Por Sérgio Schwartsman, sócio coordenador da área trabalhista do escritório Lopes da Silva & Associados – Sociedade de Advogados, LEXNET São Paulo
Lei 13.874/2019 direitos de liberdade econômica
No último dia 20 de setembro de 2019 foi publicada a Lei 13.874, que converteu em Lei, com uma ampliação significante, a Medida Provisória (MP) nº 881, que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado”. A Lei passou a valer, em sua integralidade, desde a data de sua publicação.
Como já tivemos oportunidade de dizer em artigo anterior, a Lei ampliou, bastante, o texto original da MP, mas, outra vez, vamos nos ater às alterações trazidas em relação ao Direito do Trabalho.
Mas é preciso dizer que, como é comum no Brasil, a técnica legislativa e a redação da Lei não foram um primor, assim, temos algumas situações “interessantes” que precisarão ser resolvidas, pois a Lei, tal qual redigida, não o fez.
De início, é preciso dizer que houve o “fim” do chamado e-Social, mas sem se saber exatamente como vai ocorrer e o que será criado em substituição.
A Lei foi sancionada nos seguintes termos:
“Art. 16. O Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) será substituído, em nível federal, por sistema simplificado de escrituração digital de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais.”.
É de se ressaltar que o Projeto de Lei originário extinguia o e-Social, e estabelecia um período de “vacatio legis”, de 180 dias a contar da publicação da Lei para o fim do mesmo. Mas a Lei, como sancionada apenas estabelece que o e-Social será substituído “por sistema simplificado de escrituração digital de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais” sem maiores detalhes, ou seja, não se sabe quando e de que forma isso irá ocorrer.
Portanto, por ora, o e-Social permanece em vigor e inalterado, sendo que teremos que “esperar os próximos capítulos” para saber o que vai ocorrer e como se dará, na prática, a substituição prometida (sim, prometida, pois não passa disso, uma promessa, já que a redação diz que o e-Social será substituído e não diz mais nada).
Como dissemos no artigo anterior, a justificativa do fim do e-Social era a dificuldade de sua utilização, sendo que o Secretário da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho havia dito que iria substitui-lo por dois novos sistemas, bem mais simples e levando em consideração o que já foi investido pelas empresas e possibilitando uma migração amigável, de forma a “não perdemos o que já foi feito até agora”.
Contudo, não houve qualquer sinalização desses novos sistemas e apenas a promulgação da Lei estabelecendo, como dissemos, que o e-Social “será substituído, em nível federal, por sistema simplificado de escrituração digital de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais”. É aguardar para ver.
Além dessa questão relativa ao e-Social, a Lei trouxe outros três pontos relevantes em relação ao Direito do Trabalho, quais sejam, (i) a CTPS digital, (ii) a mudança em relação ao número mínimo de empregados para que a empresa necessite ter controle escrito de jornada (cartão de ponto) e (iii) a possibilidade da adoção do cartão por exceção.
A CTPS representa um avanço, facilitando o acesso e lançamento das informações.
A Lei altera o artigo 14 da CLT que passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 14. A CTPS será emitida pelo Ministério da Economia preferencialmente em meio eletrônico:
Parágrafo único – Excepcionalmente, a CTPS poderá ser emitida em meio físico, desde que:
I – nas unidades descentralizadas do Ministério da Economia que forem habilitadas para a emissão;
II – mediante convênio, por órgãos federais, estaduais e municipais da administração direta ou indireta;
III – mediante convênio com serviços notariais e de registro, sem custos para a administração, garantidas as condições de segurança das informações.”
Portanto, como regra a CTPS será eletrônica, sendo que o meio físico se dará apenas em casos excepcionais, sendo que de acordo com a nova redação do art. 15 da CLT “os procedimentos para emissão da CTPS ao interessado serão estabelecidos pelo Ministério da Economia em regulamento próprio, privilegiada a emissão em formato eletrônico”, de modo que, em breve teremos essa regulamentação para saber como se dará a emissão da CTPS eletrônica.
Outra inovação, na questão da CTPS eletrônico, diz respeito a atual redação do art. 16 da CLT que prevê que “a CTPS terá como identificação única do empregado o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF)”, ou seja, daqui por diante a identificação da CTPS se dará pelo CPF do trabalhador, não havendo mais um número para identificação da mesma pessoa e não será possível, a um mesmo trabalhador possuir mais de uma CTPS. Isso tendo a evitar a ocorrência de fraudes, com empregados possuindo mais de uma Carteira de Trabalho e assim podendo se valer de cada uma delas, à medida de seus próprios interesses.
Por exemplo, até hoje, se um trabalhador ficasse apenas 1 mês em um serviço e entendesse que isso poderia “sujar” sua carteira, dificultando obtenção de outro emprego, tirava uma nova CTPS, para “esconder” esse registro de pouco tempo. Agora, com a CTPS digital isso não poderá ocorrer e todos os vínculos serão sempre visíveis a quem quer que acesse essa carteira digital.
As demais regras de anotação da CTPS permanecem basicamente inalteradas, havendo, apenas adaptações diante da emissão eletrônica mesma. Assim, por exemplo, o empregado não precisa mais entregar a via física da CTPS para anotação (até porque, em breve, não existirá mais), mas apenas fornecer o número de seu CPF (§ 6º do arr. 29 da CLT), com o qual o empregador fará o acesso à CTPS digital e fará o lançamento das informações.
Mais uma inovação importante diz respeito à necessidade de existência de controle escrito da jornada de trabalho (leia-se, existência de cartão de ponto). Até a última sexta feira, os estabelecimentos com mais de 10 empregado tinham que ter controle escrito da jornada. Agora, com nova redação do § 2º do art. 74 da CLT apenas os estabelecimentos com mais de 20 empregados é que precisam ter controle escrito da jornada. Cabe ressaltar que o empregador, com menos de 20 empregados, não precisa ter esse controle, mas se quiser, poderá tê-lo.
E, finalmente, outra novidade é a inclusão do § 4º do art. 74, que estabelece que “fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.
Esse registro de ponto por exceção significa que somente haverá necessidade de anotações das questões excepcionais relativas à jornada (faltas, atrasos ou prorrogações de jornada), sendo que para a jornada padrão, não haverá necessidade de anotação, presumindo-se que, no que não estiver anotado, prevalece o padrão/regra geral.
Por exemplo, se um trabalhador cumpre jornada de trabalho das 9h às 18h de segunda a sexta-feira, se chegar às 9h e for embora às 18h, não precisará fazer qualquer anotação em seu cartão de ponto, de modo que leitura, nesse dia, será no sentido de ter cumprido a jornada padrão das 9h às 18h horas.
Porém, se chegar às 8h45, anotará essa chegada antecipada; se sair às 18h30, anotará essa jornada prorrogada e assim por diante.
Assim, se no cartão de ponto, no primeiro dia não houver anotação, teremos que o empregado cumpriu a jornada padrão das 9h às 18h horas; se no segundo dia houver apenas a anotação às 8h45, teremos que nesse dia chegou mais cedo e saiu no horário normal (18h); no terceiro dia teremos a anotação apenas das 18h30 é porque chegou no horário normal (9h) e saiu às 18h30. E assim se dará em todos os dias.
Contudo, para adoção desse sistema de controle de ponto por exceção, haverá necessidade acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Assim, o empregador poderá fazer um acordo diretamente com o empregado (o Contrato de Trabalho ou um aditivo ao Contrato de Trabalho) ou essa previsão deverá constar de Convenção ou Acordo Coletivo, ou seja, com a intervenção do Sindicato.
Do ponto de vista do Direito do Trabalho, são essas as principiais novidades trazidas pela Lei 13.874/2019, que pretende aumentar a liberdade econômica dos empreendedores/empregadores.
Tão logo as questões que dependem de alguma regulamentação (substituição do e-Social e criação da CTPS por meio eletrônico) tenham novidades, escreveremos sobe o tema.