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Ação Rescisória: seus limites e sua aplicabilidade

Por: RUI CERRI MAIO FILHO, advogado do escritório LEXNET Especialista em Previdência Privada, Messina, Martins e Lencioni Advogados.

Conceito:

A ação rescisória é meio processual extrínseco à relação jurídica a qual se busca rescindir. Depreende-se de tal afirmação, ser a ação rescisória um remédio processual para atacar a validade de sentença, ou qualquer outra decisão meritória, eivada de vícios, nas hipóteses previstas no art. 485 do Código de Processo Civil.

Assim, visa rescindir, romper, ou cindir uma decisão judicial como ato jurídico viciado. Em outras palavras, trata-se de meio processual em que se garante a segurança jurídica processual.

Nas palavras do Ilustre doutrinador Humberto Theodoro Junior, a ação rescisória “colima reparar a injustiça da sentença transitada em julgado, quando o seu grau de imperfeição é de tal grandeza que supere a necessidade de segurança tutelada pela res iudicata” .

A ação rescisória serve ao desfazimento da coisa julga material, quer por motivos de invalidade, quer por motivos de não cumprimento do nosso ordenamento jurídico. Assim, trata-se, em verdade, de uma ação constitutiva negativa ou desconstitutiva, porquanto visa ao desfazimento de coisa julgada material anteriormente formada em outro processo .

Pressupostos:

Além dos pressupostos comuns a qualquer ação, previstos no art. 282 do CPC, vez que a rescisória é meio processual independente e extrínseco, para ser admitida, necessários dois outros pressupostos específicos, sendo eles: i) uma decisão de mérito transitada em julgado; ii) presença de alguns dos motivos de rescindibilidade dos julgados, expressos taxativamente no art. 485 do CPC.

Outrossim, a propositura da ação rescisória restringe-se a um prazo decandencial, pois o direito de propô-la se extingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão rescindenda.

“AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA. Ação ajuizada após decorrido o prazo decadencial de 02 (dois) anos previsto no art. 495 do CPC. Caso em que o trânsito em julgado da decisão, quanto às diversas matérias que envolveram a reclamatória, deu-se em momentos diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, conforme o enunciado geral estabelecido pela jurisprudência através da Súmula nº 100, item II, do TST. Transcurso do prazo decadencial quanto à matéria objeto da rescisória. Aplicação à espécie da Súmula nº 100, item IV, do mesmo tribunal. Processo extinto com julgamento do mérito, a teor do disposto no art. 269, inc. IV, do CPC. (…)” (Ação Rescisória – n.º 5169-49.2011.5.04.000 – TRT 04 – Relator: João Batista de Matos Danda – Julgamento: 11/05/2012)

Por decisões meritórias, entendem-se, aquelas previstas no art. 269 do CPC, ou seja, aquelas que encerram o processo com resolução do mérito. Com tais previsões legais conclui-se que o legislador entende ser o mérito da causa a própria lide, ou seja, ser a questão substancial controvertida, ensejadora da prolação judicial .

Insta salientar, que a necessidade do trânsito em julgado da decisão de mérito não implica na obrigatoriedade do esgotamento de todas as vias recursais, conforme se depreende da leitura da Súmula 514 do Supremo Tribunal Federal, verbis:

“STF Súmula nº 514 – 03/12/1969 – DJ de 10/12/1969, p. 5932; DJ de 11/12/1969, p. 5948; DJ de 12/12/1969, p. 5996. Admissibilidade – Ação Rescisória Contra Sentença Transitada em Julgado – Não Esgotado Todos os Recursos Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos.”

Importa destacar, que tal súmula, ainda que editada em 1969, ou seja, anterior ao Código de Processo Civil, está em vigor, como bem se observa do julgado abaixo colacionado:

AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO TRIBUTÁRIO. ADMISSIBILIDADE. ESGOTAMENTO DOS RECURSOS. DESNECESSIDADE. SÚMULA 514 DO STF. A não-interposição de embargos infringentes em face do acórdão rescindendo não impede a propositura de ação rescisória. Aplicação da Súmula 514 do STF (“Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos.”) (Ação Rescisória – n.º 70041221037 – TJ/RS – Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, – Julgamento: 21/10/2011) (grifos nossos)

Procedimento

Em breve resumo, a ação rescisória poderá ser proposta pela parte prejudicada no processo original, seu sucessor a título universal ou singular, por terceiro juridicamente interessado, ou pelo Ministério Público, em algumas situações, como determina o artigo 487 e seus incisos, do CPC.

A competência para examinar a ação será sempre originária nos tribunais, conforme a instância da decisão a ser rescindida.

A petição inicial deve, como já elucidado, atender a todos os requisitos previstos no art. 282 do CPC, devendo, ainda, ser realizado depósito do montante de cinco por cento sobre o valor da causa original, o qual será revertido em favor do réu, em caso de improcedência, por unanimidade de votos, da ação rescisória, conforme disposto pelo artigo 488 do CPC.

Se houver necessidade de produção de novas provas, a instrução processual será delegada pelo tribunal ao juízo de primeira instância. Em caso de matéria exclusivamente de direito, a ação rescisória comportará julgamento antecipado da lide.

O julgamento se dá em três etapas, inicialmente analisa-se a admissibilidade da ação, e sua adequação ao art. 485 do CPC, após analisa-se o mérito da decisão rescindenda, e, por fim, em havendo rescisão da coisa julgada, realiza-se a terceira etapa, sendo proferido novo julgamento de mérito sobre a causa. Vale ressaltar, por fim, que cada uma das etapas funciona como prejudicial da seguinte.

Como se vê, imprescindível que a ação rescisória demonstre, e comprove, que a decisão meritória rescindida estava eivada de um dos vícios constante no rol do art. 485 do CPC.

Por fim, contra o novo julgamento são passíveis os demais recursos previstos em nosso Código de Processo Civil.

Hipóteses previstas no art. 485 do CPC

Prevê o art. 485 do CPC as hipóteses de cabimento da ação rescisória.

“Art. 485 – A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I – se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV – ofender a coisa julgada;
V – violar literal disposição de lei;
VI – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
VII – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII – houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.
§ 1º – Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.
§ 2º – É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.”

O rol do supracitado artigo, de acordo com a doutrina e a jurisprudência tradicionais, é taxativo e não comporta, por isso mesmo, interpretação ampliativa e analógica, entendimento que se afina à proteção constitucional da coisa julgada .

Limitações às hipóteses:

Uma vez apresentado o rol das hipóteses de cabimento da ação rescisória, impende analisar as limitações encontradas, doutrinarias e jurisprudenciais, que demonstram ser tal instrumento processual meio utilizado extraordinariamente em nosso ordenamento jurídico.

I – Prevaricação, concussão ou corrupção do juiz.

Trata-se de hipótese em que a decisão rescindenda é proferida por juiz que tenha incorrido em uma das tipicidades criminais descritas no inciso. Tais crimes, como se depreende do Código Penal, são realizados contra a Administração Pública.

Sendo assim, a decisão meritória transitada em julgado, que tenha sido proferida por juízo que incorreu em um dos crimes dispostos acima, é considerada nula, passível, portanto, de ser rescindida.

Entende-se por prevaricação, a conduta criminosa praticada por funcionário público contra a Administração Pública, consistindo em retardar ou deixar de praticar ato de ofício ou, ainda, praticá-lo contra disposição expressa de lei, com o fito de satisfazer interesse próprio ou sentimento pessoal.

Por sua vez, concussão, de acordo com o previsto no Código Penal, é o crime em que funcionário público exige, para si ou para outrem, dinheiro ou vantagem em razão de sua função, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou até mesmo antes de assumi-la, mas em razão desta.

Já a corrupção é tipo penal que define-se como ao ato de solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

Como se vê, por se tratarem de atos tipificados em nosso Código Penal, só será rescindível a decisão que tiver sido proferida por juiz que tenha incorrido em um dos três crimes previstos, ou seja, em havendo a hipótese de tipificação de outra conduta contra a Administração Pública, não será cabível a ação rescisória.

II – Impedimento ou incompetência absoluta do juiz.

Conforme dispõe o Código de Processo Civil, o impedimento do juiz acarreta em falta de pressuposto processual de validade, ainda que não haja oposição ou recusa das partes. Assim, todos os atos praticados pelo juízo impedido são inválidos, não havendo exceção para suas decisões meritórias.

Entende-se como impedido para julgar a causa, juizes que se encontram em uma das situações elencadas no artigo 134 do CPC, ou seja, magistrados que figuram em um dos pólos da ação, ou que tenham atuado como patrono de uma das partes, ou até mesmo intervido como perito judicial, membro do Ministério Público, ou testemunha.

Além disso, está impedido o juiz que conheceu do processo em outro grau de jurisdição, ainda que convocado, ou que tenha parentesco com um dos advogados ou com uma das partes, ou magistrado que tenha ocupado cargo de administração ou direção de pessoa jurídica que figure como parte.

Insta salientar, que por não haver possibilidade de analogia ao art. 485 do CPC, não é cabível a ação rescisória nos casos em que a decisão transitada em julgado foi proferida por juiz suspeito.

Ainda, prevê o inciso II, o cabimento da rescisória nos casos em que o juiz é absolutamente incompetente, uma vez que trata-se, também, de vício de validade processual. No caso, a limitação encontra-se na hipótese de incompetência relativa, uma vez que cabe à parte interessada argüir a exceção do juízo, sob pena de prorrogação de sua competência.

A competência será considerada absoluta quando fixada em razão da matéria, em razão da pessoa, ou pelo critério funcional. A competência absoluta é inderrogável, não podendo ser modificada.

A competência em razão da matéria é aquela determinada em função da natureza do direito material que rege a relação jurídica, implicando, assim, em diversidade quanto ao órgão jurisdicional em que será julgada a ação.

A competência em razão da pessoa é aquela vinculada a uma determinada característica circunstancial do indivíduo, ou seja, decorre de função ou cargo, implicando, assim, em órgão jurisdicional específico para julgar a ação. É o que acontece, por exemplo, quando um juiz responde a ação criminal, que terá trâmite inicial em Tribunal de Justiça.

Por sua vez, a competência funcional é aquela atribuída aos órgãos do judiciário para a prática de atos na relação processual. São as regras de competência funcional que determinam os órgãos que devem atuar em determinados processos.

Considera-se competência relativa aquela fixada em razão do território ou em razão do valor da causa, podendo ser modificada em função dos interesses das partes, sendo derrogável, portanto.

Logo, incabível a rescisória nos casos de incompetência relativa.

III – Dolo da parte vencedora e colusão para fraudar a lei.

Trata-se de hipótese em que, preocupado com a garantia da boa-fé processual, o legislador impõe a nulidade dos atos processuais realizados pela parte que, dolosamente, age em busca de vantagens indevidas e ilícitas, maculando, assim, as decisões transitadas em julgado.

Assim, nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior, viola o dever da boa-fé processual a parte vencedora que “haja impedido ou dificultado a atuação processual do adversário, ou influenciado o juízo do magistrado, em ordem a afastá-lo da verdade” .

Contudo, nesse particular, algumas limitações merecem destaque. Inicialmente, é necessário que o dolo da parte seja fundamental para o deslinde da ação, ou seja, necessário a presença de nexo causal, ensejador da nulidade processual.

Outrossim, não há dolo na conduta do vencedor que se omite quanto a prova que lhe é vantajosa, bem como não se considera dolo autorizador da rescisória atos de ma-fé anteriores ao processo, visto que o dolo deve ser no trâmite processual.

Por outro lado, no que se refere à colusão para fraudar a lei, é cabível a ação rescisória quando uma das partes, ou até mesmo ambas, se utilizam do judiciário para, maliciosamente, obterem vantagens indevidas, quando não, ilegais.

Entende-se por colusão todo ato falso, promovido por duas ou mais pessoas, com o intuito de enganar terceiro, ou de transgredir o ordenamento jurídico.

Resta claro, que ambas as hipóteses acarretam graves vícios no consentimento do juízo, o que conseqüentemente, implica em nulidade das decisões de mérito.

IV – Ofensa à coisa julgada.

Inicialmente, cumpre esclarecer ser a coisa julgada o caráter de que se reveste a sentença não mais passível de recursos, tornando-se, assim, imutável e indiscutível.

Nota-se, novamente, ter o legislador prestigiado em nosso ordenamento jurídico o instituto da coisa julgada, justificando a hipótese de rescindibilidade. Portanto, será rescindível, a decisão meritória quando já exista, sobre o mesmo objeto discutido, coisa julgada material.

Insta salientar que o resultado do novo julgamento é irrelevante para a caracterização de nulidade. Assim, nas palavras dos Ilustres doutrinadores Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha, o inciso IV do art. 485 do CPC, nos leva a entender “que a conclusão a que chegou o juiz, ao proferir uma sentença de mérito, não poderá mais ser discutida em outro processo que envolva as mesmas partes, com idêntica causa de pedir e com o mesmo pedido ”.

V – Violação de literal disposição de lei.

Trata o inciso V de hipótese das mais discutidas e utilizadas pelos operadores do direito para obtenção da rescisão de uma decisão transitada em julgado. Contudo, como será demonstrado, tal hipótese não deve ser interpretada de forma abrangente, havendo inúmeras limitações para seu conhecimento.

Inicialmente, cumpre esclarecer a abrangência do termo “lei”, utilizada no inciso em comento.

É incontroverso, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, que o termo, tal como empregado no dispositivo, constitui expressão ampla, abrangendo a lei complementar, a ordinária, a delegada, a medida provisória, o decreto, ou qualquer outro ato de conteúdo normativo, seja ele nacional ou internacional, material ou processual.

Contudo, tal expressão, ainda que abrangente, não admite interpretação extensiva, valendo a regra aplicada ao próprio artigo 485 do CPC, ou seja, não será passível de rescisão a decisão que contrarie súmula, mesmo em se tratando de súmula vinculante.

As controvérsias da aplicação do referido inciso, por outro lado, são freqüentes, e originadas em virtude do conceito do termo “violação literal”, do dispositivo de lei.

Por um lado, há quem defenda que o termo se refere a direito escrito, positivado, ou seja, será aplicável a hipótese prevista no inciso V apenas quando a violação atingir a lei ou a tese que expressamente nela está contida.

Por outro lado, o termo não deve ser entendido como a simples ofensa a letra escrita do artigo violado, e sim quando há ofensa flagrante a lei, seja em relação a sua forma, ou modo de aplicação. Denota-se ser um entendimento mais abrangente.

De qualquer forma, uniformiza-se o entendimento em favor da segunda tese, ou seja, caberá ação rescisória, não apenas quando se contraria expressamente o dispositivo normativo, mas também quando lhe é negada vigência ou, ainda, quando evidente o erro na qualificação jurídica dos fatos.

Contudo, uma limitação fundamental ao dispositivo em comento, refere-se ao não conhecimento da ação rescisória, fundada no inciso V do art. 485 do CPC, quando sobre o dispositivo de lei, supostamente violado, houver divergências de interpretação em sua aplicação. Ou seja, não se cogita rescindir uma decisão judicial em função do modo de se interpretar a lei.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já assentou em sua súmula 343:

“STF Súmula nº 343 – 13/12/1963 – Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal – Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 150.
Cabimento – Ação Rescisória – Ofensa a Literal Dispositivo Baseado em Texto Legal de Interpretação Controvertida nos Tribunais
Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”

Da mesma forma, entendem os tribunais:

“AÇÃO RESCISÓRIA, ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO LEGAL (ART. 485, V, DO CPC) QUE NÃO SE SUSTENTA, PORQUANTO SE TRATA DE DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL RELATIVAMENTE À INTERPRETAÇÃO DE PRECEITOS LEGAIS. CASO EM QUE O TEMA FOI EXAUSTIVAMENTE ABORDADO NA DECISÃO QUE SE PRETENDE RESCINDIR, CONCLUINDO-SE EM SENTIDO CONTRÁRIO DA PRETENSÃO DA PARTE ORA DEMANDANTE, O QUE NÃO DÁ AZO, CONTUDO, AO AVIAMENTO DA VIA EXCEPCIONAL DA RESCISÓRIA. PRECEDENTES. INDEFERIDA A INICIAL DA AÇÃO RESCISÓRIA. (Ação rescisória Nº 70049510969, Nono Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 18/06/2012) (grifo nosso)

“AÇÃO RESCISÓRIA. LITERAL VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. SEXTA PARTE. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. RAZOÁVEL INTERPRETAÇÃO DA NORMA. IMPROCEDÊNCIA. A permissão legal para a desconstituição da coisa julgada cinge-se às estritas hipóteses do artigo 485 do CPC como razão de segurança jurídica em prol da coisa julgada. A razoável interpretação do dispositivo de lei não dá margem à rescindibilidade do julgado. Apenas as interpretações manifestamente errôneas, apoiadas em argumentação indigna de consideração, que levam a resultados teratológicos, podem dar azo à ação de corte rescisório.” (Ação Rescisória, n.º 171/2012, TRT 15ª, Relatora: Maria Cecília Álvares Leite, Julgamento 17/05/2012) (grifo nosso)

“Ação Rescisória. Violação literal a dispositivos legais e erro de fato. Inocorrência da afronta aventada. Inadmissível atribuir força rescisória a suposto erro apontado pela autora, máxime quando incapaz de modificar o teor da decisão que se pretende desconstituir, embora eventualmente tenha sido desconsiderado. Ausentes os pressupostos de plausibilidade jurídica do pleito rescisório. Verdadeiro reexame probatório inadmissível na via eleita. Precedentes. Ação improcedente” (Ação Rescisória – TJ – n.º 89342-42.20118.26.0000 – 3º Grupo de Direito Público – Relator: Evaristo dos Santos – DJ: 25/06/2012)

Portanto, quando a aplicação de uma determinada lei enfrenta divergências interpretativas, não se pode afirmar que a decisão transitada em julgado, optando por aplicar uma das formas interpretativas, pratique violação literal de lei.

Contudo, vale destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal afasta a incidência a Súmula n.º 343, quando a divergência de interpretação ocorre em ofensa a aplicação da Constituição Federal. Ou seja, em havendo divergência de interpretação de dispositivo literal constante na Constituição Federal, cabível a ação rescisória.

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343. 2. Inaplicabilidade da Súmula 343 em matéria constitucional, sob pena de infringência à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Precedente do Plenário. Agravo regimental a que se nega provimento”. (AI AgR n.º 555806 – STF – 2º Turma – Min. Rel. Eros Grau – DJ: 17/04/2008) (grifos nosso)

“EMENTA: Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. 2. Recurso Extraordinário. Ação Rescisória. 3. Ilegitimidade Ativa de associação de defesa de consumidor para propor Ação Civil Pública. 4. Legitimidade processual. Condição da Ação. 5. Decisão agravada com mero relato de relação consumerista concomitante a relação jurídico-tributária. 6. Imprestabilidade de Ação Civil Pública para os efeitos do Art. 168 do CTN. 7. Questão de Ordem Pública. Inexistência de relação de consumo entre poder público e contribuinte. 8. Obrigação ex-lege. 9. Súmula 343 do STF. Inaplicabilidade. Matéria Constitucional. 10. Irrelevância da natureza estatutária da associação de consumidores interessada. 11. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. Efeitos infringentes do julgado. 12. Embargos rejeitados. (AI AgR-ED n.º 382298 – STF – 2º Turma – Min. Rel. Gilmar Mendes – DJ: 30/03/2007) (grifo nosso)

Tal exceção se aplica, vez que em matéria constitucional não pode haver mais de uma interpretação. Portanto, nesse caso, havendo interpretação divergente de texto constitucional, há violação literal ao dispositivo de lei.

VI – Falsidade de prova.

Cabe ação rescisória, na redação do inciso VI, quando a sentença de mérito transitada em julgado fundar-se em prova cuja falsidade foi apurada em ação criminal, ou até mesmo nos autos da própria ação rescisória.

Contudo, necessário que a prova falsa seja fundamental para o deslinde da causa. Ou seja, deve ser comprovado, para dar azo à ação rescisória neste particular, o nexo de causalidade, entre a prova falsa, e o julgamento da decisão que transitou em julgado.

Não restam dúvidas, portanto, de que uma decisão judicial baseada em prova que tenha sido produzida ilicitamente será nula, passível, portanto, de ser rescindida.

VII – Documento novo.

Prevê o inciso VII a hipótese de rescisão da decisão de mérito, quando após seu trânsito em julgado, o autor da rescisória obtiver documento novo, cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável.

Destaca-se que a “novidade” do documento novo, não se refere ao momento em que foi constituído, e sim ao momento em que o mesmo poderia ser utilizado como meio de prova. Inclusive, passivo na jurisprudência, ser necessário que o documento novo, ensejador da ação rescisória, já existisse ao tempo em se foi proferida a decisão rescindenda.

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ARGUMENTOS QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DECISÓRIOS. Não tendo as razões do agravo regimental infirmado os fundamentos decisórios, merece ser mantida, na íntegra, a decisão agravada, sintetizada na ementa a seguir transcrita: AÇÃO RESCISÓRIA. DOCUMENTO NOVO. ART. 485, VII, CPC. INEXISTÊNCIA. Afigura-se inadmissível a propositura de ação rescisória fundada em suposto documento novo, a cujo respeito a autora apenas oferece vagas referências, ausente qualquer motivo para que dele se possa extrair possibilidade de reversão do julgado rescindendo. Sem falar em que ou se trata de documento cuja existência e acesso eram possíveis, ou corresponde a documento que não se encaixa no conceito de documento novo do art. 485, VII, CPC.” (Agravo Regimental Nº 70048533574, Décimo Primeiro Grupo Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 18/05/2012)” (grifo nosso)

Destaca-se, que o Tribunal Superior do Trabalho, acerca do tema, já consolidou entendimento através da Súmula n.º 402:

“AÇÃO RESCISÓRIA. DOCUMENTO NOVO. DISSÍDIO COLETIVO. SENTENÇA NORMATIVA (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 20 da SBDI-2) – Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005
Documento novo é o cronologicamente velho, já existente ao tempo da decisão rescindenda, mas ignorado pelo interessado ou de impossível utilização, à época, no processo. Não é documento novo apto a viabilizar a desconstituição de julgado:
a) sentença normativa proferida ou transitada em julgado posteriormente à sentença rescindenda;
b) sentença normativa preexistente à sentença rescindenda, mas não exibida no processo principal, em virtude de negligência da parte, quando podia e deveria louvar-se de documento já existente e não ignorado quando emitida a decisão rescindenda. (ex-OJ nº 20 da SBDI-2 – inserida em 20.09.2000)”

Nota-se, que limita-se a aplicação do referido inciso aos casos em que apenas o documento é inovador, não podendo, o autor da rescisória, inovar na causa de pedir, ou, até mesmo, no pedido.

Portanto, são pressupostos da hipótese em comento: i) ignorância da existência ou impossibilidade de utilização do documento em tempo hábil e; ii) relevância do documento que motive, por si só, conclusão diversa daquela obtida na decisão passada em julgado.

VIII – Confissão, desistência ou transação inválidas.

Cabe rescisória, conforme dicção do inciso VII, quando “houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação em que se baseou a sentença.”

Sabe-se que tais atos jurídicos, quando realizados, poderão acarretar no encerramento do processo com julgamento de mérito, implicando no trânsito em julgado das ações.

Contudo, como já observado nas demais hipóteses de cabimento da ação rescisória, não será suficiente que tais atos jurídicos sejam apenas passíveis de invalidação. Será determinante, para o conhecimento da ação rescisória, que a decisão transitada em julgado tenha sido baseado em um dos atos viciados.

IX – Erro de fato

Trata-se de hipótese de ação rescisória, juntamente ao inciso V, das mais utilizadas pelos operadores de direito. E, da mesma forma que a violação literal de dispositivo de lei, tendo em vista o caráter extraordinário da rescisória, algumas limitações a sua aplicação são impostas pelos tribunais.

Assim, como bem asseverado pela doutrina, deve-se haver interpretação restritiva a permissão de rescindir a sentença por erro de fato, sempre tendo em vista que a rescisória não é remédio próprio para a verificação do acerto ou da injustiça da decisão judicial, nem tampouco meio de reconstituição de fatos ou provas deficientemente expostos e apreciados em processo findo.

As limitações, inclusive, são impostas pelo próprio art. 485, inciso IX, que em seus parágrafos 1º e 2º apontam os requisitos para que o erro de fato tenha o condão de rescindir uma decisão transitada em julgado.
São os seguintes:

i) como nos demais incisos, comprovando assim, a conjectura da norma, o erro deve ser a causa fundamental para a conclusão da decisão rescindenda;

ii) o erro deve ser apurado com a reanálise das peças e documentos já apresentados no processo originário. Ou seja, não se admite a produção de novas provas ou documentos para a demonstração de eventual erro no julgamento;

iii) não pode ter havido controvérsia, quanto menos pronunciamento judicial acerca do fato.

Tais requisitos, no mesmo sentido, são observados pela jurisprudência.

“AÇÃO RESCISÓRIA. ALEGAÇÃO DE ERRO DE FATO – ART. 485, ix, CPC. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS. A Ação Rescisória com base em alegado erro de fato pressupõe que o julgado tenha admitido fato inexistente ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido. Conforme lição doutrinária, O § 2º do art. 485, IX, do CPC condiciona o cabimento da ação rescisória a dois requisitos negativos: inexistência de “controvérsia” e inexistência de “pronunciamento judicial sobre o fato”. Caso em que a matéria de fato trazida como fundamento da Rescisória foi tema “controvertido” entre os litigantes, sobrevindo pronunciamento judicial sobre o fato: existência de contrato de arrendamento entre as partes, cujo descumprimento pelo arrendatário resultou na desocupação do imóvel. A Rescisória não comporta reexame da prova ou fundamento legal acolhido pelo julgado rescindendo. Acórdão que articulou ponderável silogismo entre as teses postas e os elementos de prova coligidos ao processo, formulando conclusão lógica aos seus fundamentos. Eventual má análise da prova não viabiliza seja revista a motivação da sentença ou do aresto. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. DECISÃO MONOCRÁTICA. (Ação Rescisória, Nº 70049385883, Quinto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 18/06/2012)” (grifo nosso)

“ERRO DE FATO. NÃO CONFIGURAÇÃO. EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA E PRONUNCIAMENTO JUDICIAL SOBRE O FATO. RESULTADO DA AVALIAÇÃO DA PROVA A jurisprudência inclinou-se no sentido de não reconhecer como erro de fato, passível de ensejar a rescisão do julgado, eventual má apreciação das provas dos autos originários. Por outro lado, havendo controvérsia e pronunciamento judicial sobre o fato, fica afastado o enquadramento na hipótese do artigo 485, inciso IX, do Código de Processo Civil, conforme previsão contida no § 2º do mesmo preceito legal. É o que ocorreu na hipótese dos autos, pois a decisão rescindenda emitiu pronunciamento expresso sobre o alegado enquadramento do Reclamante na hipótese do artigo 62, inciso II, da CLT, ante a controvérsia instalada sobre o fato, após a apreciação de toda a prova produzida nos autos originários, ao concluir que não restou provado o fato impeditivo ao direto do Reclamante alegado pela Reclamada. Na verdade, o erro apontado pelo Autor é exatamente a conclusão do magistrado prolator da sentença rescindenda sobre o conjunto probatório da reclamação trabalhista matriz, sendo que a suposta confissão do Reclamante em depoimento prestado em outro processo não foi suscitado nos autos de origem. Recurso ordinário não provido.
(Processo: ROAR – 151200-07.2007.5.03.0000 – TST – Data de Julgamento: 05/06/2012, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 15/06/2012)

“AÇÃO RESCISÓRIA ALICERÇADA NO INCISO IX, DO ARTIGO 485 DO CPC – ERRO DE FATO NÃO TIPIFICADO. A caracterização do erro de fato, hipótese de rescindibilidade prevista no inciso IX, do artigo 485 do CPC, exige a demonstração da incompatibilidade lógica entre o julgado e a existência ou inexistência do fato, provada nos autos, mas porventura não colhida pela percepção do juiz. O erro de fato não decorre da justiça ou injustiça do julgado, do erro de julgamento ou de interpretação dos fatos trazidos a juízo, a qual nenhuma influência exerce sobre a validade da decisão rescindenda. Sequer configura erro de fato eventual má apreciação da prova, porque neste contexto, não está atrelada a qualquer erro de percepção do magistrado e, sim, à valoração que ele fez do conjunto probatório, sendo impossível transformar a ação rescisória em via recursal para, desnaturando-a, possibilitar o reexame de fatos e provas revolvidos quando do exame da lide originária, como claro está na Súmula n. 410/TST, desiderato inequívoco da autora. Improcede a pretensão rescindenda”. (Ação Rescisória – n.º86500-172010.5.03.0000 – TRT 03 – Relator Julio Bernardo do Carmo – 2ª Sessão de dissídios individuais – DJ 18.02.2011)

Depreende-se, portanto, que para configurar-se o erro de fato, necessário ter ocorrido na decisão transitada em julgado, uma injustiça no julgamento, vez que houve por parte do juiz, um erro de percepção quanto a questão incontroversa e fundamental para o deslinde da ação.

Resta claro, que em tendo havido tal circunstância, ao autor da rescisória cabe seu inconformismo, sendo permitido a ele, a possibilidade de rescindir o julgado equivocado.

Por fim, ressalta-se que o erro passível de rescisória é o de fato, e não o de direito. Assim, não permite o inciso IX, o ajuizamento da ação rescisória em caso de injustiça na interpretação de dispositivos legais.

Conclusão

Pelo todo demonstrado, resta claro que a ação rescisória não é medida recursal para reformar uma decisão de mérito, ou seja, não será cabível, em hipótese alguma, como bem demonstrado nos incisos do art. 485 do CPC, quando o inconformismo versar sobre interpretação ou aplicação de normas jurídicas conforme o livre convencimento do juízo.

A sistemática do processo em nosso ordenamento jurídico já prevê inúmeros meios recursais em que serão discutidas a forma e a aplicação das normas de direito material, sendo os recursos os únicos meios cabíveis para demonstrar o inconformismo na aplicação e interpretação das normas legais.

Portanto, resta claro que a ação rescisória é meio processual com aplicabilidade limitada, justamente por atacar decisões de mérito com trânsito em julgado, que incorreram em erros ou vícios de tamanha gravidade, que implicam em nulidade do quanto decidido.

Assim, observa-se, às vistas do judiciário, uma tendência em restringir a admissibilidade das ações rescisórias, tendo em vista sua má utilização por alguns operadores do direito, que vêem na ação uma nova oportunidade de reapreciação do mérito de uma causa vencida, quando na verdade, não é este o fim de tal instrumento processual.

Conclui-se, portanto, que a utilização da ação rescisória deve ser sempre restrita e pontual.

RUI CERRI MAIO FILHO, advogado do escritório LEXNET Especilaista em Previdência Privada, Messina, Martins e Lencioni Advogados

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