Por: Edson José de Barcellos*.
A matéria de Compensação Civil encontra-se contemplada nos artigos 368 a 380, do novo Código Civil Brasileiro, dispondo anteriormente o artigo 374, que “A matéria da compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais, é regida pelo disposto neste Capítulo”.
A Lei Federal nº 10.677, de 22.05.2003, revogou o revolucionário artigo 374, do novo CC, todavia, de forma inconstitucional.
Antes da entrada em vigor do novo CC, o Governo Federal tentou revogar seu artigo 374, através do artigo 44, Medida Provisória nº 75, de 24-10-2002, rejeitada pelo Plenário da Câmara dos Deputados (DOU de 19-12-2002), subsistindo a vigência do citado artigo 374, do CC.
Próximo à entrada em vigência do novo diploma substantivo, o Governo Federal voltou à carga, editando a Medida Provisória nº 104, de 09.01.2003, convertida na Lei Federal nº 10.607, de 22-05-2003, aprovada pelo Congresso Nacional, revogando o artigo 374 do vigente Código Civil.
Assim, é patente a inconstitucionalidade da Lei Federal nº 10.607/03, porque: a uma, fruto de reedição de nova MP ocorrida na mesma sessão legislativa (a cada um dos quatro anos em que se divide uma legislatura) em que a MP nº 75, de 24-10-2002, havia sido rejeitada, ocasião em que esta perdeu sua eficácia por decurso de prazo (art. 62, § 10, CF); a duas: porque nos comentários do jurista Mário Luiz Delgado Reis (in novo Código Civil Comentado, Ricardo Fiuza, 4ª. Edição, pág. 339) “discute-se, atualmente, a constitucionalidade de utilização de medida provisória para revogação de dispositivo de Código, em face do que dispõe o artigo 64, § 4º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual os prazos estabelecidos para a tramitação do projeto de lei em regime de urgência não se aplicam aos códigos, de modo que, não se podendo impor ao Congresso Nacional regime de urgência para a apreciação de projetos de código, resta evidente que estes não podem ser objeto de medida provisória, uma vez que o art. 62 da Constituição Federal colocou, ao lado da relevância, a urgência, como requisito essencial para o exercício da competência legislativa excepcional”.
A consagrada Maria Helena Diniz (Código Civil Anotado, Editora Saraiva, 11ª. edição), ao comentar a “revogação” do artigo 374, do vigente Código Civil Brasileiro, observa, a esse respeito, na citação de Mário Luiz Delgado, “que, como a compensação é uma só, não há necessidade de remeter a dos débitos fiscais para a lei especial, quando a Fazenda Pública for devedora, visto ser corolário do direito de propriedade. Por isso, a administração fazendária, continua ele, não poderá negar ao contribuinte credor o seu direito à compensação do indébito tributário.
Continuando, Maria Helena Diniz ainda citando Mário Luiz Delgado, sustenta que, “mesmo após a revogação do art. 374, a compensação legal de tributos obedeceria e seria regida pelo Código Civil, uma vez que a simples revogação do dispositivo não implicaria a repristinação do art. 1.017 do Código Civil de 1916, definitivamente extirpado do nosso ordenamento jurídico. E por haver desaparecido a proibição constante do Código anterior, a outra conclusão não se há de chegar, senão a de que as normas gerais sobre a compensação, constantes da lei posterior (novo Código Civil), lei essa que regula completamente a matéria, revogando, pois, as anteriores no que com ela conflitarem, aplicar-se-ão, igualmente, às dívidas fiscais e parafiscais”.
Já na lição dos notáveis Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código Civil Anotado, 2ª. Edição 2003, Editora Revista dos Tribunais), ao abordarem a inconstitucionalidade da revogação do artigo 374, do novo Código Civil Brasileiro, entendem: “5. Revogação inconstitucional. A revogação da norma ora comentada pela MedProv 104/03 é inconstitucional, de modo que é inoperante e não produz efeito, razão pela qual continua em vigor o CC 374. É inconstitucional porque fruto de reedição pelo Presidente da República, procedimento absolutamente vedado pela CF 62 § 10 (§ 10: “É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”). MedProv é instrumento legislativo de exceção e, portanto, tem de ser interpretada de forma restritiva (Nery-Nery, CPC Coment. coment. CF 62: Bulos, CF Anot. P. 787). A CF 62 § 10 proíbe que o Presidente da República reedite, na mesma sessão legislativa (“cada um dos quatro anos em que se divide uma legislatura” – Farhat. Dicionário, verbete “sessão legislativa”, p. 902), medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional. A MedProv 75/02 44, que revogava o CC 374 mesmo antes de ele haver entrado em vigor, foi expressamente rejeitada pelo Plenário da Câmara dos Deputados (Ato de 18.12.2002, DOU 19.12.2002), em sessão convocada extraordinariamente, depois de já encerrada a sessão legislativa ordinária, que vai de 15.2 a 30.6 e de 1º.8 a 15.12 de cada ano (CF 57 caput). O Presidente da República estava proibido pela CF 62 § 10 de reeditar matéria (revogação expressa do CC 374) por medida provisória (MedProv 104/03) que repete artigo de outra medida provisória (MedProv 75/02 44), que já havia sido rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional. Editou a MedProv 104/03 em 9.1.2003 (DOU 10.1.2003), antes de iniciar-se a 52ª. Legislatura (1º.2.2003 – 31.1.2007), com a “sessão preparatória” dos deputados federais, em 1º.2.2003 (RICâmDep 4º) ou sua primeira “sessão legislativa” (15.2.2003 – CF 57 caput), dentro, portanto, do período de proibição a que se refere a CF 62 § 10. Sendo evidente e indiscutível a inconstitucionalidade da MedProv 104/03, configura-se em um nada jurídico desprovido de eficácia, de modo que não teve aptidão para revogar o CC 374. De conseqüência, a compensação em matéria tributária é regulada pelo sistema do Código Civil. V. Nery-Nery, CPC Coment. coment. CF 62).
Depreende-se, assim, serem válidas as compensações civis por auto lançamento contábil, eis que a revogação do artigo 374 do novo Código Civil Brasileiro pela inconstitucional medida Provisória nº 104/03, conforme análise em linhas volvidas, “configura-se em um nada jurídico” totalmente desprovido de eficácia legal.
* Edson José de Barcellos é advogado titular do escritório Edson Barcellos Advogados Associados S.S., sócio da LEXNET em Goiânia-Go.