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Por Thamires Cascello de Almeida, advogada em Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, LEXNET Especialista em Direito Público
O dever de cooperação e o ônus da instrução probatória
Encontra-se superada a concepção do processo como um fim em si mesmo, passando a ser concebido como um instrumento, um meio de atingimento da pacificação social. Os pronunciamentos judiciais e as manifestações das partes não podem ser entendidos como mero cumprimento de formalidades, de modo que se deve, durante todo o desenrolar do feito, conceber os atos processuais como mecanismos de atingimento da resolução da controvérsia. Neste cenário, as partes devem cooperar para a superação do conflito, de modo a postularem com o objetivo precípuo de alcançarem a solução útil e tempestiva da controvérsia, aproximando-se da concepção social de justiça.
Essa necessidade de observância ao dever de cooperação, positivada no artigo 6º do Código de Processo Civil, efetiva-se através do exercício pleno do contraditório, capaz de proporcionar aos sujeitos litigantes a segurança de que o provimento jurisdicional será o mais justo e eficiente possível, pautado na apreciação da integralidade dos subsídios argumentativos trazidos ao conhecimento do poder estatal.
Sob essa ótica, compreende-se que o dever de cooperação se volta para a atuação dos sujeitos do processo para a boa marcha processual. Trata-se de um compromisso assumido pelas partes ao postularem em juízo, no sentido de que buscam nada além da pacificação da controvérsia, pautando-se em uma atuação que contribua para uma prestação jurisdicional célere e efetiva. Veda-se, assim, a utilização de subterfúgios processuais pelas partes, como a utilização de argumentos surpreendentes, confusos ou obscuros.
Essa colaboração das partes para com o processo não pode, contudo, ser confundida com a influência no direito material colocado sob julgamento. É dizer que o dever de colaboração não pode ser confundido com a cooperação entres as partes litigantes para o deferimento da pretensão inicial ou acolhimento da pretensão resistida.
Não se pode perder de vista que as partes litigam em juízo defendendo interesses próprios. O processo civil pressupõe interesses antagônicos, sendo a consequência lógica-jurídica dessa contraposição a pretensão resistida. As partes buscam influenciar a prestação jurisdicional em favor de seus interesses privados, apresentando os fatos e os fundamentos jurídicos de maneira tendenciosa. Nesse teor, é plenamente assegurado, a qualquer uma das partes, a garantia da não autoincriminação.
Essa garantia de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo pode ser depreendida do artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, que preconiza o direito ao silêncio. Está insculpida, ainda, no artigo 8º, item 2, alínea ‘g’, do Pacto de San José da Costa Rica, que caracteriza como uma garantia judicial o direito de o demandado não ser obrigado a confessar sua culpa.
O dever de colaboração, portanto, não pode ser utilizado como pretexto para a autoincriminação. Essa atuação colaborativa entre os sujeitos do processo encontra limite no objetivo comum dos litigantes: a obtenção de uma decisão de mérito justa e efetiva em tempo razoável. A cooperação restringe-se aos instrumentos de pacificação da controvérsia, de modo a não privar as partes de defenderem seus interesses perante o judiciário, ao passo que, enquanto o autor busca a satisfação de seu direito, o réu busca desvencilhar-se da pretensão autoral.
O dever de cooperação, assim, limita-se à efetivação do correto desenrolar do processo, de modo a não extrapolar para a seara do direito material. O dever de cooperação impõe a atuação dos sujeitos em prol da pacificação da controvérsia, enquanto a garantia da não autoincriminação impõe a observância das garantias da ampla defesa e do contraditório. Ambos se coadunam com a concepção moderna das instituições de direito processual civil, que preconizam o diálogo intermitente entre os sujeitos do processo em busca da resolução meritória do conflito colocado sob julgamento.