Por: ADV. ARMANDO MORAES*.
I – INTRÓITO
Diversos Atos Declaratórios Executivos foram editados, excluindo milhares de micro e pequenas empresas do SIMPLES, obrigando-as ainda ao pagamento retroativo de tributos incidentes sobre suas atividades, aplicando-se-lhes as alíquotas e bases de cálculo correspondentes à atividade econômica equiparada a uma empresa cuja atividade possua faturamento superior ao limite legal estabelecido para o enquadramento na condição. Mormente a vedação legal à opção pelo regime tributário, inserta no inciso XIII do art. 9º da Lei Federal n.º 9.317/96, há que se verificar a legitimidade do Ato da Receita Federal, para efeitos tributários, haja vista que se nos afigura evidente a intenção arrecadatória e penalizante do fisco federal, ao arrepio de preceitos constitucionais tributários, que examinamos a seguir.
II – O PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E O ATO ADMINISTRATIVO COMO ESPÉCIE DO GÊNERO ATO JURÍDICO
Cediço que, em conformidade com as limitações constitucionais ao poder de tributar, somente mediante lei específica é que se pode exigir ou aumentar tributos. Não raras vezes, deparamo-nos com atitudes fiscais arrecadatórias que confrontam o princípio da estrita legalidade tributária. Por certo, o ato administrativo que declara a exclusão de empresas do SIMPLES é espécie do gênero ato jurídico, cujos pressupostos devem restar devidamente motivados, pena de nulidade.
A alínea “a”, do inciso II do art. 13, da Lei Federal n.º 9.317/96, revela flagrante incompatibilidade com sua própria definição, tendo em vista que a redação do caput do art. 9º dispõe que “Não poderá optar pelo SIMPLES, a pessoa jurídica”, ou seja, o controle da admissibilidade da opção ou não pelo sistema de recolhimento simplificado fica a cargo da autoridade fiscal, que jungida à lei, deve impor observância aos preceitos legais. O legislador tencionou excluir do sistema os contribuintes que dependam de habilitação profissional legalmente exigida, sem que para isso exista qualquer fundamento.
Verbera ainda a lei de regência, que não podem optar pelo SIMPLES “assemelhados”, sem a especificação típica do Direito Tributário, violando o princípio da legalidade e da taxatividade para dar vazão às exigências a critério da autoridade, e não das normas de direito tributário. Em outras palavras, o contribuinte fica ao bel prazer dos sabores ou dissabores das autoridades fiscais.
A inconstitucionalidade da exclusão é evidente em face do art. 146, inciso III, alínea “d” da Constituição Federal, inclusive frente à Emenda Constitucional n.º 42, que dispõe:
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Alínea acrescentada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003, DOU 31.12.2003, com efeitos a partir de 45 dias da publicação) (grifo nosso).
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:
I – será opcional para o contribuinte;
II – poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III – o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV – a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (NR) (Parágrafo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003, DOU 31.12.2003, com efeitos a partir de 45 dias da publicação).
Fácil perceber que a Constituição não definiu o que seja tratamento diferenciado ao micro e pequeno empresário, e assim não há como excluí-lo do SIMPLES, já que a norma constitucional menciona expressamente que o simples “favorecimento”, já significa um benefício, visando fomentar a atividade comercial daqueles que produzem receitas brutas nos limites legais. Ademais sobredita opção ao SIMPLES decorre de preceito constitucional, e como norma programática que é originou lei ordinária formal, mas materialmente complementar, levando em conta que a Lei Federal n.º 9.841/99 regulamentou os artigos 170, inciso IX e 179 da Constituição Federal. O que aparenta padecer de regulamentação é o que se denomina por tratamento diferenciado e favorecido. Desde o advento da Carta de 1988, o legislador olvidou definir isto, e quando o fez, editou lei ordinária. Como a interpretação da Constituição deve ser sistemática e as normas constitucionais tributárias asseveram a limitação do Estado ao poder de tributar, somos forçados a reconhecer e reforçar que a Lei Federal n.º 9.841/99 é formalmente lei ordinária, e materialmente complementar, segundo o eminente Min. Moreira Alves.
III – O CARÁTER PESSOAL DOS IMPOSTOS E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
A literalidade do verbo “favorecer” significa proporcionar favor, auxílio, ajuda, apoio. Portanto, o fato da exclusão, mediante ato administrativo, contraria a finalidade teleológica da norma constitucional: a manutenção de benefícios fiscais para as micro e pequenas empresas, visando gerar renda e empregos. Eros Grau já preconizava que:
118. O último dos chamados princípios de ordem econômica é o do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país (art. 170, IX, na redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional n.º 6/95). O preceito originariamente referia tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. Trata-se, formalmente, de princípio constitucional impositivo (Canotilho), já que a Constituição como princípio o tomou; daí o seu caráter constitucional conformador. Não consubstancia, no entanto, como os demais princípios da ordem econômica, uma diretriz (Dworkin) ou norma-objetivo. Ainda assim, fundamenta a reivindicação, por tais empresas, pela realização de políticas públicas. De resto, está parcialmente reproduzido no preceito inscrito no art. 179. O princípio estabelece proteção em favor de empresas de pequeno porte, desde que tenham sido constituídas sob as leis brasileiras e tenham sede e administração no País, constituindo, em termos relativos, porém, “cláusula transformadora”.
Ora, se a norma constitucional, de cunho programático, fixa a diretriz para a consecução dos fins a que se destina, não pode o Poder Executivo, por ato próprio, excluir da atividade do SIMPLES aquelas empresas que atenderam aos requisitos de opção, pela absoluta inexistência de lei posterior regulamentando a matéria, até porque não se pode dizer quais atividades são abrangidas pelas categorias profissionais, tendo em vista a necessidade de verificação física de cada uma delas.
O que se diz é que excluindo, a seu critério, as empresas do regime de tributação originado pela Lei Federal n.º 9.317/96, o Poder Executivo está a atentar contra o princípio da capacidade contributiva e do caráter pessoal dos impostos, especialmente pela imposição do pagamento retroativo dos tributos devidos desde o momento em que se opera a exclusão aos contribuintes que tenham atividade considerada “vedada” a permanecer no SIMPLES. E a limitação constitucional ao poder de tributar evidencia a plausibilidade do argumento, conforme parágrafo primeiro do art. 146 da Carta Constitucional:
§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Para consideração dos efeitos legais, dispõe o art. 2º da Lei Federal n.º 9.317/96:
Art. 2º. Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I – microempresa, a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais);
II – empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta superior a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) e igual ou inferior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais). (NR) (Redação dada ao inciso pela Lei nº 9.732, de 11.12.1998, DOU 14.12.1998)
§ 2º. Para os fins do disposto neste artigo, considera-se receita bruta o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.
Art. 3º. A pessoa jurídica enquadrada na condição de microempresa e de empresa de pequeno porte, na forma do artigo 2º, poderá optar pela inscrição no Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES.
Evidente a tipicidade que caracteriza o pressuposto de opção ao regime tributário: a receita bruta anual. O legislador não disse em momento algum que seriam vedadas as atividades profissionais específicas, não se podendo excluir uma micro ou pequena empresa do regime, a teor e conteúdo de uma condição “assemelhada” à empresa que tenha em seus quadros societários, integrantes de profissão cuja habilitação seja legalmente exigida, ampliando o rol legalmente estatuído.
Assim, excluir indiscriminadamente, e ainda cobrando retroativamente os tributos decorrentes de fatos geradores pretéritos, é uma sanção que não pode nem deve ser imposta ao contribuinte, mormente o mesmo não tenha dado causa direta ou indiretamente ao fato da exclusão, a juízo da autoridade administrativa.
Se a exclusão se der pela vedação ao exercício da atividade comercial a juízo próprio da autoridade, em prejuízo direto da tributação simplificada, em face da opção do contribuinte ter sido realizada por ocasião da receita bruta anual, estaremos diante do malferimento do princípio da capacidade contributiva e da isonomia tributária, vez que o contribuinte excluído, além de pagar retroativamente os tributos devidos à época da exclusão, passará a ter a tributação correspondente a empresas de grande porte, que pagarão os mesmos tributos, com as mesmas alíquotas e as mesmas bases de cálculo, em conseqüência, os que menos faturam pagarão mais tributos do que aqueles que faturam em maiores valores.
Referida disposição coaduna-se com o preceito de capacidade contributiva, visando inclusive à desoneração das empresas de porte financeiro e econômico menor, para beneficiá-las com a redução da carga tributária. A respeito do assunto, o jornalista Marcos Seabra noticia que:
Nunca as pequenas e médias empresas tiveram tanta importância na economia brasileira. Atualmente, já respondem por 20% de toda a riqueza anual produzida no país, quase R$100 bilhões. Também são imbatíveis no capítulo trabalho. Empregam cerca de 25 milhões de pessoas com carteira assinada e foram responsáveis por 90% dos postos criados nos últimos anos. Têm uma participação nas exportações brasileiras muito maior do que se imagina. De tudo o que o Brasil vende lá fora, 14% dos produtos saem dos micronegócios.
Em estatísticas apontadas pelo SEBRAE, BNDES e IBGE, os dados são relevantes para o mercado nacional:
a) há no país mais de 4 milhões de pequenas e média empresas formais;
b) elas respondem por cerca de 45% dos empregos com carteira assinada;
c) calcula-se que existam mais de 9 milhões de empreendimentos informais;
d) eles são responsáveis por 20% do Produto Interno Bruto (PIB) – US$ 98,6 bilhões.
Se as evidências indicam que as microempresas e empresas de pequeno porte estão atendendo o escopo constitucionalmente positivado, qual seja, o de fortalecer o desenvolvimento econômico e social, presume-se que, com a exclusão, o fisco pretende na verdade aumentar a arrecadação, causando prejuízos diretos ao segmento das ME´s e EPP´s.
IV – TRIBUTAÇÃO RETROATIVA COM EFEITO CONFISCATÓRIO
O magistério de Hugo de Brito Machado verbera que:
Assim, tributo com efeito de confisco é tributo que, por ser excessivamente oneroso, seja sentido como uma penalidade. É este o entendimento de que se pode extrair da lição de Cláudio Pacheco, para quem ‘vigora um princípio básico em relação ao tributo e que é aquele pelo qual nunca se deve expandir ou crescer até afetar a atividade ou a produção da pessoa ou entidade tributada, quando esta atividade ou produção é de proveito ou de benefício coletivo. Assim o tributo não deve ser antieconômico ou anti-social, nem pela sua natureza nem pelas bases de sua incidência, de seu lançamento ou de sua cobrança. Ele nunca deve ser criado, calculado ou cobrado de modo a prejudicar, tornando ineficiente, ainda menos paralisando ou obstruindo, a atividade produtiva do contribuinte, desde que esta atividade se possa reputar como benéfica à sociedade’.
A cobrança com efeito retroativo dos tributos, tem efeitos confiscatórios, sob o aspecto da capacidade contributiva, malferida pelo Poder Executivo, até porque os contribuintes não deram causa à exclusão da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte.
Na mesma esteira, preconiza Brun Goldschmidt :
Não se trata, portanto, de vedar o confisco, pois confisco em nada se assemelha com tributo, mas de evitar a tributação que, por excessiva, redunde em penalização. Penalização injusta, frise-se, porque ausente qualquer ato do contribuinte que contrarie o ordenamento jurídico e, assim, justifique a imposição de sanção. Como ensina Aires Barreto: “Seria equivocado dizer, pois, ´é vedado o confisco´. O que se proíbe é que, por via da exigência do tributo, obtenha-se resultado cujo efeito seja equivalente ao do confisco.
A penalização de que se fala seria justamente a perda da propriedade, que seria confiscada pela tributação exagerada. Isso porque “confiscatório é o tributo que aniquila a propriedade privada, atingindo-a na sua substância e essência”. O tributo com efeito de confisco é aquele que afronta a sua própria natureza jurídica e converte a hipótese de incidência em mero pretexto para a tomada do patrimônio do contribuinte, sem indenização e sem que ao mesmo seja imputado qualquer ilícito.
(…)
Ou seja, a noção de “efeito de confisco”, destina-se a atacar não somente o confisco disfarçado de tributação, mas também toda imposição que, mediata ou indiretamente, redunde na supressão de parte substancial da propriedade. Casanova explica que se deve entender por efeito jurídico a produção de uma determinada modificação no mundo jurídico ou de uma determinada alteração nas situações jurídicas preexistentes. E o confisco, como efeito, pode produzir-se por diversas formas (entre elas, é claro, através do próprio instituto do confisco), independentemente da intenção do legislador de efetivamente confiscar a propriedade. O efeito confiscatório, segundo o autor, produzir-se-á por qualquer tipo de medida, sancionatória ou não, que redunde numa situação patrimonial tal ao sujeito passivo, que seja similar à que resultaria aplicar-lhe uma pena confiscatório em sentido estrito.
Facilmente infere-se, volvendo ao fato da exclusão das micro e pequenas empresas, que o efeito retroativo, como imposição tributária, sem qualquer prática de ilícito por parte do contribuinte, vez que o mesmo não atuou no sentido de ser excluído do SIMPLES, é ilegítima e afronta diretamente o princípio da vedação ao confisco.
Urge salientar o que dispõe os seguintes artigos do CTN:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21. 26, 39, 57 e 65;
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.(grifos nossos).
Discrepa do parágrafo primeiro do art. 97 do CTN, o ato declaratório excludente, posto que este, modificando sutilmente a base de cálculo dos tributos, pela exclusão de um regime tributário cujo tratamento favorecido está constitucionalmente positivado, e impondo a migração para outro mais oneroso, implica em majorar, indiretamente, a base de cálculo dos tributos.
Se o faturamento da micro e pequena empresa permanecer o mesmo para uma tributação maior, a onerosidade é evidente, pois a hipótese de incidência perfectibilizará um aumento da tributação.
Além disso, fosse somente a exclusão da tributação simplificada, o contribuinte poderia até planejar sua atividade para a incidência de alíquotas maiores e para o pagamento individualizado dos tributos. No entanto, com a exclusão do SIMPLES, automaticamente a micro e pequena empresa estará distante dos benefícios e incentivos fiscais positivados pela Lei Federal n.º 9.841/99, tais como procedimentos simplificados para o cumprimento da legislação previdenciária e trabalhista, linhas de crédito específicas como apoio creditício, treinamento, desenvolvimento gerencial e capacitação tecnológica nas articulações de operações de financiamentos, mecanismos de incentivos fiscais e financeiros, de forma simplificada e descentralizada, levando em conta a capacidade de geração e manutenção de ocupação e emprego, potencial de competitividade e capacitação tecnológica.
A dicção do art. 1º da referida lei, leva ao entendimento da amplitude da condição de microempresa e empresa de pequeno porte:
Art. 1º Nos termos dos artigos 170 e 179 da Constituição Federal, é assegurado às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado e simplificado nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial, em conformidade com o que dispõe esta Lei e a Lei nº 9.317, de 05 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.
Parágrafo único. O tratamento jurídico simplificado e favorecido, estabelecido nesta Lei, visa facilitar a constituição e o funcionamento da microempresa e da empresa de pequeno porte, de modo a assegurar o fortalecimento de sua participação no processo de desenvolvimento econômico e social.
A confusão é tamanha, tendo em vista que a lei posterior definiu novamente o que seja uma microempresa e empresa de pequeno porte, fixando as regras para enquadramento e desenquadramento, muitas vezes colidentes com os dispositivos da Lei Federal n.º 9.317/96. O ato declaratório excludente está, portanto, a desvirtuar a finalidade da Lei Federal n.º 9.841/99, como corolários dos arts. 170 e 179 da Constituição Federal. E mais. Está a penalizar, pela via reflexa, o contribuinte enquadrado na condição de microempresa e empresa de pequeno porte. A figura típica do que se denomina de “pena”, no caso em tela, é uma sanção política que está a ser imposta às ME´s e EPP´s, posto que implicam em indevida restrição ao direito de exercer a atividade econômica, que independe da autorização de órgãos públicos, além de configurar uma exigência sem o devido processo legal, com grave violação ao direito de defesa do contribuinte, posto que a autoridade que impõe a restrição não é competente para apreciar se a exigência do tributo ou se a condição da empresa é de enquadramento ou não, ou se é legítima ou ilegítima.
V – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE SANÇÃO ADMINISTRATIVA AO CONTRIBUINTE
A pretexto da temática, a cobrança retroativa dos tributos está na iminência de ocorrer, e o Poder Executivo sinaliza que referida cobrança será realizada com incidência de juros e correção monetária. Suscitando-se a incidência do art. 13 da Lei Federal n.º 9.317/96, tem-se que:
Art. 15. A exclusão do SIMPLES nas condições de que tratam os artigos 13 e 14 surtirá efeito:
I – a partir do ano-calendário subseqüente, na hipótese de que trata o inciso I do artigo 13;
II – a partir do mês subseqüente ao que incorrida a situação excludente, nas hipóteses de que tratam os incisos III a XIX do art. 9º; (NR) (Redação dada ao inciso pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 24.08.2001, DOU 27.08.2001, em vigor conforme o art. 2º da EC nº 32/2001)
III – a partir do início de atividade da pessoa jurídica, sujeitando-a ao pagamento da totalidade ou diferença dos respectivos impostos e contribuições, devidos de conformidade com as normas gerais de incidência, acrescidos, apenas, de juros de mora quando efetuado antes do início de procedimento de ofício, na hipótese do inciso II, b, do artigo 13;
IV – a partir do ano-calendário subseqüente àquele em que for ultrapassado o limite estabelecido, nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 9º;
V – a partir, inclusive, do mês de ocorrência de qualquer dos fatos mencionados nos incisos II a VII do artigo anterior.
§ 1º. A pessoa jurídica que, por qualquer razão, for excluída do SIMPLES deverá apurar o estoque de produtos, matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem existente no último dia do último mês em que houver apurado o IPI ou o ICMS de conformidade com aquele sistema e determinar, a partir da respectiva documentação de aquisição, o montante dos créditos que serão passíveis de aproveitamento nos períodos de apuração subseqüentes.
§ 2º. O convênio poderá estabelecer outra forma de determinação dos créditos relativos ao ICMS, passíveis de aproveitamento, na hipótese de que trata o parágrafo anterior.
§ 3º. A exclusão de ofício dar-se-á mediante ato declaratório da autoridade fiscal da Secretaria da Receita Federal que jurisdicione o contribuinte, assegurado o contraditório e a ampla defesa, observada a legislação relativa ao processo tributário administrativo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.732, de 11.12.1998, DOU 14.12.1998)
§ 4º. Os órgãos de fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social ou de qualquer entidade convenente deverão representar à Secretaria da Receita Federal se, no exercício de suas atividades fiscalizadoras, constatarem hipótese de exclusão obrigatória do SIMPLES, em conformidade com o disposto no inciso II do artigo 13. (NR) (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.732, de 11.12.1998, DOU 14.12.1998)
Art. 16. A pessoa jurídica excluída do SIMPLES sujeitar-se-á, a partir do período em que se processarem os efeitos da exclusão, às normas de tributação aplicáveis às demais pessoas jurídicas.
A sanção tributária está a ser aplicada por força da exclusão de ofício, a critério exclusivo da autoridade fiscal, passando esta a impor a tributação aplicável às demais pessoas jurídicas, a partir da data dos efeitos da exclusão.
Hugo de Brito Machado define sanção administrativa tributária como:
Sanção tributária é a punição fixada na lei para o contribuinte que deixar de pagar o tributo (corretamente dimensionado) no dia fixado na legislação tributária, recebendo uma sanção moratória, ou que deixar de cumprir o seu dever jurídico tributário por erro ou fraude, com punição repressiva.
Para Carlos Cintra assim a define:
Contudo, no contexto in examine, sanção deve ser admitida como sendo a medida atrelada à ocorrência de desatendimento de dever jurídico(infração), que visa a desestimular a adoção de tais condutas ilícitas, ou então a minimizar as prejudiciais conseqüências oriundas do descumprimento de prescrições normativas.
Já Zelmo Denari define a infração tributária como sendo a:
Violação das normas jurídicas que disciplinam o tributo, seu fato gerador, suas alíquotas ou base de cálculo, bem como no descumprimento dos deveres administrativos do contribuinte para com o Fisco, tendentes ao recolhimento do tributo, aludindo-se, numa outra hipótese, às infrações tributárias materiais e formais.
A doutrina é unânime em reconhecer que uma sanção deriva de um ilícito administrativo praticado pelo contribuinte, a qual, por sua vez, figura como penalidade a este. A teor do assunto, o art. 112 do CTN verbera que:
Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:
I – à capitulação legal do fato;
II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;
III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.
Indaga-se, entretanto, se existe algum ilícito administrativo, a ensejar a aplicação da penalidade de pagamento retroativo dos tributos.
Parece-nos que não. Quando da edição da Lei Federal n.º 9.317/96, vários contribuintes passaram a desenvolver atividades comerciais sob a égide da tributação simplificada, com o acolhimento do pedido de adesão por parte do órgão competente do Poder Executivo, ou seja, à época, o próprio ente arrecadador não impôs óbices à tributação simplificada. Com o advento da Lei Federal n.º 9.841/99, houve uma consolidação em massa da abertura de microempresas e empresas de pequeno porte. Somente em 2004, é que o ente tributante passou a emitir atos declaratórios, fundados na vedação da continuidade da tributação simplificada sob o argumento de que a “atividade é vedada”. Não há, por conseguinte, nenhuma diretriz legal embasando tal ato, que fica a critério subjetivo da autoridade fiscal de atribuir vedação ou não à atividade, sem apresentar sequer o fundamento legal do fato da exclusão, e não da exclusão em si mesma.
Se não há qualquer ato ilícito por parte do contribuinte para que este seja excluído da tributação simplificada, é ilegítima a cobrança retroativa dos tributos à época da suposta vedação, a exclusivo critério da autoridade fiscal, uma vez que abusa da autoridade e constrange o contribuinte a recolher tributos sob bases de cálculos diferenciadas e majoradas, em período pretérito sem que este sequer tenha dado causa à sua exclusão do regime.
CONCLUSÃO
Ao final do presente artigo e pelo raciocínio jurídico nele desenvolvido, chegamos às seguintes conclusões:
1. O contribuinte optante do SIMPLES, anteriormente aos atos declaratórios excludentes, tem direito a permanecer no regime em face do atendimento dos requisitos à época da opção, haja vista que não há lei posterior específica acerca das condições de exclusão do regime de tributação simplificada, vigorando a garantia constitucional do tratamento favorecido.
2. A cobrança retroativa de tributos por força de ato declaratório é ilegítima, em vista da ausência de lei definindo critérios de cobrança.
3. A limitação constitucional ao poder de tributar, qual seja a de utilizar tributo com efeito de confisco, não está adstrita às possibilidades de criação de tributos, mas abrange todas as formas que imponham onerosidade e invasão na propriedade e bens do contribuinte, ao arrepio das normas e princípios constitucionais.
4. É ilegal a cobrança de tributos retroativamente, como sanção administrativa, pelo simples fato de que o contribuinte não deu causa à sua própria exclusão, que ficou a cargo de critério subjetivo da autoridade fiscal, sem qualquer respaldo legal para tanto.
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autor: ARMANDO MORAES
Advogado em Fortaleza/CE.
Integrante da banca IMACULADA GORDIANO ADVOGADOS ASSOCIADOS S/S, associado da rede LEXNET.
Pós-Graduado em Direito Processual Civil – UNIFOR 2001
Pós-Graduado em Direito e Processo Tributários – UNIFOR 2003
Pós-Graduando LLM(Legal Law Master) em Direito Empresarial – IBMEC/USP/BOLSA DE VALORES – 2005
Aluno da IX Turma da Escola de Formação de Governantes.
Instrutor de Competências Interpessoais da DALE CARNEGIE TRAINING(r).