Por: Carla Amaral Junqueira e Ana Cecília Lencioni – escritório LEXNET de SP/SP.
A patente, um dos mecanismos de proteção à propriedade industrial é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, que visa garantir ao titular o direito de excluir terceiros, sem sua prévia autorização, de atos relativos à matéria protegida, tais como fabricação, comercialização, importação, uso, venda, etc.
A lógica econômica da proteção conferida pela patente é que os lucros proporcionados pela licença de produção de um produto patenteado garantem ao detentor da patente o reinvestimento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, tornando-se portanto uma valiosa ferramenta de rentabilidade para a invenção e a criação industrializável, sendo certo que em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente.
No entanto, fatores econômico-sociais e de interesse público podem se sobrepor aos interesses econômicos incentivadores da pesquisa, criação e desenvolvimento industrial. Um exemplo é o famigerado conflito entre saúde pública X direito de exploração comercial.
Atualmente, está em voga a discussão acerca da portaria do governo brasileiro que autorizou a quebra da patente do Kaletra, produzido pelo laboratório americano Abbott. Nesse caso, é evidente a sobreposição de interesses, sendo que, de um lado, está o direito humano fundamental de acesso a remédios antiaids e, de outro, a necessidade de exploração comercial como forma de sustentar os investimentos em pesquisas a longo prazo.
No tocante à legalidade da medida tomada pelo governo, a Lei sobre Propriedade Intelectual brasileira (Lei 9279/96) estabelece em seu artigo 68 que o titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva. Outro fundamento está no art. 71 da mesma lei que autoriza a quebra da patente por motivos de saúde pública ou emergência nacional
Poder-se-ia considerar que o laboratório americano, ao se recusar a reduzir o preço do Kaletra, exerceu seu direito de explorar a patente de forma abusiva dando ensejo portanto à licença compulsória prevista na no art.68. Da mesma forma, é correto sustentar que os altos preços praticados pelos detentores de patentes tornam sua distribuição inviável pelo Ministério da Saúde, acarretando um problema de saúde pública e emergência nacional.
De uma forma ou de outra, existe, por motivo óbvios, oposição do governo dos Estados Unidos à medida. Essa situação aparece justamente apenas alguns meses antes da decisão americana de excluir ou não o Brasil do seu Sistema Geral de Preferências, por não estar cumprindo suas obrigações relativas à propriedade intelectual .
Somos acusados de praticar pirataria de CDs, DVDs e programas de computadores e, caso a quebra do Kaletra se confirme, os Estados Unidos terão mais um argumento contra o Brasil para excluí-lo do seu sistema de preferências tarifárias.
Até a presente data, ocorreram outras duas quebras de patentes em matéria de fármacos; uma no caso do viagra, pela China e a outra no caso do antraz, pelos próprios Estados Unidos, que na ocasião alegaram risco à saúde pública e emergência nacional, diante do risco terrorista e com somente 04 casos confirmados da doença no país.
No caso brasileiro, não há dúvidas que existe a necessidade de redução dos custos dos medicamentos para a manutenção do programa DST/AIDS. Nos resta portanto torcer para que as indústrias farmacêuticas do mundo inteiro não passem a olhar o Brasil com olhos virados e retirem os investimentos feitos no país. Afinal, não queremos consolidar a imagem de copiadores quando o que estamos fazendo é algo maior, é a proteção da VIDA.