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DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: A REGULAÇÃO DA UNIVERSALIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE INFRA-ESTRUTURA

Por: Antenor Demeterco, LEXNET Curitiba.

Introdução:

O Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento divulgado em 2002 constatou que nos países latino-americanos e, conseqüentemente, no Brasil, existe uma forte tensão entre a escolha pelo desenvolvimento econômico e a democracia, sendo relativamente baixa a preferência da população por esta última.
Não é difícil concluir que são os altos níveis de exclusão socioeconômica que têm levado as populações latino-americanas a valorizar mais os avanços econômicos do que a ampliação das práticas democráticas.
No entanto, o que a América Latina e o Brasil ainda não perceberam é que a democracia não é tão-somente um valor em si mesmo, mas também um ambiente necessário para se alcançar o desenvolvimento econômico, não sendo preciso escolher entre um e outro. Até porque, o exercício da democracia pela população é o meio mais eficiente de se cooptar as escolhas e preferências sociais que devem determinar as diretrizes de qualquer estratégia desenvolvimentista competente.
O debate, portanto, deve mudar de foco e se voltar para o aperfeiçoamento e ampliação das práticas democráticas na região, o que implica na necessária revisão da noção que os latino-americanos e, em específico, os brasileiros, têm de democracia.
Atualmente, o processo de democratização, entendido como a criação e utilização de instrumentos capazes de possibilitar a participação dos interessados na tomada de decisões, não se limita apenas no inter-relacionamento das democracias direta, indireta e semidireta, mas, principalmente, na transposição da democracia formal, na qual o indivíduo é visto como cidadão, para a democracia substancial, na qual o indivíduo é encarado em suas múltiplas condições, como, por exemplo, a de pai e de profissional.
A democracia contemporânea não é mais entendida como uma simples forma de governo em que os elementos definidores da sua natureza são o número de governantes e a maneira como se exerce o poder político. A definição moderna identifica a democracia como uma forma de governo em que objetivos e princípios traçam as diretrizes de atuação dos detentores do poder político. E a essência desses objetivos e princípios está na igualdade socioeconômica e não mais apenas na igualdade jurídica.
Essa reflexão sobre o conceito de democracia em suas diversas dimensões acaba por desembocar numa definição de democracia econômica, que nada mais é do que um ambiente apto a permitir o exercício popular da liberdade de consciência e de escolha econômicas, o qual devidamente regulado pelo Estado constitui-se em um meio de extrema relevância para favorecer o desenvolvimento econômico, pois, com a participação popular, será possível aliciar as escolhas e preferências sociais que se encontram de forma difusa na sociedade.
Para entender melhor esse conceito de democracia econômica, bem como transportá-lo para termos mais práticos, este ensaio, inicialmente, analisará a atividade regulatória do Estado e a sua co-relação com as estratégias de desenvolvimento econômico no caso brasileiro, para, depois, refletir especificamente sobre a questão da alta concentração de renda e da universalização de serviços públicos como forma de redistribuição.

Regulação e desenvolvimento econômico

A crise financeira que a partir da década de 1980 abalou as estruturas das administrações públicas dos diversos países que adotaram o modelo de Estado social culminou na mitigação da interferência direta do Estado nas relações econômicas.
Conseqüentemente, viu-se o surgimento da regulação como uma modalidade de intervenção estatal indireta na economia, caracterizada por utilizar-se da atribuição essencialmente normativa do Estado para disciplinar as atividades econômicas das iniciativas privada e pública, com o objetivo de garantir e realizar interesses públicos fundamentais, entre eles, o do desenvolvimento econômico.
O grande desafio da intervenção indireta do Estado na economia na sua modalidade regulatória será o de inserir países subdesenvolvidos na economia de mercado com a garantia à população local do adequado exercício da liberdade de consciência e de escolha econômicas consubstanciado em um ambiente de democracia econômica apto a oportunizar a participação popular aliciadora das escolhas e preferências sociais.
No Brasil, onde, tradicionalmente, a intervenção estatal na economia acontece de forma direta por meio da prestação de serviços públicos e da exploração de atividades econômicas, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o arcabouço de um Estado social quando este já estava em decadência em outros países, o que, por conseguinte, tem obrigado a revisão constitucional do papel do Estado na qualidade de agente propulsor do desenvolvimento econômico.
Com as reformas constitucionais iniciadas a partir da década de 1990 que culminaram na instituição das agências reguladoras, houve no Brasil uma parcial redefinição das atribuições intervencionistas do Estado no campo econômico, que de financiador do desenvolvimento econômico passou a exercer as funções de fiscalizador e equilibrador. Portanto, o modelo de Estado brasileiro vem sendo gradualmente alterado do interventor direto para o indireto, na modalidade regulatória.
E se isso deu, também, porque, apesar de estar atualmente em fase de consolidação política da sua democracia, o Brasil ainda não obteve êxito em transferir os anseios da sociedade para o campo econômico, o que compromete qualquer esforço desenvolvimentista, uma vez que eterniza a insatisfação social.
Entre os principais gargalos ao desenvolvimento econômico brasileiro está o da alta concentração de renda que impede o crescimento da demanda. Em uma situação como essa, a redistribuição passa a ser um valor referencial fundamental a ser perseguido por qualquer esforço democrático-desenvolvimentista que pretenda ser eficiente. E uma das formas de se atacar esse problema é por meio da universalização de serviços públicos coordenada pelo Estado mediante sua atividade regulatória.

Universalização de serviços públicos de infra-estrutura

A universalização de serviços públicos tem por finalidade levar a prestação de serviços públicos fundamentais para o desenvolvimento econômico do país, como telecomunicações e energia, a regiões e populações onde a iniciativa privada por si só não se interessaria ante a inviabilidade econômica do empreendimento, constituindo-se, dessa forma, em uma estratégia da atuação regulatória do Estado com o objetivo de diluir a alta concentração de renda e de fazer crescer a demanda, efetivando-se assim o valor referencial da redistribuição.
Em outras palavras, a universalização dos serviços públicos é representada pela colocação em prática de políticas públicas destinadas a permitir o acesso irrestrito de toda a população a determinadas utilidades estrategicamente importantes para as relações socioeconômicas, o que, repita-se, gera redistribuição, e de forma direta.
Neste caso, a ação regulatória do Estado, representada na sua intervenção indireta por meio da delegação da prestação de serviços públicos à iniciativa privada, tem por finalidade a realização do direito fundamental de acesso irrestrito e universal de toda a população a determinada utilidade pública.
O que assume importância diante da necessidade de inclusão em qualquer estratégia de desenvolvimento econômico, além da lógica da acumulação, de valores essenciais incorporados pela sociedade, os quais, no presente caso, representados na redistribuição, representam nada mais do que a liberdade de consciência e de escolha econômicas, bem como a consciência de qual é a melhor opção. E a universalização de serviços públicos, efetivada por meio da ação regulatória do Estado, é um instrumento capaz de permitir à sociedade a expressão e efetiva transmissão dessa liberdade.
As doutrinas econômicas em sua grande maioria têm demonstrado que investimentos públicos e/ou privados em infra-estrutura são estratégicos para o desenvolvimento econômico, uma vez que propiciam um maior regresso dos insumos da iniciativa privada, incentivam o investimento, criam empregos e vitalizam a atividade econômica.
No entanto, a simples aplicação de recursos em infra-estrutura não garante a redistribuição mediante o acesso irrestrito de toda a população a serviços públicos, devendo o Estado por meio de instrumentos regulatórios captar investimentos com o objetivo de expandir a prestação dessas utilidades a regiões onde a iniciativa privada por si só não se interessaria.
Essa necessidade surge porque possibilitar o acesso irrestrito a toda a população pode, em determinadas situações, ser economicamente inviável, uma vez que a exploração econômica do serviço público pode não gerar ganhos suficientes para cobrir os investimentos realizados com a sua prestação.
Quando se fala em universalização de serviços públicos, portanto, incumbe-se ao Estado, por meio da regulação, a função de estabelecer nortes de longo prazo que direcionem meios institucionais para aplicação de recursos em infra-estrutura, sem que isso represente uma tentativa de tutelar o mercado.
No caso do Brasil o dilema da regulação da universalização de serviços públicos com fins de redistribuição parece estar em alcançar o equilíbrio entre os benefícios econômicos concedidos à iniciativa privada com a exploração econômica da utilidade pública e a devida contraprestação dos particulares, consubstanciada nas obrigações de universalização de serviços e de cobrança de tarifas aceitáveis.

Conclusão

A partir da análise da co-relação da alta concentração de renda com a da universalização de serviços públicos como forma de redistribuição, pode-se concluir que a idéia de desenvolvimento econômico acaba por se identificar com a de democracia econômica, a qual é verificável quando a sociedade é incluída no processo de tomada de decisões econômicas, ou seja, quando é oportunizado o exercício popular da liberdade de consciência e de escolha econômicas, o que deve acontecer mediante a ação regulatória do Estado para viabilizar a participação popular com a finalidade de aliciar as escolhas e preferências sociais difusamente encontradas na sociedade, bem como de garantir que as decisões tomadas, além de representar os anseios da população, sejam as melhores.
Portanto, possibilitar a participação popular é a maneira mais eficiente para o Estado cooptar as opções sociais que deverão determinar as diretrizes de qualquer estratégia desenvolvimentista.
E para isso a idéia de democracia e liberdade é essencial, porque quando o processo de tomada de decisões econômicas se der de forma mais participativa e envolvendo interesses distintos, os resultados se inclinam para uma maior satisfação social. Ou seja, a participação popular acaba por se tornar um importante elemento legitimador da ação regulatória do Estado, uma vez que incorpora e controla as possíveis insatisfações sociais ao oportunizar a inclusão da população no debate sobre assuntos de interesse coletivo, além de possibilitar à Administração Pública identificar suas políticas com os anseios da sociedade.