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HORA DA VERDADE PARA O STF

Por: Dr. Luiz Eduardo Leme Lopes da Silva*.

O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Poder Judiciário Brasileiro. Suas funções estão claramente definidas no artigo 102 da Constituição Federal e, dentre elas, encontra-se a competência para processar e julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador Geral da República.

É ainda sua função julgar nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Cabe, então, ao Supremo Tribunal Federal, examinar as leis que se aplicam a esse grupo de cidadãos, exercentes de funções elevadas na organização do Estado Brasileiro, para processar e julgar os mesmos quando a eles são imputadas práticas de crimes comuns, como tal entendidos aqueles previstos na legislação ordinária, que se diferem dos “crimes de responsabilidade”, que são os que se cometem no exercício da função para o qual foram guindados.

Esta explanação introdutória é necessária para que se possa avaliar, corretamente, o risco hoje existente, em julgamento em curso perante o STF de um único processo, cujo desfecho poderá causar danos irreversíveis à cidadania e ao próprio equilíbrio das regras constitucionais.

Acha-se em apreciação uma reclamação, que tomou o nº 2.138, onde se está apreciando (ou reapreciando) a condenação imposta a um cidadão, na ocasião dos fatos exercente do cargo de Ministro de Estado, a quem se imputou violação da regra legal inserta na Lei de Improbidade Administrativa, por ter se utilizado de bens públicos (aviões a jato da FAB) para desfrutar férias no território de Fernando de Noronha. Reconhecida sua culpa, ao mesmo foi aplicada a condenação de suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 (oito) anos, além da obrigação de ressarcir os cofres públicos pelas despesas indevidamente incorridas.

Claro está que a procedência de tal ação fará com que, além de safar o interessado da sanção que lhe foi imposta, seja aberta a porta para o cancelamento dos milhares de processos e inquéritos abertos contra exercentes de função pública, em razão da aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa (lei nº 8.429/92).

O que se está discutindo no processo em exame é saber se o agente político pode ser alcançado pela mencionada lei de Improbidade, que talvez melhor seria chamada se fosse conhecida como “Lei da Probidade Pública” pois determina condutas cuja violação transforma o violador em improbo e reconhece naquele que não adota práticas vedadas a qualidade da probidade.

O I. Ministro Carlos Velloso, que recentemente desfalcou o STF com sua aposentadoria, registrou no seu voto sobre a matéria que “isentar os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a administração pública”.

Ampara o raciocínio irretocável do I. Ministro Velloso a constatação simples de que dar eficácia máxima à lei que veda atos improbos é o caminho mais curto para que se tenha um combate efetivo, rápido e eficaz contra a corrupção que, para desespero e desencanto de toda a sociedade honrada, hoje grassa solta pela administração pública, como nos dá conta a sucessão de escândalos dos mais variados matizes e amplitude.

O problema que se vê – e que justifica o título dos presentes comentários – é que os I. Ministros do STF, em número de seis, que já manifestaram seus votos, o fizeram no sentido de que ‘não devam os agentes políticos ser submetidos aos princípios da lei de improbidade “, o que equivale dizer que aos mesmos está garantida a impunidade, a capacidade de não serem averiguados, investigados e punidos pelas instâncias inferiores, vez que limitada tal capacidade apenas aos ”crimes de responsabilidade”.

O que quero apontar é que tal decisão que se está desenhando configura verdadeira criação de uma classe especial de cidadãos, para quem não é válido o princípio constitucional de igualdade perante a lei, pois que lhes ficará assegurado o direito do não cumprimento da lei de improbidade. Sem falar, é claro, no direito ainda não prescrito de todos os eventualmente condenados, de pleitear a devolução das condenações em pecúnia que foram obrigados a ressarcir aos cofres públicos, em função da não aplicabilidade da lei que, assim, teria sido erroneamente utilizada em seu desfavor.

O processo acha-se, hoje, em poder do Ministro Joaquim Barbosa, que já por longo tempo exerceu função de Ministério Público, junto ao “parquet” federal. Certamente, com sua experiência e saber jurídico, haverá de alertar seus companheiros do Supremo, dos efeitos nocivos da decisão favorável à tese do recurso em exame. E, àqueles que já votaram, será então reaberta a oportunidade de melhor avaliação, modificando seu entendimento inicial e engrossando o caldo dos que querem, efetivamente, o incremento da moralidade no trato da coisa pública.

O que se está condenando, nesta crítica, é a mentalidade retrógrada que pretende garantir privilégios a grupos determinados. Melhor será, para todos, que se reconheça desde logo a inviolabilidade do princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, sejam quem forem, exercendo as funções ou cargos que transitoriamente ocupam.

Se assim não for, haverá, sempre, quem venha a desafiar a lei, a moral, os bons costumes, a probidade, enfim, acobertado pela interpretação de que, sendo quem são (ou melhor, ocupando transitoriamente a posição que ocupam) estão diferenciados dos demais cidadãos, gozando privilégios processuais como a não aplicabilidade da lei aos seus atos, ainda que contrários à ordem jurídica que informa o Estado Brasileiro, que pretendemos seja verdadeiramente um Estado de Direito.

George Orwell já registrou, na sua clássica crítica às estruturas sociais, a degenerescência decorrente do estabelecimento de privilégios. Em “A revolução dos bichos”, anotou o extraordinário autor inglês que o domínio da ordem jurídica pelo reconhecimento de privilégios, leva às distorções que violam direitos e registrou, no mundo da fábula, a evolução do princípio da igualdade, que acabou expresso na fórmula “ todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.

É para evitar que a burocracia estatal possa vir a se tornar a casta dos “mais iguais do que os outros” que, neste texto, chama-se a atenção da sociedade para a gravidade do tema em discussão.

Que tenha o STF, nesta hora em que está efetivamente questionado como protetor e defensor dos princípios constitucionais básicos que informam o Estado Brasileiro, a tranqüilidade e a sabedoria de não deixar prevalecer o retrocesso conceitual, criando privilégios que somente atrasarão e diminuirão a cidadania brasileira.

* Luiz Eduardo Lopes da Silva é advogado, pós-graduado em direito da empresa, sócio titular do escritório da LEXNET em São Paulo, Lopes da Silva e Guimarães – Advogados Associados e consultor jurídico de diversas entidades de classe.