pessoa. Se devidamente declarado aos órgãos responsáveis (Receita Federal do Brasil e Banco Central), deter recursos financeiros no exterior é inteiramente legal, podendo ser uma ferramenta extremamente útil. Lembremos que o ordenamento jurídico brasileiro é pautado no princípio da legalidade, que pode ser traduzido na máxima “tudo aquilo que não for proibido, será permitido”, e não há em qualquer ato legal alguma disposição que impeça residentes brasileiros, qualquer que seja sua ocupação ou cargo, de investir recursos financeiros no exterior por meio de uma empresa, localizada em paraíso fiscal ou não.
O questionamento da moralidade, como feito pelo jornalista durante o debate, leva ainda aqueles que não estão familiarizados com o tema a crer que essa modalidade de investimento tem uma conotação negativa. Isso porque, ao questionar, remete às contas mantidas no exterior por empresas brasileiras que as utilizavam para o pagamento de propina à políticos. Deve-se esquecer a conotação negativa associada às estruturas detidas no exterior, sejam elas com fins financeiros ou de caridade, como é o caso de Meirelles.
O segundo equívoco, entretanto, possui um viés muito mais técnico. Reportagens que tratam sobre o debate fazem menção a fundos, Meirelles se refere à fundação e jornalista o questiona sobre Trust. Mas, afinal, qual é o tipo de estrutura detida por Henrique Meirelles?
Em 2017, foram divulgados diversos documentos confidenciais relativos a pessoas ao redor do mundo que detinham contas e/ou estruturas internacionais em paraísos fiscais, movimento que ficou conhecido como Paradise Papers. Dentre essas pessoas, estava Henrique Meirelles. O documento indicava a existência de um “The Sabedoria Trust”, criado em 2002, e que ele havia sido criado especificamente para fins beneficentes. Mas, o que isso quer dizer e por que Meirelles se refere a ele como uma fundação?
A figura do Trust, não existente no direito brasileiro, tem origem na Inglaterra aproximadamente há 11 séculos. O Trust nada mais é do que um contrato privado entre duas partes, o Settlor e o Trustee, na qual o primeiro doa a propriedade de seus bens para que o Trustee os gerencie de acordo com ordens dadas pelo Settlor, o qual poderá pré-determinar, no contrato, como e quando os bens serão transmitidos a beneficiários determinados e/ou determináveis pelo Settlor e da maneira por ele definida.
Trusts, entretanto, não se confundem com fundações, tendo este um caráter muito mais beneficente e aquele um viés de planejamento sucessório. A razão pela qual Meirelles se refere a ele como uma fundação é, na realidade, seu uso, pois a jurisdição na qual o Sabedoria Trust foi estabelecido, Bermuda, não possui legislação de fundações. Para suprir essa lacuna, a jurisdição faz uso de Trusts cujos beneficiários serão entidades que o Settlor deseja beneficiar, ao invés de seus filhos ou herdeiros, como se veria em um Trust com viés de planejamento sucessório.
Sendo assim, Meirelles possui, na realidade um Trust cuja finalidade se equipara àquela de uma fundação.
Em linhas gerais, acertou o jornalista ao nomear a estrutura de Trust, mas errou ao vincular sua utilização ao recebimento de propinas. Em contrapartida, errou Meirelles ao chama-lo de fundação, mas explicou corretamente seu uso, que, sendo devidamente declarado aos órgãos competentes, não deve ter sua moral questionada.