Por: Luiz Eduardo Lopes da Silva*- sócio titular de Lopes da Silva & Associados, LEXNET de São Paulo-SP.
Na hora da sucessão, é que o empreendedorismo do fundador é colocado em cheque. É quando ele vive uma verdadeira prova do fogo. Terá ele conseguido transferir ao seu sucessor a visão, o carisma e o senso de oportunidade que teve a capacidade de concretizar o que começou apenas com um sonho e muito arrojo? Será que seu herdeiro de sangue terá o melhor perfil para dar continuidade e até expandir o processo que tão arduamente ele iniciou? Ou será necessário buscar no mercado um profissional à altura deste desafio? Definir a sucessão no comando de uma empresa familiar é uma tarefa para lá espinhosa. O processo envolve paixão, razão, desejos, projeto de vida. E dúvidas, muitas dúvidas. Afinal, todo empresário nutre o sonho de ver a sua trajetória de sucesso nos empreendimentos também nas mãos dos herdeiros. Infelizmente, no mundo dos negócios, nem sempre amor e eficiência caminham no mesmo passo…
A cena é freqüente: depois de anos de esforço e sacrifício, o empresário se orgulha do sucesso de suas iniciativas. Começa então a refletir sobre o futuro de sua obra, o que o faz voltar os olhos para a família. Imagina como seus filhos, preparados ao longo do tempo, se portarão na condução dos negócios. Ocorre que nem o melhor preparo garante automaticamente o sucesso da sucessão. Por vezes, até mesmo os traços da personalidade do herdeiro não são os mais compatíveis à gestão empresarial.
Recentemente deparei com uma história dessas. Conversei com um notável empresário que, tendo vencido por si mesmo, partiu de uma função subalterna e tornou-se proprietário de um dos melhores restaurantes de São Paulo. Seu filho, estudado e bem preparado, foi levado ao comando de outra unidade da empresa. Revelou grande aptidão, mas frustrou-se, porque seu maior sonho era ingressar no charmoso mercado de internet. Foi o que bastou para o filho se afastar da companhia e a unidade criada especialmente para seu comando ser vendida a terceiros. Hoje, ele é empregado de uma empresa concorrente. Triste, o pai se pergunta: “Onde foi que eu errei?”
Se a situação for forçada, os sucessores se vêem obrigados a trabalhar naquilo que não os motiva e a empresa passa a ser conduzida sem a garra e o interesse do fundador. Resultado: frustram-se os fundadores, decepcionam-se os sucessores, sofrem a empresa e os funcionários. E adeus à clientela.
Esse quadro terrível é mais comum do que se imagina. Acostumados a comandar isoladamente, a determinar os rumos da empresa segundo seus apurados instintos, muitos empreendedores não são capazes de perceber a flagrante inadequação dos que lhe são próximos. Não avaliam as diferenças de temperamento, de visão do mundo, de entendimento dos mercados.
E, esperando que os herdeiros ajam e reajam exatamente como se acostumaram ao longo da vida, abafam a personalidade do sucessor ou realmente forçam a sucessão conforme a linha genealógica, sem respeitar a própria empresa que fundaram.
Sem dúvida esses empreendedores são movidos pelo amor aos descendentes – um sentimento não raramente complementado por uma dolorosa sensação de culpa pelos longos períodos de dedicação ao trabalho em detrimento da convivência familiar. Dessa triste mistura nasce o germe de destruição que ameaça a obra de uma vida inteira.
Para evitar esse cenário, melhor seria o empreendedor dedicar parte de seu esforço para pensar na sua sucessão. Ele deveria identificar entre os seus a existência de um potencial empresário que se revista da mesma garra, dedicação e capacidade de doação à empresa, assim como aconteceu com ele. Com sorte e um aguçado senso de observação, poderá encontrar a pessoa adequada. Se todavia não conseguir efetivar a sucessão natural – o que é muito comum acontecer, dado que não se descobrem líderes com tanta facilidade –, há de preparar a empresa para a sucessão profissional.
Podem colaborar – e muito – para uma sucessão eficiente: a conjugação de esforços no que tange à própria estrutura da sociedade; a profissionalização dos cargos diretos de operação; a preservação das funções de formulação política da empresa a familiares menos afeitos à administração do dia-a-dia – onde a eficiência é a principal regra – e, até mesmo, a organização patrimonial do controle e distribuição de bens entre herdeiros, por meio de um testamento.
E não se diga por aí que soluções desse tipo não se aplicam a empresas de pequeno ou médio porte, sob o argumento de que são sofisticadas demais e além do alcance da maioria. Isto simplesmente não é verdade. Uma correta orientação jurídica pode muito bem ser obtida por um preço razoável e apresentar resultados memoráveis.
Como ponto de partida para refletir sobre a sucessão, uma boa medida é discutir o assunto com os herdeiros, com olhos e ouvidos atentos para identificar vocações e respeitar os projetos de vida individuais. Além de proporcionar descobertas valiosas, esse diálogo é fundamental para encaminhar bem a sucessão. Demanda tempo e algum dinheiro, mas certamente se trata de um investimento pequeno, quando comparado à importância na defesa do trabalho de toda uma vida.
* Luiz Eduardo Lopes da Silva é advogado, pós-graduado em direito da empresa, sócio titular do escritório da LEXNET em São Paulo, Lopes da Silva e Guimarães – Advogados Associados e consultor jurídico de diversas entidades de classe.