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Comentários desativados em PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN.
Por Thales Motti Fernandes, advogado no escritório Saraiva Advogados Associados, LEXNET Especialista em Tributário Complexo
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN.
Recentemente o Supremo Tribunal Federal, por meio da relatoria da Ministra Cármem Lucia, iniciou o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 2.446, promovida pela Confederação Nacional do Comércio – CNC, a qual questiona a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional.
O parágrafo único, do art. 116 do CTN, foi trazido pela Lei Complementar nº 104 de 2001, sob a justificativa de se tratar de uma norma “antielisiva”, aqui compreendida e decorrente da clássica definição doutrinária de “elisão” como a ação lícita do contribuinte voltada à economia tributária, de maneira a evitar a realização do fato imponível contido na norma tributária. Eis o teor da norma:
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Todavia, entendeu a Min. Relatora, acompanhada de outros quatro Ministros, a saber, Marco Aurélio, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que não se trata de norma “antielisiva”, mas sim de dispositivo que cuida do combate à evasão fiscal.
Na ocasião, argumentou-se que a desconsideração permitida pela norma tributária está adstrita aos atos praticados pelo contribuinte que impliquem em dissimulação e ocultação da ocorrência do fato gerador.
Nos termos do próprio voto, assim arrematou a Ministra quando questionada se a norma impossibilitaria o planejamento tributário de pessoas físicas e jurídicas, in verbis:
[…] a norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas, e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada.
E nem poderia ser de outra forma, afinal, o direito ao planejamento tributário decorre do próprio princípio da liberdade e da livre iniciativa (art. 5º, XII e art. 170 da CF, respectivamente), conjuntamente com o princípio da legalidade (art. 5º, II), o qual consagra que ninguém será obrigado a deixar de fazer algo senão em virtude de Lei.
O propósito negocial consubstanciado na economia tributária, mas que esteja amparado num negócio ou ato jurídico válido, segundo critérios do Direito Civil, não permite que a autoridade administrativa venha a desclassificá-lo, porquanto materializado licitamente e previamente à ocorrência da obrigação fiscal. Interpretação contrária implicaria na possibilidade de o Fisco tecer conclusões subjetivas, especialmente no que diz respeito ao propósito do contribuinte, em frente a práticas admitidas e válidas perante a legislação cível.
Segundo Ferragut, não há, no nosso sistema tributário, qualquer norma que mencione o abuso de direito, de forma, e, tampouco do propósito negocial (business purpose) como impedimentos ao contribuinte, que visa perseguir a via menos onerosa. Arrematando, a professora menciona a tese do Prof. Ayres Barreto de que tais figuras foram recepcionadas por parte de nossa doutrina simplesmente porque são admitidas em ordenamentos estrangeiros, porque importam em conceitos abstratos e de difícil precisão e, por evidente, porque permitem à Fazenda a requalificação de fatos jurídicos, embora sem qualquer previsão em nossa legislação fiscal, exceto na rechaçada exposição de motivos da LC nº 104/2001.
Desse modo, a Ministra Relatora fez questão de consignar que a norma questionada não abre margem para interpretação econômica do fato gerador, e afasta, por conseguinte, a clássica doutrina que proclama a prevalência da substância e do conteúdo sobre a forma jurídica (substance over form) para fins tributários, o que sujeitaria determinadas transações ao alcance da tributação, ainda que, na sua forma adotada, não houvesse previsão de incidência.
Outrossim, fica compreendida a ideia de que o Estado, por meio da autoridade competente para o lançamento, não pode desconsiderar os institutos juridicamente previstos e aceitos nas demais leis, ainda que manifestem signos de riqueza tal qual os tipificados e alcançados pela legislação tributária, como pretendia a teoria da consideração econômica dos fatos, justamente por faltar qualquer espécie de autorização interpretativa nesse sentido.
Vê-se, portanto, a iminente consolidação de um entendimento que trata a norma contida no parágrafo único do art. 116 como “antievasiva”, cujo objetivo é compreendido pelo combate à atos ilícitos, comissivos ou omissivos, que visam exclusivamente a economia fiscal, mormente de fato gerador já ocorrido, por meio da ocultação do verdadeiro ato ou negócio jurídico realizado, passível de tributação.
O posicionamento da Ministra afasta a interpretação do dispositivo segundo doutrinas, de origens estrangeiras, que permitiam a requalificação jurídica do fato para fins de alcance fiscal, embora houvesse respaldo legal quanto à sua forma jurídica. Destarte, nada impede que o contribuinte escolha, desde que licitamente e dentre as escolhas existentes, a via menos onerosa sob o ponto de vista fiscal.
Por fim, cumpre destacar que a Ministra Relatora trouxe outro ponto categórico em seu voto, especialmente no que tange à eficácia limitada da norma, a qual, no seu entender, depende de lei ordinária – ainda não editada – para estabelecer o procedimento a ser adotado pela autoridade fiscal. Esse entendimento, espera-se, fortalece a corrente do CARF que reconhecia a nulidade das autuações que desconsideravam negócios jurídicos praticados pelo contribuinte com base no parágrafo único do artigo 116, embora não devidamente regulamentado.