Por: Carla Amaral Andrade Junqueira – advogada do escritório LEXNET de SP/SP.
Lemos todos os dias nos jornais notícias sobre a China. Não poderia ser diferente, já que o país é a grande atração do momento. O que nos chama a atenção, no entanto, é a diversidade de opiniões sobre a relação que o Brasil mantém com esse gigante.
Alguns afirmam com convicção reiterada que a China é a grande panacéia comercial do momento. Outros, bem mais reticentes, demonstram cautela e até um certo pavor do que pode acontecer com a indústria doméstica caso o Brasil não se proteja da agressividade comercial desse país.
Nesse cenário, o governo reconheceu a China como economia de mercado. A conseqüência prática dessa medida se verifica em investigações antidumping, que ficarão sujeitas às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Apenas para contextualizar, a comprovação da existência de dumping, segundo as regras da OMC, se dá através da comparação do preço de exportação do produto para o país prejudicado com o valor normal desse produto. É na definição do valor normal que está a diferença entre uma economia de mercado e uma outra não considerada como tal. Os partidários da proteção contra a China argumentam que, devido à forte intervenção estatal nos preços internos no mercado chinês, ficará muito difícil comprovar o dumping dos produtos exportados pela China.
Feito o reconhecimento, a reação do setor privado brasileiro foi imediata. Setores se organizaram e pressionaram o governo exigindo proteção à indústria nacional contra a ameaça que se apresentava. O governo, por sua vez, após muita hesitação, decidiu atender aos pedidos para regulamentar as chamadas “salvaguardas especiais”.
Também previstas nos acordos da OMC (especificamente no protocolo de adesão da China à OMC), as salvaguardas especiais permitem, em casos excepcionais e comprovado o dano à indústria nacional, a aplicação de uma sobretaxa sobre as importações vindas apenas da China.
Com o setor privado brasileiro mais tranqüilo, veio a reação do governo chinês. Nas palavras do cônsul econômico e comercial da China em São Paulo, Zhang Jisan: “a China certamente terá uma estratégia para lidar com uma situação desagradável como a adoção das salvaguardas. Se o Brasil adotar salvaguardas, a China poderá fazer a mesma coisa”.
Notamos que o simples fato de o governo regulamentar o procedimento de salvaguardas especiais não significa que tenha decidido aplicá-las efetivamente. Após a publicação do decreto que regulamenta tais medidas os setores poderão solicitar a abertura do processo de investigação. Para que a salvaguarda seja concretamente aplicada é necessário a comprovação do dano grave ou ameaça de dano à indústria nacional, o que é extremamente complexo.
Mas bastou a anúncio da medida para que o incômodo fosse causado. O debate nos faz refletir sobre a fragilidade das relações comerciais do Brasil com a China. Se por um lado existe um esforço dos dois governos para estreitar a relação, não nos parece que o mesmo ocorra com os empresários.
Diante dessa situação paradoxal, nos perguntamos: na guerra comercial, a China é nossa aliada ou inimiga? Para responder, temos que notar que não há outro país no mundo com o mesmo potencial exportador. Tamanha grandeza assusta mesmo os grandes, que já estão se protegendo. Ademais, a China aprende rápido e, em pouco tempo de liberalização comercial, consegue manejar melhor do que muitos as negociações na OMC.
Não nos parece portanto descabido temer a China. A prudência pode nos salvar de surpresas desagradáveis contra um gigante que ainda não conhecemos bem e que já demonstrou agressividade de guerra em relações comerciais.