Luciana Lanna, especialista em Direito Ambiental e responsável pela área Ambiental do Lemos Advocacia aborda os pontos polêmicos do PL que permite atividade de mineração e geração de energia elétrica em terras indígenas.
Desenvolvimento Econômico em Terras Indígenas
O presidente Jair Bolsonaro assinou no dia 5 de fevereiro, o projeto de lei nº 191/20 para regulamentar a mineração, produção de petróleo, gás e geração de energia elétrica em terras indígenas.
A regulamentação da atividade minerária e de exploração de potencial hidrelétrico em terras indígenas tem sido objeto de discussão desde a proposição do PL 1610/96, e traz consigo diversos pontos polêmicos, especialmente com relação aos direitos dos indígenas e a conservação socioambiental de seus territórios, que são espaços territoriais especialmente protegidos e, portanto, necessária a manifestação prévia da Funai nos casos de empreendimentos que afetem direta ou indiretamente esses territórios.
Sob o viés regulatório, os artigos 20, inc. XI e 231, §2º da Constituição Federal estabelecem que as terras indígenas são bens públicos federais, sendo reconhecida a posse permanente e o usufruto exclusivo dos índios sobre elas.
Já o §3º do art. 231, objeto do PL 191/20 prevê a possibilidade de exploração em áreas indígenas. De acordo com a norma constitucional, há a possibilidade de concessão de jazidas do subsolo, após autorização do Congresso Nacional e desde que ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes asseguradas participação nos resultados da lavra.
Dessa forma, o PL 191/20 busca atender os requisitos constitucionais na tentativa de apaziguar o conflito historicamente existente entre as comunidades indígenas e a exploração econômica de seus territórios.
Ainda assim, alguns pontos, por constarem de forma genérica e simplificada, têm gerado discussão e questionamentos, destacando a questão da oitiva das comunidades indígenas afetadas, a dispensabilidade de oitiva das terras indígenas que não estiverem com a sua demarcação já homologada por decreto presidencial e a falta de clareza quanto ao recebimento dos lucros do resultado da lavra.
Com relação à oitiva dos povos indígenas, a Constituição deixa claro que a consulta deve ser feita diretamente às comunidades indígenas, não podendo, portanto, o órgão indigenista, por exemplo, querer responder por elas.
Apesar do PL mencionar a oitiva das comunidades, existe o receio de que se trate, na prática, de mero procedimento burocrático, diferente do que prevê a Convenção OIT nº 169, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, que dispõe que o direito de consulta prévia a qualquer medida administrativa que venha a interferir nas terras indígenas, que hoje estão demarcadas, inclusive aquelas que estão em processo de demarcação, é a ferramenta que os povos indígenas têm de influenciar efetivamente o processo de tomada de decisões administrativas e legislativas que lhes afetem diretamente.
Dessa forma, para amenizar os conflitos decorrentes da expansão do setor elétrico e minerário, é fundamental que haja uma regulamentação clara do art. 231 da Constituição Federal e de forma detalhada a questão do direito de consulta que já é garantido pela Convenção da OIT 169.
Com relação à possibilidade de veto, a própria OIT nº 169 não o garante às populações indígenas, ou seja, a OIT admite que não existe possibilidade da população indígena vetar uma medida administrativa que seja levada adiante pelo governo federal e o PL parece seguir nessa
linha, garantindo apenas a oitiva das populações afetadas. Em todo caso, o que a Convenção presume é a necessidade de acordo entre o investidor e a população indígena. Em outras palavras, o que se espera como resultado dessas consultas, é que as medidas acordadas até a implantação do empreendimento caminhem no sentido de um consenso entre os povos indígenas afetados e a administração pública ou o empreendedor.
Por fim, para compatibilizar o interesse do país como um todo, que precisa da exploração dessa energia e dos recursos minerais para o seu crescimento econômico e também garantir que os direitos das populações que vivem nessas localidades realmente sejam respeitados, é fundamental conceder a essas comunidades o melhor tratamento possível, de uma forma muito antecipada durante a elaboração dos estudos feitos para o desenvolvimento dos potenciais hidrelétricos e minerais, para que haja a real possibilidade de participação direta dessa população na tomada de decisão a respeito da exploração econômica, dentro de seus territórios.