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Por Francisco Gabriel Pacheco Junior, advogado do escritório Rosa & Salomão Advogados, LEXNET RJ
O DIREITO AO “ESQUECIMENTO DIGITAL” E AS TÉCNICAS DE COMPLIANCE JURÍDICO NO ÂMBITO CORPORATIVO
Imagine a seguinte situação: você, um candidato extremamente qualificado a uma vaga de emprego no cargo de executivo de uma grande empresa, é aprovado com louvor em um processo seletivo após meses de entrevistas e testes. O investimento em sua carreira contemplou MBA no exterior, artigos acadêmicos brilhantemente escritos, cursos e árdua ampliação da sua rede de networking. Ao final, todavia, você é recusado pela multinacional sob o seguinte argumento:
– Sentimos muito, mas você não foi aprovado, pois consta nos sites de busca que há 18 anos você foi preso por porte de substância entorpecente.
– Bem… Eu era novo… Cursando graduação… Era imaturo e não previ as consequências do meu ato à época.
– Sim, mas qualquer um que acessar seu nome na Internet verá esta reportagem e o processo judicial e não é bom para a reputação de nossa empresa que um executivo do alto escalão tenha sido preso por porte de entorpecente.
A história narrada acima é real. Uma pessoa pode passar incólume por anos, mas se algo, uma foto, uma notícia, um processo judicial estiver disponível nos sites de busca, seu passado será acessado por um número ilimitado e inimaginável de pessoas por tempo indeterminado.
Na esfera corporativa o raciocínio não é diferente. Tomemos como base o exemplo de uma grande montadora japonesa de automóveis cujo CEO recentemente foi preso no Japão por suspeitas de sonegação fiscal. Como ficará a imagem desta empresa no futuro e por quanto tempo esta informação ficará registrada na eterna memória digital da internet? A questão não é tão simples.
Mas o que o esquecimento digital, empresas e técnicas de compliance têm em comum?
O termo compliance tem a origem no verbo inglês “to comply”, que significa “cumprir”, isto é, trata-se, resumidamente, de procedimentos aplicados no âmbito corporativo para que uma empresa cumpra todas as exigências legais, regulamentos internos e externos relativos às atividades que desenvolve. Em outras palavras, num contexto bem superficial, é a orientação, acompanhamento e desenvolvimento de medidas internas a fim de evitar sanções decorrentes do descumprimento da lei, sejam elas de natureza criminal, cível, trabalhista, ambiental ou até mesmo administrativa.
Noutro giro, o “direito ao esquecimento digital”, que tem o seu fundamento no Direito Constitucional (artigo 5º, X, CF/88), em linhas gerais, é o direito à eliminação do meio digital de informações que por algum motivo possam afetar a vida privada (privacidade), intimidade e honra de pessoas. A questão é recente, tendo o Superior Tribunal de Justiça se manifestado pela primeira vez no Recurso Especial nº. 1.660.168/RJ e ainda não há pacificação do assunto quando tais informações digam respeito às pessoas jurídicas. Até porque o há uma tênue e cinzenta distinção entre o direito ao “esquecimento digital” e a tentativa de censura.
Voltando ao exemplo da contratação do executivo citado acima, este se aplica perfeitamente às corporações, já que muito é investido de modo a transmitir a mais perfeita imagem para o mercado. Mais ainda com relação à empresas de capital aberto: há especial preocupação com investidores e as boas-práticas de Governança Corporativa.
O advogado especializado na área de compliance e que atua diretamente para uma pessoa jurídica, deve estar sempre atento no sentido de orientar a corporação a cumprir as determinações legais e evitar deslizes que possam macular tanto sua imagem, quanto a da empresa envolvida.
Exemplificando: a tarefa do advogado de compliance trabalhista, em síntese, é ter cautela em evitar que a imagem da empresa seja manchada com notícias de más condições de trabalho, labor escravo ou assédio moral; Ao compliance tributário, prevenção do envolvimento de sonegação fiscal; O criminal, lavagem de dinheiro, demais crimes financeiros e outras fraudes.
Como se vê, o “céu é o limite” para a atividade de compliance, mas o que deve ser o mais importante nesta seara além da prevenção de litígios e autuações é a preocupação constante que o advogado deve ter com a imagem da pessoa jurídica, já que a reputação de uma corporação e de seu corpo de sócios e diretores está intimamente ligada com sua valorização perante o mercado, ainda que este mercado não seja o de ações, mas tão somente o da opinião pública.
A elaboração de um “Código de Conduta” no ambiente corporativo, aplicação de boas práticas de Governança Corporativa e a criação de canais internos de denúncias são, dentre dezenas, exemplos práticos na tarefa do profissional de compliance a fim de prevenir hipóteses onde o “esquecimento digital” poderá macular a imagem da empresa.
Portanto, não há de fato uma consolidação da jurisprudência acerca do tema “esquecimento digital”, cabendo ao especialista em compliance demonstrar aos diretores os arriscados caminhos percorridos pela empresa e por eles mesmos, pois uma vez ultrapassados certos limites, dificilmente as informações disponíveis publicamente no seio da Internet poderão ser eliminadas, podendo causar prejuízos devastadores à reputação arduamente construída pela empresa.
Na era da informação, uma coisa é patente: escândalos empresariais têm largos espaços nos veículos de comunicação, o que nos leva a reformular leis e, sobretudo, hábitos. A integridade e a transparência devem ser incorporadas ao caráter – das pessoas, do cidadão e da empresa. Somente tendo especial cuidado consegue-se preservar o patrimônio moral das empresas.
Portanto, é inegável que a tarefa do compliance é árdua, já que não se trata, apenas, de tarefa jurídica, mas um trabalho que envolve aspectos como marketing, estratégia, relações interpessoais e, principalmente, visão global sobre os caminhos tomados pela empresa que poderão impactar sua imagem e de seus executivos no futuro.