Por: Luiz Eduardo Vidigal, do escritório Lopes da Silva e Guimarães -LEXNET de São Paulo.
È consenso. Nas clássicas discussões doutrinárias sobre tributação a matéria é excluída com a retumbante afirmação: “é absurdo, despropositado, anticientífico, ilógico e primário recorrer a argumento ligado ao destino que o estado dá aos dinheiros arrecadados, para disso pretender extrair qualquer conseqüência válida em termos de determinação da natureza específica dos tributos” .
Não é exatamente a destinação da arrecadação para a definição da natureza do tributo que queremos focar no presente artigo, não obstante haver séria argumentação no sentido de ser possível – ou mais, necessário – incluir a destinação como tal critério.
Nossa pretensão é simples. Afirmamos categoricamente que a não aplicação nos fins previstos dos valores arrecadados por meio de tributos vinculados é justificativa suficiente para o Poder Judiciário determinar a suspensão da cobrança, sem prejuízo da responsabilização dos chefes dos poderes executivos.
São vinculados os tributos cujo aspecto material da hipótese de incidência consiste numa atuação estatal , ou seja, taxas e contribuições.
É bem verdade que a destinação do dinheiro arrecadado é matéria que não pertine ao ramo que didaticamente convencionou-se chamar de “direito tributário”. Apesar disso não se pode esquecer que as relações jurídicas tributárias estão contidas em um sistema e se os produtos dessas relações não auferem suas finalidades sistemicas, é possível ao poder legitimado corrigir e coibir tal imperfeição.
Não se está falando aqui da questão da opção de aplicação da receita. Dentro de um regime democrático as prioridades de investimento serão auferidas conforme o plano do governo no poder. Tudo correto.
O que não pode ser admitido, apesar do peso da argumentação em sentido contrário, é o entendimento de que a destinação do dinheiro arrecadado com a cobrança de tributo vinculado pode ser desviada de sua finalidade, sem causar máculas à relação jurídica entre os contribuintes e o Estado.
Um tal entendimento, parece-nos, é construído conforme a melhor conveniência do momento, esquecendo-se que apesar de ser destacado para fins de estudo, o direito tributário integra um sistema jurídico único e, em que pese a princípio não ser relevante para definição da natureza do tributo, a destinação de sua arrecadação é fundamental para a auferição de sua finalidade sistêmica.
Assim, pouco importa se a discussão se dará no campo do direito tributário, administrativo, constitucional, financeiro, público ou privado etc, o importante é que são válidos os questionamentos judiciais sobre a constitucionalidade da aplicação das receitas dos tributos vinculados quando elas recebem tratamento diverso para o qual eles foram criados.
Tal raciocínio baseia-se especialmente na compreensão do sistema jurídico como sendo um sistema dinâmico capaz de reagir e adaptar-se ao ambiente no qual inserido.
Na verdade, a regra matriz de incidência tributária dos tributos vinculados tem não só uma norma de conduta que diz “contribuinte entregue pecúnia ao estado”, mas outra que diz “estado, aplique essa receita em determinado fim”.
O descumprimento normativo é inaceitável para o sistema e um ordenamento jurídico dinâmico contém mecanismos de correção para tal descumprimento. Evidente que tal mecanismo para o sistema jurídico é, necessariamente, a construção de uma norma nos moldes previstos pelas normas de produção normativa (as metanormas).
Certamente, uma das normas possíveis de serem construídas para casos como os acima referidos, são as decorrentes da expressão da jurisdição, decorrentes do Poder Judiciário e erigidas por conta de um devido processo judicial.
È a típica manifestação dos conhecidos pesos e contrapesos na tripartição de poderes lecionados por Montesquieu.
Sem prejuízo das afirmações acima, resta também a possibilidade de punir-se o administrador que deixou de aplicar os recursos aos fins previstos.
O importante e o que se destaca é que independente de tal punição, o Poder Judiciário é legitimado para determinar a suspensão da cobrança do tributo vinculado, caso a arrecadação não esteja sendo aplicada nos fins para os quais foi criada a exação.
Com a palavra os nobres colegas.
1 – Geraldo Ataliba, Hipótese de Incidência Tributária, 6ª ed., 3ª tiragem, p. 158, ed. Malheiros.
2 – Obra citada, p. 146