Por: Luiz Eduardo Leme Lopes da Silva, sócio de Lopes da Silva & Associados, LEXNET São Paulo.
Uma vez mais, o Supremo Tribunal Federal é chamado a manifestar-se sobre questão fundamental para o desenvolvimento do país.
Trata-se, agora, de avaliar a constitucionalidade da lei que faculta a pesquisa com células tronco. Tais pesquisas estão ou não em conformidade com as regras básicas do Estado Brasileiro? Mais especificamente, o que se está discutindo é o artigo 5.º da Lei 11.105, de 24.03.2005, chamada Lei de Biosegurança, que dispõe: Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:I –sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3(três) anos, contados a partir da data de congelamento.§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.§ 2oInstituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.”
Apenas para situar o leitor, lembra-se que a lei foi aprovada nas condições acima transcritas e que se acham congelados desde antes do 14.º dia de sua formação (limite tido pela maioria dos cientistas como prazo inicial para início da formação do sistema nervoso), aguardando seu “descarte” ou destruição. Acrescente-se, ainda, que tais zigotos somente existem pela intervenção artificial do Homem, que os produzem na ausência de capacidade do casal em produzir a fecundação pelo processo natural.
Contra tal autorização legal opôs-se o então Procurador Geral da República, Cláudio Fontelles que manifestou Ação Direta de Inconstitucionalidade, pretendendo haver, no texto legal, violação à regra Constitucional consistente na proteção do nascituro, desde a concepção. Neste mister foi secundado pelo atual Procurador Geral Antonio Fernando de Souza, que trouxe a Ação Direta a julgamento.
Contra tal entendimento já se manifestou, em voto de notável qualidade, o Ministro Relator Carlos Ayres Brito , no que foi secundado pela Ministra Ellen Gracie. No momento o julgamento está interrompido, com o pedido de vista manifestado pelo Ministro Carlos Alberto Direito que chegou recentemente à Suprem Corte com a visão da sociedade de tratar-se de homem conservador, também de profunda convicção religiosa e que, agora, terá que decidir entre sua posição autônoma de jurista e sua fé pessoal . Confronto difícil e, possivelmente, gerador da perda de foco sobre o assunto.
O tema é polêmico porque, em sua discussão, envolve-se sempre a convicção religiosa pessoal, especialmente para os que seguem a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana. Segundo seu entendimento, ainda recentemente novamente consagrada por encíclica papal, a tão só fecundação do óvulo pelo espermatozóide, formando o ovo, já cria a vida e assim, obrigatória a proteção deste ser pois se assim não for, haverá a violação do mandamento bíblico: “não matarás”.
De outra parte, acumulam-se argumentos em contrário, dos quais tentaremos resumir seus aspectos principais, vez que se acham desenvolvidos longamente nos votos já proferidos pelos Ministros que já se manifestaram no julgamento.
Registre-se, em primeiro lugar, que a ciência hoje é capaz de determinar com exatidão e aceitação universal o final da vida: quando encerram-se as atividade cerebrais, tem-se como morto o ser humano de que se trata. E, assim, interrompidas as funções cerebrais, já se autoriza a retirada de órgãos para transplantes pois se sabe, além de qualquer dúvida, que a vida não mais voltará àquele indivíduo.
Pois bem, se assim é, tem-se que o zigoto antes do 14.º dia sequer começa a formação das células nervosas. Assim, se a paralisação do sistema neural é marco da morte, sua inexistência deve ser a prova da inexistência a vida.
De outra parte, é necessário dizer-se que tais ovos não tem qualquer condição de desenvolvimento. Não aproveitados para implante na mãe, o que fazer deles agora? Tal como estão, congelados, não se vão desenvolver. E não há como fazê-lo crescer até atingir o estágio do surgimento da vida e viabilização do ser que apenas potencialmente representaria. Isto porque não há como se obrigar a mãe a receber novo implante do ovo desprezado e que, assim, não se vai transformar em nada que não em lixo biológico, a ser “descartado” por falta de serventia.
O debate, então, resumiu-se na contraposição de duas posturas antagônicas: para os que crêem na licitude do procedimento o ovo descartável é apenas uma pessoa no seu estágio de embrião, portanto, e não um embrião a caminho de ser pessoa.Para os opositores, trata-se já de uma pessoa completa, com todas as suas características genéticas já definidas.
O relator, ao reconhecer o direito à pesquisa científica contido na Constituição ( art. 5.º, inciso IX) viu nas células tronco “aquelas tidas como de maior plasticidade ou superior versatilidade para se transformar em todos ou quase todos os tecidos humanos, substituindo-os ou regenerando-os nos respectivos órgãos e sistemas. Daí, decretou a deliberada busca da supremacia em si da argumentação e dos processos lógicos (“Não me impressiona o argumento de autoridade, mas, isto sim, a autoridade do argumento”, ajuizou Descartes), porquanto superador de todo obscurantismo, toda superstição, todo preconceito, todo sectarismo. O que favorece o alcance de superiores padrões de autonomia científico-tecnológica do nosso País, numa quadra histórica em que o novo eldorado já é unanimemente etiquetado como “era do conhecimento”.
Assim entendendo, o I. Ministro Carlos Ayres Britto deu importante passo para evitar a discussão descabida entre o desenvolvimento da ciência e a crença individual de alguns. Respeitado o direito de liberdade de crença, há também que se respeitar o direito de milhões de pessoas detentoras de defeito em ter esperança de que tais pesquisas avancem para melhorar sua qualidade de vida. Esperemos que os demais Ministros vejam a questão por este prisma, valorizem o Estado laico e defendam a vida, permitindo as pesquisas da espécie.